RedePsi - Psicologia

Colunistas

Gerontologia Sócio-Existencial no Campo Psi – parte I

Resumo:

O interesse crescente que se vem dispensando por toda parte no mundo moderno aos problemas sociais da velhice (gerontologia – ramo da ciência que estuda os fenômenos do envelhecimento humano), teve início, a partir do momento em que estatísticas hospitalares de diferentes países da Europa e dos USA passaram a acusar progressivo incremento, em seus estabelecimentos psiquiátricos, do número de pacientes de primeira admissão, acometidos de afecções mentais tidas por peculiares ao terço final da vida humana.
Descritores: 3ª idade; senilidade; senectude; demências; Alzheimer.

Dialética da Longevidade

Bastaria assinalar, para demonstrá-lo, que na Suécia, por exemplo, nação altamente desenvolvida do continente europeu, contam-se presentemente, para uma população de mais de oito milhões de habitantes, nada menos de 9.000 pacientes, diagnosticados de demência senil, em sentido estrito. Assinale-se, que tal proporção já existia naquele país, há mais de trinta anos, não tendo havido, pois, aumento efetivo de casos da espécie, na população total.

Vejamos o que se vem passando nos USA, segundo in­formes dados a conhecer pelo Instituto Nacional de Washington-DC. O número de casos clínicos, rotulados de "psicoses involutivas, pré-senis e senis", chega a ser cerca de nove vezes maior, nos tempos atuais, do que se registrava no começo do século XX – período este, ao longo do qual, o número de pessoas de sessenta e cinco anos ou mais aumentou de quatro vezes no promédio da população. Daí que tais psicoses, em conjunto, estejam hoje contribuindo com – entre 30 a 40% do total de primeiras entradas, em alguns dos grandes hospitais públicos urbanos daquele país.

Há todo um elenco de fatores circunstanciais de natureza diversa e valor desigual, capazes de interferir ponderavelmente na apreciação objetiva de fatos dessa ordem. Pelo menos, dois desses fa­tores merecem ser destacados como possíveis causas-de-erro na interpretação dos fatos aludidos.

Referimo-nos, de um lado, a certas contingên­cias ecológicas e a outras tantas peculiaridades inerentes às grandes metrópoles mundiais – áreas urbanas densamente povoadas, condicionando tipos de mora­dia em prédios de habitação coletiva, de alto ou baixo padrão; luta competitiva intensa, com acentuado anonimato social e deficiente ou nulo controle-de-grupo; relações-de-vizinhança geralmente neutras ou hostis -, sem dúvida alguns fatores que propendem a precipitar compulsórias me­didas de internação em estabelecimentos psiquiátricos.

Releva considerar, por outro lado, a maior confiança atual das populações citadinas, de melhor nível cultural, nos meios, recursos e processos de diagnóstico, assistência e tratamento dos pacientes dessa categoria.

Como quer que seja, e ainda que não se possa dispor de dados censitários e bioestatísticos, precisos e completos com respeito à maioria dos países ditos "em desenvolvimento", as circunstâncias apontadas não nos parecem, suficientes para explicar a ordem de grandeza do incremento observado. Este nada tem de aparente ou ilusório, antes vinculando-se a algo auspicioso: à questão crucial do aumento da longevidade nas civilizações contemporâneas.

Graças à melhoria das condições materiais de existência da humanidade atual e ao progresso extraordinário da Medicina e da Psicologia, pode-se afirmar que a duração média da vida humana vem sendo, de fato, consideravel­mente dilatada de ano para ano em nossos dias.

Pode-se objetar que essa duração média jamais deixou de aumentar da Antigüidade aos Tempos Modernos. Se para os romanos, a esperança de vida não ia além dos 18 anos, ao fim da Idade Média e, principalmente, ao início da Renascença, grande era a probabilidade de chegarem aos 25, notando-se que, dentre cem nascidos vivos, cerca de uma dezena alcan­çava os 60 anos de vida.

Carlos V, pai de Felipe II de Espanha, responsáveis ambos pela unificação e consolidação do grande Império Católico do Ocidente, era popularmente cognominado "o velho sábio", apesar de contar apenas 42 anos de idade, quando veio a morrer, em 1380.

Em toda a Europa, até meados do século XVIII, bastante raros eram aqueles que chegavam a tornar-se octogenários, os quais, pertenciam às classes privilegiadas.

Foi somente a partir do século XIX e, particularmente, nestes últimos cento e poucos anos, que as chamadas expectativas-de-vida começaram a elevar-se vindo mesmo a duplicar em diversos países da Europa e dos USA. Assim, na Inglaterra, tomando-se apenas como base de estimativa o período compreendido entre 1910-42, verifica-se que o número de pessoas, de idade igual ou superior a sessenta anos, passou de dois milhões e quinhentos mil para seis milhões duzentos e cinqüenta mil.

