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Jogo Patológico

Jogo patológico pode ser definido pela persistência e recorrência do comportamento de apostar em jogos de azar, apesar de prejuízos em diversas áreas da vida decorrentes dessa atividade. A investigação sobre a atividade de jogar pode detectar precocemente esse transtorno. Jogadores patológicos devem ser encorajados a procurar ajuda de tratamento adequado. É alto o índice de comorbidade psicopatológica.

Passar algumas horas no bingo pode ser uma atividade de lazer, mas, freqüentemente, pode tornar-se uma atividade de risco. Jogos de azar vêm se tornando cada vez mais populares em vários países, inclusive no Brasil. Apesar do crescente número de casas de jogos, incluindo bingos e máquinas eletrônicas, não há nenhum controle sobre essas atividades. Frente ao estímulo para jogar, pouco tem sido feito em termos de prevenção, pesquisas ou tratamento no Brasil.

Jogo patológico tem sido considerado uma questão de saúde pública, havendo um crescente esforço de conscientização de profissionais do Campo Psi e da popula­ção em vários países. O presente artigo tem como objetivo definir jogo pato­lógico e discutir estratégias de intervenção de forma a esclarecer sobre os riscos desse transtorno e incentivar o seu diagnóstico precoce.


Fases do jogo patológico

Padrões uniformes e progressivos no jogo patológico, com complicações previsíveis são conhecidos. O jogo começa com pequenas apostas, normalmente na adolescência, sendo mais freqüente entre os homens. O intervalo de tempo entre começar a jogar e a perder o controle sobre o jogo varia de 1 a 20 anos, sendo mais comum num período de 5 anos. É freqüente que as primeiras apostas tenham resultado em ganho de uma quantia expressiva de dinheiro.

 

Três fases do comportamento de jogar são identificadas:

1. Fase da vitória: a sorte inicial é rapidamente substituída pela habilidade no jogo. As vitórias tomam-se cada vez mais excitantes e o indivíduo passa a jogar com maior freqüência, acreditando que é um apostador excepcional. Um indivíduo que joga apenas socialmente geralmente pára de jogar aí;

2. Fase da perda: a atitude de otimismo não-realista passa a ser característica do jogador patológico. O jogo não sai de sua cabeça e ele passa a ir jogar sozinho. Depois de ganhar uma gran­de quantia de dinheiro, o valor da aposta aumenta con­sideravelmente, na esperança de ganhos ainda maiores. A perda passa a ser difícil de ser tolerada. O dinheiro que ganhou no jogo é utilizado para jogar mais, em se­guida, o indivíduo emprega o salário, economias e di­nheiro investidos;

3. Fase do desespero: caracterizada pelo aumento de tem­po e dinheiro gastos com o jogo e pelo afastamento da família. Um estado de pânico surge, uma vez que o joga­dor percebe o tamanho de sua dívida, seu desejo de pagá-Ia prontamente, o isolamento de familiares e ami­gos, a reputação negativa que passou a ter na sua co­munidade e, finalmente, um desejo nostálgico de recu­perar os primeiros dias de vitória. A percepção desses fatores pressiona o jogador e o comportamento de jo­gar aumenta ainda mais, na esperança de ganhar uma quantia que possa resolver todos esses problemas. Al­guns passam então a utilizar recursos ilegais para obter dinheiro. Nessa fase, é comum a exaustão física e psico­lógica, sendo freqüente a depressão e pensamentos suicidas.

Apesar das graves conseqüências que o jogo patológico pode vir a provocar, os jogadores têm muita dificuldade em admitir o problema e pedir ajuda, e a aderência ao tratamen­to costuma ser baixa, procurando tratamento principalmen­te quando a situação se agrava, o que torna as tarefas de prevenção e diagnóstico precoce imperativas.

O jogo patológico foi incluído como transtorno do impul­so nos critérios do DSM-III apenas em 1980, de forma que esse quadro ainda é desconhecido pela população, que iden­tifica o jogador como um "mau caráter" e desconhece a existência de tratamento apropriado. A contribuição de clínicos na sensibilização para a questão, orientação e tra­tamento de jogadores é fundamental.


Critérios diagnósticos

Jogo Patológico é caracterizado, segundo os critérios di­agnósticos do DSM-IV, pela persistência e recorrência do comportamento de jogar, indicado pela presença de pelo menos cinco dos seguintes itens:

(1) preocupação com jogo (preocupação com experiências passadas, especulação do resultado ou planejamento de novas apostas, pensamento de como conseguir dinheiro para jogar);

(2) necessidade de aumentar o tamanho das apostas para alcançar a excitação desejada;

(3) esforço repetido e sem sucesso de controlar, diminuir ou parar de jogar;

(4) inquietude ou irritabilidade quando diminui ou pára de jogar;

(5) jogo como forma de escapar de problemas ou para aliviar estado disfórico (sen­timentos de desamparo, culpa, ansiedade, depressão);

(6) depois da perda de dinheiro no jogo, retorna freqüentemente no dia seguinte para recuperar o dinheiro perdido;

(7) men­tir para familiares, terapeuta ou outros, a fim de esconder a extensão do envolvimento com jogo;

(8) cometer atos ile­gais como falsificação, fraude, roubo ou desfalque para fi­nanciar o jogo;

(9) ameaçar ou perder relacionamentos sig­nificativos, oportunidades de trabalho, educação ou car­reira por causa do jogo;

(10) contar com outros para prover dinheiro, no intuito de aliviar a situação financeira desesperadora por causa do jogo.

Não há pesquisas epidemiológicas sobre a prevalência de jogo patológico na população brasileira, tampouco é claro o perfil dos jogadores.

Pesquisa realizada em local de jogo em São Paulo, e entre jogadores que procuraram tratamento, observou que, ape­sar de ser crescente o número de mulheres que jogam, a maioria dos jogadores é do sexo masculino, tem cerca de 40 anos de idade, casada, trabalha e tem grau de escolaridade elevado.

Os jogadores costumam apostar em mais de um tipo de jogo de azar, apesar de normalmente praticarem mais assiduamente apenas um jogo específico. Bingo, jogos eletrônicos (vídeo bingo, videopôquer e caça-níqueis) e carteado são os mais refe­ridos como atividades que trazem prejuízos.


Comorbidade psicopatológica

Jogo patológico vem freqüentemente associado a ou­tros transtornos psíquicos, sendo os mais comuns o transtorno de humor, de ansiedade, dependência de álcool e outras drogas. Dessa forma, consulta com um clínico psi é muito útil para esclarecer o diagnóstico e em­pregar medicação apropriada.


Tratamento

Existem poucos estudos controlados sobre tratamento e diferentes abordagens são descritas na literatura. Grupos de Jogadores Anônimos, freqüentes em outros países, já se encontram em algumas cidades brasileiras. Abordagens psicodinâmicas são relatadas na literatura, bem como inter­venção familiar, terapia cognitiva, comportamental e farma­coterapia. Abstinência não é necessariamente o objetivo do tratamento, mas sim o auto-controle.

Ambulatórios do Jogo Patológico utilizam a psicoterapia de grupo com o propósito de auxiliar o jogador a sair do isola­mento em que se encontra. Psicoterapia individual é indicada para jogadores mais mobilizados, e orientação familiar é uma fer­ramenta importante. Apesar de não existirem estudos controla­dos, alguns trabalhos indicam a utilização de antidepressivos como forma auxiliar na contenção do impulso de ir jogar. Ao que tudo indica, não é uma compulsão do espectro do TOC, mas uma impulsão, vinda diretamente do núcleo instintivo-afetivo do indivíduo.

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