Introdução
Estima-se que aproximadamente um terço dos doentes sofrem de alguma forma de dor crônica. Dor nas costas, artrite, cefaléias e transtornos músculo-esqueléticos, fibromialgias e tendinites das mesenquimopatias, bem como dor devido a doenças neurológicas, cardíacas e oncológicas combinadas, afetam estimadamente centenas de milhões de pessoas no planeta. A dor do câncer afeta aproximadamente um terço dos pacientes de câncer como doença primária, e dois terços como doença metastática.
A percepção da dor é influenciada pelo estado de consciência. Por exemplo, a dor crônica tende a ser maior ao anoitecer e nos fins de semana, quando as pessoas não são distraídas pelas atividades de rotina. Ela diminui naturalmente no sono, mas, na verdade, pode interferir com esse; os tipos mais severos de dor podem reduzir substancialmente a eficiência do sono. Várias das drogas mais potentes que tratam a dor diminuem a atenção e a vigília, um efeito colateral muitas vezes indesejável ou que pode levar ao abuso de medicamentos analgésicos.
A dor é, finalmente, um fenômeno da mente e do corpo. É composta tanto de um sinal somático de que algo está mal com o corpo, quanto de uma mensagem ou interpretação desse sinal, envolvendo fatores da atenção, cognitivos, afetivos e sociais. O sistema límbico e o córtex fornecem os meios de modulação dos sinais da dor, amplificando-os através da atenção excessiva ou desregulação afetiva, ou diminuindo-os através da negação, desatenção, relaxamento ou técnicas de controle da atenção.
1. Fatores Cognitivos que influenciam a dor
Atenção à dor
A percepção da saúde é modulada pelo córtex, que aumenta ou diminui a consciência dos sinais que chegam. A pesquisa recente, neuropsicológica e de imagens cerebrais, demonstrou pelo menos três centros de atenção, que modulam a percepção: um sistema de orientação parieto-occipital posterior, um sistema de enfoque localizado no giro cingular anterior e um sistema de despertar-vigília no lobo frontal direito. Esses sistemas fornecem, entre outras coisas, a atenção seletiva para sinais aferentes, permitindo que estímulos em situação de competição sejam relegados à periferia da consciência.
Quando foi postulada a teoria das comportas da dor, observou-se que aferências (inputs) corticais superiores também poderiam inibir os sinais de dor. Essa teoria indica a interação entre o processamento central e a percepção de estímulos nocivos na periferia.
Significado
Sabe-se, há mais de meio século, que o contexto em que a dor está situada influencia na sua intensidade. Observou-se que os soldados da cabeça de ponte de Anzio, que estavam muito feridos, pareciam necessitar muito pouco em termos de medicação analgésica. Verificou-se que os pacientes cirúrgicos do Hospital Geral de Massachusetts, com feridas provocadas cirurgicamente, iguais ou menos sérias, exigiam níveis muito mais altos de medicação analgésica que os soldados em combate. Concluiu-se que essa diferença baseava-se na diferença de significado da dor. Os pacientes que interpretavam os sinais de dor como um sinal de piora de sua doença, tendiam a experimentar uma intensidade muito maior da dor. Essa hipótese foi confirmada, por exemplo, entre pacientes de câncer. Os que acreditavam que a dor representava uma piora de sua doença mostravam ter mais dor.
Transtornos do humor
Foi relatada uma correlação entre neuroticismo no Inventário da Personalidade de Maudsley (Maudsley Personality Inventory) e a dor, entre pacientes que tinham carcinoma do cérvix. Outros estudos relataram que os pacientes com dor tinham escores mais altos em medidas de depressão, ansiedade e outros sinais de transtorno do humor. Em particular, a depressão e a ansiedade eram observadas como acompanhantes freqüentes da dor. Este estudo inicial implicava que os pacientes com psicopatologia queixavam-se mais de dor. Uma pesquisa posterior sugeriu que há uma interação e que talvez a dor crônica amplifique ou produza a depressão.
A depressão é o diagnóstico clínico mais freqüentemente relatado entre os pacientes com dor crônica. Os relatos de depressão entre populações com dor crônica vão de 10 a 87%. A severidade relativa da depressão observada em pacientes com dor crônica é ilustrada pelos achados de que 35% de uma amostra de 37 pacientes com dor satisfaziam os critérios para depressão maior e 43% tinham um episódio passado de depressão maior.
A ansiedade é muitas vezes um acompanhante da dor aguda. Como a depressão, pode ser uma resposta apropriada a um sério trauma por agressão ou doença. A dor pode servir como uma função sinalizadora ou ser parte de uma preocupação ansiosa, como o caso da mulher com sarcoma, citado acima. De modo similar, a ansiedade e a dor podem se reforçar uma à outra, produzindo um efeito de bola de neve, aumentando ou reforçando mutuamente sintomas centrais e periféricos.
2. Mecanismos neurológicos da dor
Sabe-se atualmente que interações altamente complexas de vários sistemas diferentes de estruturas centrais e periféricas, da superfície da pele ao córtex cerebral, estão envolvidas no processamento da dor. O bloqueio de qualquer dessas vias e/ou o antagonismo aos neurotransmissores envolvidos podem ser considerados ao tratar problemas específicos de dor.
Receptores sensoriais periféricos
Cada indivíduo pode verificar que, quando um estímulo potencialmente nocivo é aplicado a uma área sensível do corpo, como a pele, inicia-se uma cadeia de sinais que resulta na identificação do estímulo como doloroso. As descrições antigas dos nervos periféricos indicavam que eles eram específicos para as modalidades e que cada classe de fibra nervosa era responsável por apenas uma das modalidades sensoriais. Esse conceito não foi corroborado pelos estudos anatômicos da superfície da pele, que demonstraram que nem toda classe de terminal nervoso está presente em todas as áreas da pele. A pesquisa neurofisiológica mais recente estabeleceu a existência de nervos aferentes específicos primários para a sinalização de estímulos nocivos. Esses nervos denominam-se nociceptores.
Os nociceptores são ativados por alguma forma de energia (mecânica, térmica ou química). Eles convertem essa energia em impulsos elétricos, que são conduzidos através dos axônios dos nervos até o cérebro. A resposta reflexa e o relato subjetivo da dor, associados a um estímulo nocivo resultam do processamento dos sinais na medula espinhal, tronco cerebral, diencéfalo e córtex superior, de numerosos nociceptores aferentes primários que foram ativados pelo estímulo. Os nociceptores caracterizam-se por: 1) alto limiar para todos os estímulos ocorrendo naturalmente, comparados com outros receptores no mesmo tecido, e 2) o aumento progressivo da resposta a estímulos nociceptivos repetidos ou crescentes (sensibilização ).
Nociceptores particulares respondem apenas a tipos particulares de estímulos. Embora as vias exatas envolvidas na transdução da informação nociva pelos nociceptores ainda não tenham sido esclarecidas, parece que o terminal periférico do nociceptor mecânico A-delta provavelmente funciona como um receptor. Se isso é verdadeiro para outros nociceptores, ainda permanece objeto de especulação. A presença de vesículas nos terminais aferentes primários dos nociceptores foi verificada pela microscopia eletrônica. Essas vesículas, provavelmente, fornecem o substrato para vários agentes periféricos ativos.
A substância P (sP) é um undecapeptídeo encontrado em neurônios aferentes primários de pequeno diâmetro. Esse peptídeo é transmitido à periferia por estes nervos, e o estímulo desses aferentes primários leva à liberação da sP da extremidade distal dos nervos. Demonstrou-se que outras substâncias químicas presentes no sangue e nos tecidos são algésicas. A serotonina, histamina, acetilcolina, bradicinina e a substância de reação lenta da anafilaxia (slow reacting substance of anaphylaxis) (SRS-A), o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (calcitonin-gene-related peptide, [CGRP]) e potássio – excitam os aferentes nociceptores primários. Até o presente, a definição de neuropeptídeo da "dor" não foi especificada. As prostaglandinas isoladas não excitam as fibras da dor; contudo, parecem sensibilizar os aferentes primários a substâncias algésicas.
O traumatismo direto do tecido resulta na liberação de potássio, síntese de bradicinina no plasma e síntese de prostaglandinas na região do tecido danificado. Impulsos antidrômicos nos aferentes nociceptores primários levam ao aumento da sP nos terminais nervosos. Isso associa-se a um aumento da permeabilidade vascular e, por sua vez, a uma liberação notável de bradicinina. Há também um aumento na produção de histamina nos mastócitos e um aumento da produção de serotonina nas plaquetas; ambas são capazes de potente ativação dos nociceptores. A liberação de histamina combina-se à liberação da sP para aumentar a permeabilidade vascular. Aumentos locais na histamina e na serotonina, através da ativação dos nociceptores, resultam em um aumento adicional na sP, de modo que se pode observar o desenvolvimento de um ciclo auto-sustentado em cada região das fibras nervosas nociceptivas aferentes do tecido danificado. No líquido extracelular circunjacente, os aumentos da histamina e da serotonina levam à ativação dos nociceptores vizinhos, e essa é uma razão para a hiperalgesia secundária. Superpostos a todos esses acontecimentos estão os efeitos do aumento da liberação das catecolaminas das terminações nervosas simpáticas, que levam à sensibilização dos nociceptores. A evidência de modelos animais de artrite e de vários dados em seres humanos indicam o neurônio simpático pós-ganglionar como parte integral nas alterações observadas na permeabilidade vascular, em resposta à ativação dos nociceptores aferentes primários.
Transmissão aferente primária
Após o estímulo nocivo ter sido detectado por um nociceptor, o impulso resultante transmite-se a partir do ponto de origem, através do nervo aferente primário. Os nervos aferentes primários que conduzem os impulsos da dor são quase exclusivamente de fibras amielínicas C e de fibras finamente mielinizadas A-delta. A maioria das fibras aferentes C originam-se de nociceptores multimodais, que são ativados por estímulos nocivos mecânicos, químicos e térmicos. A velocidade de condução dessas fibras C é, aproximadamente, de 1 metro por segundo (m/s), que provavelmente explica a "dor lenta" sentida 1-2 segundos após a aplicação do estímulo nocivo. As fibras finamente mielinizadas A-delta também transmitem impulsos da dor, mas a velocidade de condução destes neurônios é muito mais rápida (12-30 m/s). As fibras A-delta são particularmente sensíveis ao estímulo com instrumentos agudos. Além disso, 20-50% das fibras A-delta respondem ao calor bem como aos estímulos mecânicos. Esses tipos de fibras conduzem os impulsos que sinalizam inicialmente um estímulo nocivo. Estes nociceptores aferentes primários constituem a maioria das fibras em qualquer nervo periférico.
A lesão destes nervos periféricos não se correlaciona necessariamente com a presença ou ausência de dor. As possibilidades da agressão aos nervos periféricos evocar uma resposta dolorosa incluem:
1. Atividade aumentada das fibras simpáticas próximas à área danificada.
2. Formação de neuroma devido ao brotamento de axônios danificados.
3. Brotamento de colaterais das fibras vizinhas intactas.
4. Alterações nas células dos gânglios das raízes dorsais ou nos terminais centrais de axônios danificados que perderam parte de sua aferência dorsal.
5. Estimulação de nervi nervorum nociceptivos dos nervos periféricos.
Terminais dos aferentes primários na medula espinhal
Raízes dorsal e ventral. Os corpos celulares de todas as fibras aferentes somáticas primárias estão nos gânglios das raízes dorsais adjacentes à medula espinhal. O único corpo celular aferente primário fora desta posição é o gânglio do trigêmeo, que é a continuação rostral dos gânglios das raízes dorsais. A maioria das aferências sensoriais entram na medula espinhal através da zona de entrada da raiz dorsal. Contudo, fibras aferentes não-mielinizadas C foram descobertas também nas raízes ventrais. A relevância clínica das fibras que cruzam ou das que entram pelas raízes ventrais não é conhecida. Esta heterogeneidade na via dos aferentes primários associada à transmissão da dor ajuda a explicar o alívio incompleto da dor que se observa após a ablação da zona de entrada unilateral da raiz dorsal.
Cornos dorsais. Após o impulso entrar na medula espinhal através das raízes dorsais ou ventrais, ele termina no corno dorsal ipsilateral (do mesmo lado) da medula espinhal. O corno dorsal é organizado em lâminas distintas, com terminais aferentes primários específicos nas lâminas individuais. As fibras A-delta terminam principalmente na lâmina I, em porções ventrais da lâmina II e através da maior parte da lâmina III. As fibras C não-mielinizadas terminam na lâmina lI.
Lâmina I. É uma lâmina delgada superficial de neurônios que constituem a zona marginal. Os neurônios com corpos celulares na lâmina I denominam-se células marginais. Estas células marginais recebem projeções das fibras aferentes A-delta e C, reativas a estímulos mecânicos nocivos. Além disso, respondem a algumas fibras aferentes C multimodais, bem como a impulsos A-delta de temperatura. Esses neurônios projetam-se em uma das várias áreas do tálamo, por meio dos feixes espinotalâmicos contralaterais, à substância branca dorsal ipsilateral ou à substância cinzenta dorsal ipsilateral de uma área de vários segmentos.
Lâmina II. A lâmina II também é conhecida como substância gelatinosa, devido a aparência clara dessa na seção da matéria espinhal, em comparação com a camada marginal circundante e o núcleo próprio. A região passou por extensa avaliação. Os neurônios da lâmina II agem como um centro modulador para impulsos aferentes de fibras grandes e pequenas que terminam nessa região. A área é densamente compactada com células que têm extensas conexões sinápticas com outras células da área. Os axônios da maioria dessas células são curtos e apenas uns poucos deles se projetam ao tálamo, através das colunas contralaterais-ântero-laterais. O fenômeno clínico da analgesia seletiva da medula espinhal pelos opiáceos é intermediado através de receptores para opiáceos encontrados na lâmina II. A estimulação desses receptores leva à inibição dos disparos (descargas) das células marginais em resposta a sinais aferentes primários. Inibição semelhante pode ser postulada com outros agentes neuroquímicos atuando sobre essa lâmina, mas é necessário mais pesquisa para delinear as complexas interações envolvidas no processamento desses estímulos nocivos.
Lâminas III e IV. O núcleo próprio é composto de neurônios situados nas lâminas III e IV. Uma das populações de células predominante no núcleo próprio responde a aferências de fibras A-beta, A-delta e C; esses denominam-se neurônios de ampla faixa dinâmica (wide dinamic range neurons, WDR). Embora os campos receptivos dos aferentes individuais possam ser muito pequenos, o WDR correspondente tem um campo receptivo amplo. Os WDR se projetam ao tálamo, através do feixe ântero-Iateral.
A convergência de aferentes somáticos nociceptivos e aferentes viscerais nociceptivos ao mesmo neurônio no corno dorsal provavelmente explica o fenômeno denominado dor referida. A presença da convergência vÍscero-somática, músculo-somática e vÍscero-visceral, observada em várias lâminas do corno dorsal, e o desenvolvimento de campos receptivos consideravelmente amplos em alguns desses neurônios de segunda ordem também ajudam a explicar algumas das características peculiares da dor não-somática.
Vias sensitivas ascendentes. Os neurônios de segunda ordem, que se situam nas lâminas respectivas dos cornos dorsais da medula espinhal, subseqüentemente, utilizam várias rotas específicas para conduzir suas mensagens aos centros cerebrais superiores. As rotas específicas caracterizam-se como feixes e sistemas e incluem os sistemas neo-espinotalâmico, paleoespinotalâmico e espinorreticular e as colunas dorsais.
Vários outros sistemas também estão envolvidos na projeção rostral da informação nociceptiva. Importantes entre esses outros sistemas seriam o sistema funicular dorsal e o intersegmental, que provavelmente também estão envolvidos na transmissão inibitória descendente.
Processamento no tronco cerebral. O tronco cerebral está envolvido na transmissão de toda a informação ascendente e descendente. Fibras aferentes nociceptivas conectam-se com neurônios de projeção no corno dorsal, que ascendem no feixe ântero-Iateral para terminar no tálamo. Durante a condução rostral desses impulsos, colaterais ativam o núcleo reticular gigantocelular, que por sua vez envia projeções ao tálamo, bem como à substância cinzenta periaquedutal.
Interconexões talâmicas. Vários grupos nucleares do tálamo se associam à conexão dos impulsos aferentes nociceptivos. Incluídos entre eles estão o complexo nuclear posterior, o complexo ventrobasilar e o complexo nuclear intralaminar medial. No tálamo, os neurônios espinotalâmicos terminam em grande parte nos núcleos ventropóstero-lateral e centromediano. O complexo ventrobasilar também recebe aferências das colunas dorsais. Acredita-se que o núcleo centromediano está envolvido nos aspectos qualitativos da nocicepção, e a estimulação dessa região desencadeia o desprazer associado a lesões de tecidos. As projeções do núcleo centromediano são pouco compreendidas atualmente, mas, presumivelmente, ativam centros aversivos no sistema límbico.
Córtex cerebral. O córtex somatossensorial recebe aferências processadas dos sistemas espinotalâmico, espinorreticular e das colunas dorsais, como delineado anteriormente. A maior parte da atenção se concentrou em SII como a principal região cortical envolvida na recepção e percepção de informação nociceptiva.
Modulação descendente. Até este ponto, a discussão das vias da dor esteve limitada à projeção rostral dos estímulos nocivos primários. A falha de um estímulo doloroso particular em provocar um certo comportamento em indivíduos diferentes indica que se deva desatrelar um conceito simples de estímulo-resposta do processamento da dor. Esta desconexão do estímulo da dor e sua resposta é talvez melhor identificada ao observar a ausência de dor em alguns indivíduos feridos em batalha ou em acontecimentos esportivos. Um dos focos principais da pesquisa nas últimas três décadas foi delinear as explicações fisiológicas para estas diferenças observadas na resposta à dor. Através desta investigação, tornou-se aparente que a discussão do ramo aferente da via da dor impõe a consideração de influências moduladoras na transmissão da dor.
A modulação dos estímulos da dor pode ocorrer em muitos níveis diferentes de sua via. Os autores da proposta da teoria das comportas, previram a modulação da atividade de pequenas fibras pela presença da atividade de fibras grandes na mesma região do corno dorsal. A ativação cutânea das fibras aferentes grandes, através da estimulação transcutânea dos nervos, apóia esta modulação periférica no como dorsal. Além disso, demonstrou-se que a estimulação das colunas dorsais que imitam a ativação da inibição descendente inibe a descarga do interneurônio nociceptivo do corno dorsal.
Um trabalho antigo demonstrou a existência de sistemas descendentes com feixes longos para a modulação da atividade espinhal evocada. Virtualmente, todas as vias conduzindo informação nociceptiva, incluindo os feixes espinotalâmico e espinorreticular, estão sob o controle modulador de sistemas supra-espinhais. A evidência experimental desta influência supra-espinhal inclui a inibição de reflexos nociceptivos pela estimulação elétrica ou microinjeções de opióides em sítios do tronco cerebral, os quais são ambos reversíveis pelo naloxone.
A estimulação dos centros bulbares evita a ativação do neurônio de segunda ordem no corno dorsal ou na substância cinzenta do trigêmeo por fibras aferentes primárias, através desta inibição descendente. Além destas diferentes vias moduladoras que foram parcialmente caracterizadas, sem dúvida há influências inibitórias descendentes adicionais, que ainda não foram avaliadas. A continuação da pesquisa auxiliará a esclarecer a complexa relação entre o estímulo doloroso e sua resposta e talvez sugerir modalidades terapêuticas adicionais que possam ser aplicadas ao tratamento da dor.
3. Neurofarmacologia
Dessensibilização periférica
Com início nos circuitos locais envolvidos na detecção de estímulos nocivos na periferia após um traumatismo periférico, por exemplo, inicia-se uma reação inflamatória, incluindo a ativação do complemento, de vias de coagulação e da fibrinólise. Ocorre a liberação local de histamina, serotonina, prostaglandinas e sP. Alterações subseqüentes no ambiente local, como uma queda do pH dos tecidos, alterações na microcirculação e aumento da atividade eferente simpática parecem aumentar a resposta dos nociceptores periféricos.
Vários tratamentos medicamentosos foram tentados para interromper este processo periférico. O bloqueio da dor por drogas semelhantes à aspirina é uma dessas ações periféricas. A aspirina, indometacina, ibuprofen, fenilbutazona, diclofenaco e cetorolaco são inibidores da cicloxigenase. A cicloxigenase é a enzima responsável pela síntese das prostaglandinas, prostaciclinas e tromboxanos. Todas estas substâncias endógenas foram propostas como intermediadoras da resposta local à dor. Os ensaios clínicos com a capsaicina também se centraram na ação periférica. Foi demonstrado que essa droga esgota a sP dos terminais nervosos cutâneos. Inicialmente, o efeito é de uma dor em queimadura, seguida pela insensibilidade a estímulos dolorosos subseqüentes.
Suspeita-se também do envolvimento do sistema nervoso simpático. Sabe-se que as fibras simpáticas estão presentes em grande número, próximo aos nociceptores cutâneos. O bloqueio destas fibras simpáticas pode eliminar a dor da causalgia em alguns pacientes. A dor disestésica em queimadura e a hiperalgesia que se observa nessa síndrome, que pode ser eliminada pelo bloqueio simpático, pode reaparecer com a aplicação local de norepinefrina (noradrenalina), o neurotransmissor simpático.
Bloqueio nervoso
O bloqueio nervoso pode ocorrer em qualquer ponto ao longo das vias da dor. Os locais mais comuns de bloqueio nervoso são os nervos periféricos, plexos somáticos e raízes dorsais. Esses bloqueios podem ser realizados com agentes de ação relativamente curta, como os anestésicos locais para a dor aguda, enquanto o bloqueio de longa duração (permanente) com álcool ou fenol pode ser mais apropriado para a dor crônica. As lesões cirúrgicas em qualquer desses pontos também têm sido sugeridas para obter a interrupção duradoura das vias específicas da dor. A desvantagem das técnicas permanentes é que não são específicas para as fibras da dor, nem confiáveis para os problemas prolongados de dor.
Estimulação elétrica
A previsão de que a atividade de fibras longas poderia bloquear certas informações nocivas no nível do corno dorsal resultou na introdução da estimulação elétrica transcutânea dos nervos (transcutaneous electrica/ nerve stimulation, TENS). A utilidade clínica da TENS ainda tem de ser estabelecida para as síndromes individuais de dor. A estimulação da coluna dorsal (dorsal column stimulation, DCS) excita as vias descendente inibitórias com eletricidade para obter analgesia. O êxito da DCS tem sido misto, mas pode ter lugar em certas síndromes dolorosas de deaferentização.
Drogas antiinflamatórias não-esteróides
Pensa-se atualmente que o efeito das drogas antiinflamatórias não-esteróides (A INES) em inibir a síntese das prostaglandinas explica suas propriedades de alívio da dor. As prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanos são derivados do ácido araquidônico, uma gordura essencial poliinsaturada. As indicações para os AINES vão do tratamento de dores, distorções e dismenorréia ao tratamento a longo prazo da artrite reumatóide e osteoartrite, bem como doenças degenerativas das articulações (por exemplo, espondilite anquilosante e gota). Demonstrou-se que sua atividade antiinflamatória também alivia a dor nos pacientes de câncer com metástases ósseas. Em contraste com as drogas opiáceas, não houve uma demonstração clara de uma relação entre os níveis no sangue dos AINES e o alívio da dor.
A maioria dos AINES pode ser classificada em um ou dois grupos, baseando-se nas suas meias-vidas de eliminação. Os AINES no primeiro grupo têm meias-vidas entre 2 e 4 horas. O acetaminofen também está incluído nesse grupo, a despeito da falta de propriedades antiinflamatórias. As drogas no segundo grupo têm meias-vidas mais longas, de 6 a 60 horas. Pensa-se que os pacientes com insuficiência renal têm risco de toxicidade devido a estes agentes, em vista delas serem excretadas através do rim.
A dosagem de agentes individuais deriva do tratamento a longo prazo de doenças reumáticas e representam a atividade antiinflamatória submáxima. Embora essas doses sejam consideradas seguras para tratamento a longo prazo, a monitorização cuidadosa dos efeitos colaterais é apropriada. Os efeitos colaterais dos AINES incluem irritação gástrica, retenção de sais e líquidos, inibição das plaquetas e zumbido.
Antidepressivos
Muitas das drogas antidepressivas atuam pelo bloqueio da recaptação de noradrenalina e serotonina no sistema nervoso central. Este efeito também pode ocorrer no bulbo e aumenta a concentração destes neurotransmissores nas sinapses envolvidas na inibição descendente das células dos cornos dorsais. Os antidepressívos tricíclicos orais (ATC) são bem absorvidos no trato gastrointestinal. Há informação conflitante a respeito da existência de faixas terapêuticas para os antidepressivos. Toda a informação farmacocinética atualmente disponível refere-se à atividade antidepressiva dessas drogas. O tempo necessário para a percepção do alívio da dor após a instituição dessas drogas é de apenas 2-7 dias, comparado com o tempo aceito para o efeito antidepressivo de 3-4 semanas. Essa observação sugere que mecanismos diferentes podem estar envolvidos em seu efeito analgésico e na ação antidepressiva.
Os efeitos colaterais do uso de ATC incluem efeitos autonômicos, anticolinérgicos e adrenérgicos. Boca seca é o efeito colateral mais comum, e pode ser aliviado pelo aumento da ingesta de líquidos e estimulantes da saliva, como balas sem açúcar. Turvação da visão também é comum, e geralmente interfere com a leitura. A hipotensão ortostática também é comum. Os pacientes devem ser advertidos para se levantar lentamente e ficar atentos a tonturas. A constipação também foi descrita em associação com esses agentes.