A França, por sua vez, em cuja po­pulação total contavam-se, em 1930, não mais de 7% de sexagenários, possui hoje, na passagem dos séculos XX/XXI, nada menos de 12%, fora cerca de um milhão de octogenários, 2/3 dos quais pertencentes ao sexo feminino.

Em conseqüência, admite-se que as expectativas-de-vida, nos países citados, estejam agora em torno de 68 anos de idade, para os homens, e 77 para as mulheres, equiparando-se às da Suíça, Holanda e Escandinávia, especial­mente Suécia e Finlândia, que detinham o recorde, desde o longínquo 1960.

Igualmente nos USA, rigorosos informes censitários pe­riódicos vêm sendo efetuados, tem-se podido apurar que, a quota de sexagenários na população do país está aumen­tando, de ano para ano, em proporção que se estima não inferior a 400.000 por ano. Isso induz a admitir que, no momento atual, mais de vinte milhões de norte-americanos já estão indo além dos 60 anos de idade; mais de seis milhões atingindo à casa dos 70 anos; e nada menos de dois milhões tornando­-se octogenários.
Em 1850, com efeito, contavam-se naquele país, cerca de 5 adolescentes, de 20 anos ou menos, para cada adulto de 45 anos ou mais. Precisamente cento e cinqüenta anos depois, revelava-se essa proporção praticamente igualada. Tais fatos levam à inferência de que, as pessoas de mais de 60 anos de idade constituirão, pelo menos, a quarta parte do total da população norte-americana. E, por sua óbvia significação prospectiva: a proporção adolescente/adulto, já estará então praticamente in­vertida, isto é, haverá aí, aproximadamente, 2 indivíduos, maiores de 45 anos, para 1, menor de 20.

Desta forma, parece-nos mais que suficiente para justificar as apreen­sões do mundo moderno, frente às graves e prementes questões clínico-sociais ligadas ao problema geral da ancianidade.

Defrontamo-nos, efetivamente, e pela primeira vez, com qualquer coisa de novo em toda a História da Humanidade. Há uma urgência e dificuldade de equacionar ade­quadamente a sua problemática.

Não se ignora que, em algumas remotas civilizações orientais (chine­ses, hebreus etc.), os velhos – provavelmente por serem pouco numerosos, posto que as condições gerais de vida não favoreciam a longe­vidade – ocupavam posições destacadas no seio da família, cercados do respeito e veneração de todo o clã comunitário. Sabe-se igualmente, graças aos modernos antropólogos, que em certas comunidades primitivas atuais, de economia próspera e organização social estável e bem estruturada, prerrogativas especiais são também asseguradas aos anciãos, que alguns chamam de presbíteros. Por conta dos co­nhecimentos que possuem acerca das antigas tradições, das lendas e dos ritos, condição que lhes confere singular prestígio, como elemento de coesão interna, visando à preservação dos interesses tribais e sua proteção contra os malefícios de estranhas potências sobrenaturais.

Esse problema em referência passou a ser objeto de acurados estudos e indagações, de variada or­dem, estimulando os governantes das duas mais poderosas nações da terra, na Guerra Fria – ou, III Guerra Mundial: USA e União Soviética – à fundação de seus dois primeiros grandes Institutos de Gerontologia, logo colocados sob a orientação tecno-científica de importantes Organismos Internacionais (OMS, FAO, UNESCO etc.), co­-responsáveis em grande parte pelos destinos do mundo.

Portanto, razões materiais de monta, ligadas ao interesse imediato ou mediato das coletividades humanas, acham-se diretamente em jogo nessa conjuntura. É que o aumento progressivo da longevidade, fazen­do crescer paralelamente o número de velhos na estrutura das populações, tor­nará cada vez mais avultado o contingente de inativos em seus quadros sociais.

Isso acabará por alterar a dinâmica das relações internas de produção e consumo, onerando pesadamente a economia das insti­tuições previdenciárias e assistenciais, que disso se incumbem. Acresce que são aquelas nações européias, que, por seus mais altos padrões de cultura, desenvolvimento e organização social, ostentam as mais elevadas expec­tativas-de-vida, as que acusam os mais baixos índices do chamado crescimento vegetativo. Em muitas delas, essa diferença entre nascimentos e mortes continua a ser pouco significativa, senão mesmo diminuta ou nula. Isso decorre não somente de um aumento puro e simples da longevidade, mas também de um evidente decréscimo da natalidade.

Fenômeno inverso é o que vem sendo, por outro lado, observado em numerosos países da Ásia e, com menor intensidade, da África e da América Latina. Neles, apesar das notoriamente baixas expectati­vas-de-vida, a par dos altos índices de insalubridade geral e de mortalidade in­fantil ainda vigentes, continua a registrar-se, de ano para ano, acentuado cres­cimento demográfico, por força da incontrolável fertilidade da grande maioria de seus habitantes. Na índia, por exemplo, em cuja população contam-se apenas cerca de 3,6% de indivíduos de mais de 60 anos de idade, o crescimento demográ­fico se opera na razão de 12 milhões por ano, o que se confirmou, para aquele país, ao final do século XX, nada menos de 1 bilhão de habitantes. Mais ainda: na China, a julgar pelo que a respeito nos tem sido dado conhecer, haverá, aproximada­mente à mesma época, um mínimo de 2 bilhões de chineses, o que não chega a espantar, se tivermos em conta que a população, deverá ser então equivalente à de toda Escandinávia, em conjunto. Não há dúvida de que em diversos países da África (Nigéria, Ghana, Quênia etc.), o problema demográ­fico apresenta-se menos agudo. É preciso não esquecer de que, no Egito, nasce, atualmente, uma criança, a cada minuto, e de que há certas zonas do oeste do Cameroun, em que a densidade demográfica é de cerca de 300 mil habi­tantes por quilômetro quadrado.
Igualmente na América Latina, e tomando apenas por ponto de referência o que sobre isso se sabe, acerca do nosso próprio país, pode-se dizer que o problema da longevidade não chega ainda a constituir maior preocupação, pois a proporção de velhos não vai além de 3%. Entre nós, a mortalidade infantil, chega a alcançar mais de 200 por 1.000 nascidos vivos, e as doenças infecto-parasitárias, continuam a figurar entre as principais causas de morte da população. Parece inquestionável que a duração média da vida humana também continue a aumentar, em nosso país, encontrando-se agora em torno dos 50 anos de idade, e que os índices de natalidade venham crescendo, à razão de aproximadamente 43 por 1.000 habitantes.

À base do que foi visto, e em se tendo em conta que o efetivo populacional do mundo, destes, uns 63% serão asiáticos, e mais ou menos 10% latino-americanos. Dos restantes, haverá, no máximo, 20% de europeus e norte-americanos em conjunto, a metade dos quais, já se encontrará então na faixa etária dos 60 anos.

Quer isso significar, evidentemente, que será assim mera questão de tempo o envelhecimento e perecimento gradativo das populações da Terra, a começar justamente por aquelas de civilização mais avançada e florescente, aca­bando, por estender-se às demais e por conduzir, finalmente, à lenta e completa extinção da vida humana em nosso planeta. Acrescentemos que os USA, como também os países do Oriente estão dizimando seus jovens-ainda-adolescentes em suas guerras.

Eis a sombria ameaça que paira sobre o porvir da Humanidade – perspectiva apocalíptica, dialeticamente armada, em nossos dias, pelo mais jubiloso evento das civilizações contemporâneas.

É verdade que se aprendeu a conhecer, através intenso trabalho de pesquisa, os limites de habitabilidade das diferentes re­giões da superfície terrestre. Não se desconhece, os males decorren­tes do crescimento demográfico desordenado e da conseqüente concentração de grandes massas humanas em espaços exíguos.

Dispõe-se, de recursos eficazes para prevenir e dar combate a certos fenômenos negativos, resultantes do superpovoamento de determinadas áreas ecológicas, inerentes aos grandes centros industriais urbanos – fome, poluição, contagiosidade, tensões emocio­nais e desajustamentos psico-sociais, de variada ordem, truculência, agressividade e evasões anormais e por aí vai.

Quanto, porém, ao problema da longevidade, devemos confessar-nos praticamente desarmados. Há, no mundo, presentemente, segundo as conclusões levadas à Assembléia Geral das Nações Unidas pelo sociólogo Tarek Schuman e seu grupo de trabalho, em fins do século XX, cerca de 200 milhões de pessoas com mais de 65 anos de idade. E o pior é que uma grande parte dessa população, tanto nas cidades quanto no campo, não dispõe de meios próprios e suficientes para assegurar sua subsistência, pertencendo ao que se entende por "velhice abandonada e desamparada", vale dizer, condenada a viver seus últimos dias na solidão e na miséria.

Assim sendo, em suas custosas viagens pelos céus, venha o homem a tentar a ocupação de outro planeta perdido em algum canto do espaço cósmico, para aí constituir uma Nova Humanidade. Importa buscar alguma solução, dentro das normas e preceitos da dignidade humana e da coexistência social, capaz de preservar, a posteridade do Homem na Terra.

Nota: a parte II está escrita na Seção de Artigos.

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter