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A meditação desafiando a Neurobiologia – parte IV

(continuação)

Os quimiorreceptores centrais não estão em contato direto com o sangue arterial, porém exercem um íntimo contato com o líquido cerebroespinal. O lí­quido cerebroespinal é separado do sangue arterial graças à ação da barreira he­matoencefálica. O dióxido de carbono apresenta facilidade para se difundir atra­vés desta barreira, mas os íons de hidrogênio e bicarbonato não. Devido a isso, alterações da PCO2 arterial são transmitidas muito rapidamente ao líquido cere­broespinal. De fato, todo o sistema de controle respiratório reage de forma muito eficaz aos aumentos das pressões parciais de dióxido de carbono arterial e do lí­quido cerebroespinal, sendo este provavelmente o estímulo mais importante para o sistema respiratório. O aumento agudo das concentrações de dióxido de carbo­no no ar inspirado produz sensíveis aumentos na ventilação pulmonar. Tal efeito já pode ser observado ao respirarmos entre 5 e 10% de dióxido de carbono, o que reflete pressões parciais entre 40 e 70mmHg.

Os quimiorreceptores periféricos, por sua vez, aumentam sua taxa de dis­paro em resposta ao aumento da PCO2 arterial, à diminuição da PO2 arterial ou à diminuição do pH arterial. Evidências indicam que os corpos carotídeos exercem uma influência muito maior sobre o controlador respiratório que os corpos aórti­cos, principalmente no que diz respeito à diminuição da PO2 e do pH.

Em vários trabalhos, a meditação tem apresentado um decréscimo da fre­qüência respiratória em seus praticantes. Bernardi e seus colaboradores detec­taram uma redução marcante: seis respirações por minuto (rpm) durante a recita­ção de mantras por monges budistas tibetanos. Um outro experimento detectou 5rpm em um mestre de Kundalini-yoga, e um outro trabalho chegou a averiguar uma queda ainda mais exuberante: 3rpm em praticantes de Meditação Transcen­dental. De alguma forma, essa redução na freqüência respiratória parece estar associada a estados alterados de consciência.

Segundo Arambula, a predominância da respiração abdominal durante a meditação ainda correlaciona-se bem com o aparecimento e/ou manutenção das ondas alfa, que predominam nas eletroencefalografias dos sujeitos submetidos às avaliações laboratoriais. Bernardi e seus colaboradores também correlacionaram a diminuição da freqüência respiratória com o estado hipometabólico consciente.

Os yogues usam os pranayamas há milênios, visando, entre outras coisas, diminuir a freqüência respiratória e direcionar a mente para um ponto específico, aumentando, assim, a concentração. Este processo pode ser observado em inú­meras pesquisas. Porém, o interessante é ressaltar que esse subterfúgio utilizado e descrito pelos yogues, e tido por muito tempo como sem fundamento, torna-se, com auxílio dos laboratórios científicos, evidência clara de sua eficiência em con­duzir a mente aos estados alterados de consciência.

Lazar e seus colaboradores, por exemplo, mapearam, por ressonância magnética, o encéfalo de yogues em meditação kundalini. Os resultados apontaram para uma ativação maior de estruturas neuronais que podem envolver a atenção e o controle do sistema nervoso autônomo. Os autores chegaram a esta conclusão estudando cinco sujeitos sem nenhum histórico de desordens mentais, que meditavam diariamente por pelo menos quatro anos. Durante a meditação, pôde-se ob­servar alterações significativas no fluxo sangüíneo de algumas estruturas encefá­licas. Os autores enfatizam que os yogues em meditação direcionam sua atenção a uma tarefa específica, como uma visualização ou mantra e, segundo eles, este fato correlaciona-se com a diminuição da freqüência respiratória. A partir deste ponto se inicia uma série de mudanças fisiológicas e neuroquímicas, que parecem conduzir ao samadhi – que a ciência tem estudado e correlacionado com estado hipometabólico consciente.

Em todos os artigos revistos, o consumo de oxigênio (VO2) e a produção de dióxido de carbono (CO2) durante os transes meditativos apresentaram reduções nos seus valores, com exceção de um único artigo que não detectou tal comportamen­to no VO2 em praticantes de Meditação Transcendental. Porém, há indícios de que a diminuição do consumo de oxigênio e da produção de dióxido de carbono possa ser conseqüência da adaptação do organismo à baixa taxa metabólica, induzida pela me­ditação, como no hipometabolismo.

Robert Keith Wallace foi, muito provavelmente, o primeiro cientista ociden­tal a realmente se interessar pelos aspectos fisiológicos produzidos pela prática me­ditativa. Em seu clássico trabalho, intitulado Efeito fisiológico da meditação trans­cendental, de 1970, Wallace avaliou o VO2 em indivíduos praticantes de Medita­ção Transcendental, através dos métodos de circuito aberto e fechado. Os voluntários sentaram-se em silêncio e assim permaneceram com os olhos abertos por 5 minutos e com os olhos fechados por mais 15 minutos. A seguir, iniciaram a prática medita­tiva por meia hora. O experimento findou com mais dois períodos: 10 minutos sen­tados com os olhos fechados e os últimos 5 minutos com os olhos abertos.

Esse trabalho revelou que durante o período meditativo ocorreu uma significa­tiva diminuição de 20% no VO2, quando comparada ao período pré-meditativo. Essa diminuição já pôde ser percebida nos primeiros 5 minutos de meditação. O autor ar­gumenta que durante o sono também diminuímos o nosso VO2 em cerca de 10-20%, mas, na Meditação Transcendental, reduções da mesma magnitude ocorrem em ape­nas 30 minutos de prática. Logo, a meditação parece atingir o mesmo nível de relaxa­mento profundo do sono, porém em menor tempo. Ainda nesta pesquisa, o referido autor investigou o comportamento da freqüência cardíaca durante a meditação, con­cluindo que esta apresentava uma queda de cinco batimentos por minuto.

Em outro experimento, Wallace e seus colaboradores selecionaram 36 vo­luntários, entre homens e mulheres, com idades que variavam entre 17 e 41 anos, e avaliaram o VO2 durante a prática meditativa. Os valores iniciais apontaram para 251,2ml/min, diminuindo para 211,4ml/min no período meditativo e aproxi­mando-se dos valores iniciais de 242,1ml/min no período pós-meditação. A eli­minação do CO2 seguiu o mesmo padrão apresentado pelo VO2, começando em 218,7ml/min, diminuindo para 186,8ml/min em Meditação Transcendental, e restabelecendo-se em 2l7,9ml/min no período pós-meditação. Esses 36 voluntários ainda apresentaram significativas quedas na pressão arterial (PA) tanto sistólica (máxima) quanto diastólica (mínima). Estes trabalhos incentivaram outros pesquisadores ociden­tais a investigar, de forma mais detalhada, os benefícios que a prática da medita­ção poderia trazer para aqueles indivíduos com comprometimento do sistema cardiorrespiratório, tais como hipertensos, asmáticos etc.

Uma interessante questão abordada por alguns pesquisadores é a supos­ta diminuição da quimiossensibilidade respiratória apresentada por determina­dos indivíduos adeptos de práticas meditativas. Um estudo realizado no Canadá averiguou o efeito da meditação transcendental no padrão respiratório em 16 vo­luntários experientes nesta prática. Os resultados foram, então, confrontados com outros 12 voluntários que serviram como grupo controle. Todos os participantes da pesquisa foram avaliados com relação ao VO2, ao VCO2 e algumas variáveis espirométricas. Os pesquisadores usaram a média das últimas três respirações do minuto final da respiração em repouso para determinar a ventilação/minuto (VE) o volume corrente (VC), a freqüência respiratória (f), o tempo inspiratório (Ti), o fluxo inspiratório médio (VC/Ti) e a fração inspiratória do ciclo respiratório (Ti/Tot). Essas medidas foram tomadas em dois momentos distintos. Para o grupo de praticantes de meditação, primeiramente sentados, relaxados, porém despertos e de olhos abertos (MD) e, posteriormente, sentados em meditação (MM). Para o grupo controle, primeiramente sentados, relaxados, porém despertos e de olhos abertos (CD), e, posteriormente, sentados, relaxados e de olhos fechados (CR).

O grupo praticante de meditação apresentou um decréscimo em sua venti­lação pulmonar (VE) durante a meditação (MM), quando comparado ao primei­ro momento (MD). O grupo controle não apresentou a mesma queda. Isso signi­fica que, durante períodos de um minuto, uma menor quantidade de ar foi mobili­zada pelos praticantes de meditação. Essa queda foi resultado de um menor volu­me corrente (VC), resultando em um menor tempo inspiratório (Ti). Pode-se no­tar também que o estímulo respiratório nos praticantes de meditação parece es­tar diminuído, uma vez que os mesmos apresentaram menores freqüências respi­ratórias e volumes correntes, quando solicitados a respirar uma mistura que con­tinha 7% de CO2 e 93% de O2. Essa maior quantidade de gás carbônico produziu uma hipercapnia da magnitude de 55mmHg (PACO2). O grupo controle apresen­tou uma maior quimiossensibilidade ao estímulo respiratório gerado pela hiper­capnia, o que pode ser comprovado na análise de seus elevados padrões respira­tórios. Esse estudo demonstrou que a prática da Meditação Transcendental pode influenciar significativamente o padrão respiratório, por meio de redução na sen­sibilidade dos quimiorreceptores centrais, medida através da resposta ventilató­ria ao CO2. Os autores ainda enfatizam que tais respostas ocorreram durantes es­tados mentais sem perda de consciência, uma vez que todos os voluntários prati­cantes de meditação mantiveram-se acordados durante a prática.

Pesquisadores belgas chegaram a conclusões semelhantes ao estudar oito praticantes bem treinados em Hatha-yoga e pareados com oito voluntários que serviram de grupo controle. Os voluntários foram submetidos a uma técnica de respiração contínua e progressiva de dióxido de carbono, e seus padrões respiratórios foram correlacionados com a crescente PACO2. Mais uma vez, os resulta­dos indicaram um decréscimo da sensibilidade central ao estímulo produzido pela hipercapnia, uma vez que para a mesma PETCO2 (pressão parcial final de CO2 expirado), o grupo Hatha-yoga apresentou uma menor ventilação pulmonar (VE) quando comparado ao grupo controle. Os pesquisadores ainda comentam a pos­sibilidade do Hatha-yoga ser utilizado terapeuticamente no tratamento de doen­tes pulmonares obstrutivos crônicos, já que essas adaptações centrais poderiam capacitá-Ios a controlar de forma mais eficaz suas dispnéias.

Pesquisadores italianos também testaram a resposta dos quimiorreceptores centrais à hipercapnia. Analisando 10 indivíduos treinados em Hatha-yoga e com­parando-os com um grupo controle composto por 12 indivíduos saudáveis e sem experiência nas práticas yóguicas, os pesquisadores notaram uma menor quimios­sensibilidade ao estímulo advindo das concentrações de CO2. Entretanto, este fato parece estar associado à diminuição voluntária da freqüência respiratória, uma vez que o grupo controle, quando solicitado a ventilar com uma freqüência de seis res­pirações por minuto, também demonstrou essa menor sensibilidade ao aumento do CO2. Ao que tudo indica, mesmo indivíduos não treinados nas práticas do Yoga po­dem diminuir seu estímulo respiratório, caso voluntariamente diminuam sua freqüên­cia respiratória. Contudo, quando os grupos participantes foram solicitados a respi­rar de maneira natural e espontânea utilizando misturas gasosas hipóxicas e hiper­cápnicas, o grupo Yoga mostrou uma significativa redução no estímulo respiratório, quando comparado ao grupo controle. Devido a esses achados, os pesquisadores concluíram que os efeitos da prática do Yoga somam-se aos efeitos produzidos pela diminuição voluntária da freqüência respiratória, e podem, de forma independente, reduzir a quimiossensibilidade ao estímulo respiratório. Possíveis explicações pas­sam pela adaptação periférica e central dos quimiorreceptores devido à crônica re­tenção de CO2 e/ou à crônica adaptação dos receptores de distensão pulmonar, que sofreriam acomodações recorrentes, devido ao hábito da respiração profunda, em­pregada na maioria dos pranayamas.

Mais uma vez os cientistas responsáveis pela pesquisa enfatizam a importân­cia clínica da respiração yóguica, pois indivíduos portadores de algumas doenças cardíacas, assim como disfunções respiratórias comumente acompanhadas por hipóxia e hipercapnia, poderiam beneficiar-se desse treinamento, controlando vo­luntariamente suas dispnéias e melhorando, assim, sua qualidade de vida.

Outro ponto considerado como um dos padrões fisiológicos na meditação, e conseqüência do baixo ritmo respiratório, são os momentos espontâneos de ap­néia, conhecidos no Hatha-yoga como kumbhaka. Sabe-se da forte relação entre apnéias e os estados alterados de consciência, enfatiza­dos por Patañjali. Para ele, o verdadeiro pranayama era a ausência total da respira­ção ou kumbhaka, que seria o veículo para o controle do fluxo incessante da men­te. Inúmeros cientistas têm investigado episódios de apnéia espontânea durante práticas meditativas e yóguicas, e um dos primeiros trabalhos foi realizado na Ín­dia no ano de 1975. Este estudo averiguou as adaptações ocorridas em um grupo de cadetes submetido a treinamento yóguico, e mostrou que, após a fase de trei­no, os mesmos aumentaram seus tempos de retenção voluntária da respiração de 54 para 106 segundos. Além disso, foram notadas significativas mudanças em algumas variáveis respiratórias. O volume corrente aumentou de 1,98 para 2,89 litros/metros2 de superfície corporal e o VEF1 foi alterado de 1,69 para 1,94 li­tros/metros2.

Os pesquisadores Farrow e Herbert, de forma independente, notaram em seus trabalhos episódios de periódicas apnéias com durações de 19,2 segundos em sujeitos que praticavam Meditação Transcendental. Cientistas canadenses também averiguaram alguns episódios de suspensão da respiração durante tran­ses meditativos, e afirmaram que tais episódios correlacionaram-se bem com ex­periências subjetivas de transcendência da consciência, relatadas, pelos voluntá­rios em questão.

Alguns autores têm sugerido que a queda na taxa metabólica está associa­da ao aparecimento das apnéias. De fato, a presença das suspensões respiratórias tem sido sugerida como evidência de uma necessidade de oxigênio diminuí­da. Todos os avaliados por Kesterson e Clinch, por exemplo, estiveram em kum­bhaka, em algum momento do processo meditativo. Existiram casos de até 75 se­gundos de apnéia espontânea, sendo que um sujeito despendeu 375 segundos dos dez minutos do período meditativo em apnéia, o que correspondeu a 63% do tempo total da meditação sem respirar. Entretanto, os cientistas responsáveis por es­tas pesquisas não verificaram quedas significativas no VO2. Estes mesmos auto­res são os únicos que não corroboram o aparecimento do estado hipometabóli­co consciente.

O yogue Satyamurti, aparentemente sus­pendeu por completo os seus batimentos cardíacos por cinco dias, mas infeliz­mente não foi registrada sua freqüência respiratória. Mas podemos supor que deva ter existido um decréscimo acentuado.

A suspensão ou retenção da respiração é realizada com maestria pelo mer­gulhador apneísta, o cubano Francisco Ferreira, conhecido como Pipin. Este íco­ne do mergulho livre bateu recordes de profundidade e permanência submerso, e é sabidamente um adepto do Yoga. O francês Jacques Mayol, recordista mundial de mergulho livre da década de 1960, foi também um exímio praticante de Yoga. Foi dele também o grande feito de romper a barreira dos 198 pés de profundida­de em 1966. A literatura científica mundial também tem demonstrado interesse pela pesquisa das supostas adaptações produzidas por esses esportistas adeptos do mergulho livre. Massuda e colaboradores descreveram alguns ajustes respira­tórios em uma família de mergulhadores. Eles detectaram uma resposta ventila­tória normal para hipercapnia, mas com menor sensibilidade à hipóxia. Por ou­tro lado, outros pesquisadores relataram menor quimiossensibilidade à hipercap­nia em jogadores de pólo subaquático e mergulhadores.

Pode-se observar a importância do pranayamas nas alterações de inúme­ras variáveis respiratórias. Tais melhoras, em alguns casos, já podem ser percebi­das em apenas algumas semanas de prática. Além disso, esse con­trole respiratório induzido pelo pranayamas é a base para o início da meditação, sendo o responsável pelo aparecimento da respiração mais lenta e de predomi­nância abdominal, que é o fator fundamental para se manter a concentração por longos períodos de tempo durante a meditação.

Segundo os textos de Yoga, a chave para o controle do sistema nervoso au­tônomo é o exercício respiratório. Como visto anteriormente, os pranayamas si­tuam-se no quarto estágio do astanga-yoga de Patañjali, que, feito seqüencial­mente, desemboca na meditação (dhyana) e, talvez, para os mais afortunados, no samadhi final (kaivalya).

Mudanças na freqüência cardíaca e na pressão arterial são comuns em pra­ticantes avançados de meditação. Pesquisadores noruegueses investigaram 38 meditadores experientes e os compararam a 21 indivíduos que serviram de grupo controle. Depois de uma hora de meditação, a freqüência cardíaca e a pressão ar­terial do grupo de meditadores caíram a valores estatisticamente significativos, e o grupo controle não apresentou alterações depois do mesmo período em estado de repouso. O grupo de meditadores continuou a demonstrar significativas que­das na freqüência cardíaca, mesmo depois de duas horas da prática meditativa. Em 2004, pesquisadores norte-americanos também identificaram sensíveis que­das na pressão arterial e na freqüência cardíaca em jovens com média de idade de 12-13 anos, submetidos à prática de meditação por três meses. Ainda em 2004, encontrou-se dois trabalhos interessantes. Um grupo de pesquisadores tam­bém detectou sensíveis quedas na freqüência cardíaca de voluntários após a prá­tica de três modalidades distintas de meditação. O outro grupo investigou a di­minuição da pressão arterial em adolescentes afro-americanos submetidos à prá­tica da Meditação Transcendental. Reduções estatisticamente significantes foram encontradas tanto para pressão sistólica quanto para pressão diastólica.

Wallace e seus colaboradores podem ser con­siderados pioneiros na investigação da meditação no Ocidente. Entretanto, inú­meros cientistas indianos colaboraram na compreensão dos benefícios advin­dos de tais práticas. Gopal e alguns colaboradores investigaram os efeitos car­diorrespiratórios e musculares, advindos da prática de inúmeros asanas (vajra­sana, dharmikasana, sirsasana, savasana, sarvangasana, viparltakarani, setu­bandhasana, ardha-matsyendrasana). Em um de seus trabalhos, os pesquisa­dores compararam dois grupos distintos, cada um composto por 14 voluntários. O primeiro grupo era formado por indivíduos treinados nas práticas yóguicas e o segundo grupo, que serviu de controle, era composto por indivíduos sem ex­periência prévia nesses exercícios. Ambos foram submetidos à prática dos re­feridos asanas, e as análises estatísticas revelaram diferenças fundamentais en­tre os grupos com experiência prévia e o grupo controle nas variáveis fisiológi­cas investigadas.

A freqüência cardíaca, assim como a freqüência respiratória, foram significativamente menores no grupo experiente. Já o volume corrente (VC) foi maior no grupo treinado, indicando que este realizava inalações mais profundas e pausadas, característica dos estados conscienciais mais relaxados. Fora isso, o grupo treinado fez uso de uma menor quantidade de oxigênio du­rante a execução dos referidos asanas. Este fato indica que o tônus da muscu­latura associada a tais movimentos era menor, sendo muito provavelmente, me­tabolicamente menos ativo. O fluxo sangüíneo periférico também foi medido e o grupo treinado apresentou maiores valores para esta variável. Este aumento do fluxo sangüíneo para a periferia do corpo, muito provavelmente, deva estar associado a uma redução do tônus simpático, o que, por sua vez, reforça a proposição de que estes indivíduos encontravam-se em estado de profundo re­laxamento. Todos os asanas investigados produziram tais resultados, todavia, a prática do savasana foi a que produziu os menores índices de FC e (f), assim como o maior fluxo sangüíneo periférico, mais uma vez apontando para o po­tencial benefício terapêutico que a prática do Yoga pode proporcionar. É inte­ressante frisar que a referida pesquisa foi realizada no ano de 1974; atualmen­te, inúmeras pesquisas corroboram a hipótese de que o sistema neurovegetativo parassimpático passe a ser ativado com mais fa­cilidade pelos versados adeptos das práticas yóguicas.

Os mesmos autores da pesquisa citada acima realizaram uma experiência se­melhante, porém, tendo agora os pranayamas como foco de atenção. Os mesmos grupos avaliados na pesquisa com os asanas foram submetidos às investigações associadas aos exercícios respiratórios. Os pranayamas utilizados durante esta pes­quisa foram acompanhados com manobras conhecidas como bandhas. Bandhas são contrações musculares que no sistema yóguico objetivam estimular plexos, ner­vos, órgãos e glândulas, que supostamente funcionam como chaves do fluxo ener­gético do organismo. Os três bandhas foram: mula-bandha que é a contração si­multânea dos esfíncteres do ânus e da uretra; uddiyana-bandha é a contração do ab­dome durante a retenção sem ar nos pulmões; e o jalamdhara-bandha que consiste em fixar o queixo na depressão jugular em um movimento semelhante à conhecida manobra de Valsalva. Mais uma vez pôde-se observar que o grupo versado nas prá­ticas yóguicas apresentou menores freqüências respiratórias associadas com maio­res amplitudes do movimento torácico. O fluxo sangüíneo periférico também foi avaliado nesta pesquisa e apresentou-se maior nos praticantes de Yoga do que no grupo controle, indicando mais uma vez, um menor tônus simpático. Foi observa­do também que os indivíduos treinados apresentaram maiores períodos de retenção respiratória voluntária. Os períodos de apnéia foram maiores nos pranayamas asso­ciados com os bandhas. Os autores comentam a possibilidade de que a prática dos bandhas facilite o retorno venoso, melhorando, desta forma, a oxigenação muscu­lar, e permitindo um maior tempo de apnéia.

Bagga e Gandhi são outros pesquisadores indianos interessados na inves­tigação dos aspectos fisiológicos inerentes à meditação e ao Yoga. Em um inte­ressante estudo realizado em 1983, os referidos autores compararam as respos­tas cardiovasculares produzidas durante a prática da Meditação Transcendental (MT) e do savasana. Para tanto, utilizaram três grupos distintos, compostos por mulhe­res com idade entre 17-20 anos. O primeiro grupo realizou o asana savasana; o se­gundo grupo foi treinado na técnica da MT; e o terceiro grupo serviu de controle. Após 12 semanas, tanto o grupo savasana quanto o MT apresentaram significati­vas reduções na FC e na PA, assim como aumentos na resistência galvânica da pele (RGP ou GSR), quando comparados ao grupo controle. Quando o grupo savasana foi comparado ao grupo MT, este se mostrou um pouco mais eficaz na produção de alterações fisiológicas relacionadas à aquisição de um relaxamento corporal mais profundo. Apesar da importância desse trabalho, fica patente a dificuldade encon­trada pelos autores de se trabalhar com indivíduos experientes em tais práticas, uma vez que todas os voluntários participantes da pesquisa não eram previamente versa­dos nas técnicas sugeridas, e isso pode influenciar os resultados.

Ainda no continente Indiano, mais especificamente no Instituto Kaivalya-­dhama em Lonavla, pesquisadores averiguaram os efeitos da prática dos pranayamas associada a alguns exercícios aeróbios na melhora do condicionamento físi­co. Tem havido algumas evidências de que a prática dos pranayamas e dos exercí­cios de resistência melhora a capacidade física e mental. O presente trabalho ave­riguou 40 voluntários saudáveis com idade entre 15-17 anos. Nenhum dos parti­cipantes da pesquisa tinha tido contato prévio com pranayamas ou exercícios ae­róbios durante sua vida. Os voluntários foram divididos em 4 grupos, compostos de 10 indivíduos cada, a saber: grupo pranayamas, grupo aeróbio (ginástica aeró­bica de baixo impacto, corrida e circuit training), grupo pranayamas com exercí­cios aeróbios, e grupo controle. A pesquisa teve a duração de 12 semanas e os vo­luntários exercitavam-se durante 30 minutos, três vezes por semana. Ao término da pesquisa, os cientistas compararam os valores para a capacidade vital (CV) e resistência aeróbia medida através do teste de 12 minutos de Cooper, além da re­sistência neuromuscular acessada através de avaliações indiretas. Os resultados mostraram que o grupo pranayamas apresentou os maiores valores para a capa­cidade vital. O grupo aeróbio atingiu escores superiores no teste de Cooper e nos testes musculares. Entretanto, o grupo pranayamas com exercícios aeróbios apre­sentou valores estatisticamente superiores em todos os aspectos quando comparado com os outros três grupos.

No continente europeu, pesquisadores alemães realizaram uma investigação das alterações hormonais e dos fatores de risco cardiovascular durante um "retiro espiritual", com duração de três meses. Nesta pesquisa, 106 pessoas (58 homens e 48 mulheres) com idade entre 18-64 anos praticaram diariamente sessõ­es de kriya-yoga, além de fazer uso exclusivo de alimentação vegetariana. Ao término do período, os dados colhidos foram comparados com os valores do pró­-término do período, os dados colhidos foram comparados com os valores do próprio grupo obtidos antes do retiro, além dos valores advindos de um grupo controle de pessoas que viviam na cidade de Hannover. Os dados apontaram significantes quedas na contagem dos leucócitos. Isto pode estar associado à diminui­ção do estresse, assim como à redução do contato com agentes patogênicos ad­vindos da má alimentação, poluição e tabagismo, uma vez que 1/3 dos participan­tes eram tabagistas antes de iniciada a pesquisa. Os valores da PA e da FC tam­bém foram sensivelmente diminuídos. As concentrações de colesterol plasmáti­co foram reduzidas e pôde-se observar um aumento nas lipoproteínas de alta den­sidade (HDL – o "bom colesterol"), associado a uma diminuição nos fatores de risco cardiovascular.

Um aspecto interessante dessa pesquisa foi a detecção de um aumento estatisti­camente significativo nas concentrações de cortisol. Este hormônio, como se sabe, está associado ao eixo do estresse. A grande maioria das pesqui­sas realizadas com Yoga e meditação tem detectado sensíveis quedas nas con­centrações plasmáticas de cortisol. Com relação a este achado, futuras investi­gações são necessárias com o intuito de elucidar melhor este acontecimento.

Os pesquisadores norte-americanos Berger e Owen realizaram um traba­lho científico com o intuito de averiguar a relação da prática do Yoga e também da natação (exercício de caráter eminentemente aeróbio) na diminuição dos es­tados afetivos nocivos, tais como: raiva, confusão, tensão e depressão. Já está bem elucidado que a prática de exercícios aeróbios de forma rotineira pode ser responsável por uma série de benefícios na vida de seu praticante. Um dos aspec­tos investigados é a grande variação de efeitos psicológicos positivos produzi­dos por essas práticas. Berger e Owen, nos anos de 1983 e 1987, atentaram para o fato de que a natação poderia ser tão benéfica quanto a prática mais dissemina­da do jogging no controle do estresse emocional. Esses mesmos autores propu­seram, no ano de 1988, oito fatores taxonômicos associados aos exercícios supos­tamente positivos no controle do humor. São eles: (1) o exercício deve ser praze­roso; (2) de caráter aeróbio e que facilite a respiração abdominal; (3) não compe­titivo; (4) rotineiro; (5) repetitivo e rítmico; (6) feito com uma freqüência de, no mínimo, três vezes por semana; (7) de intensidade moderada; (8) com duração mínima de trinta minutos por sessão. Quando comparado com essa taxonomia, o Hatha-yoga apresenta 7 das 8 características propostas pelos autores, excetu­ando-se metade do item 2, pois no Hatha-yoga a respiração abdominal é predo­minante. Sendo assim, o presente estudo intencionou comparar os benefícios psi­cológicos produzidos pela prática da natação e do Hatha-yoga. Participaram da pesquisa 101 estudantes colegiais, entre homens e mulheres, que praticaram du­rante um semestre ou Yoga ou natação.

Durante a pesquisa, todos os participan­tes preenchiam questionários psicológicos com intenção de ter seus perfis de humor avaliados. Ao término do trabalho, foram detectadas grandes diminuições nos escores que aferiram raiva, confusão, depressão, tensão e fadiga para ambos os grupos. Os consistentes benefícios psicológicos advindos do Yoga suportam a hipótese dos autores de que o exercício não precisa necessariamente ter um cará­ter aeróbio para ser taxado de psicologicamente benéfico. Contudo, a causa des­ta correlação benéfica permanece incerta. Um fato interessante relatado na pre­sente pesquisa diz respeito à diferença na percepção dos estados de humor en­tre homens e mulheres. Entre os homens, os benefícios psicológicos advindos da prática do Yoga, para os itens tensão, fadiga e raiva, foram ainda maiores do que os obtidos depois da prática da natação. Logo, a prática do Yoga pode ser ainda mais benéfica do que a prática da natação quando se trata do gênero masculino. Por sua vez, as mulheres relataram benefícios similares depois da prática da na­tação e do Yoga.

Nos últimos anos, o Yoga tem sido ministrado em diversas academias de gi­nástica pelo mundo afora. Alguns críticos afirmam que sua filosofia foi descaracte­rizada e que o Yoga transformou-se em uma mera ginástica. Muito provavelmente a maioria de seus praticantes não intenciona obter a "iluminação", nem por isso sua prática deixa de oferecer alguns benefícios. Talvez, para algumas pessoas, a práti­ca do Yoga descompromissado na academia possa produzir benefícios fisiológicos, diversão e, por que não, levar o praticante a querer conhecer este sistema filosófi­co um pouco mais profundamente. Existem, atualmente, pesquisadores interessa­dos na identificação dos benefícios mais singelos advindos do Yoga de academia. O surya namaskara é uma seqüência de exercícios yóguicos composta por doze asa­nas. Esta seqüência é utilizada no Hatha-yoga e principalmente no astanga-vinya­sa yoga. De certa forma, pode-se afirmar que é uma seqüência relativamente difícil. Algumas linhas de Yoga utilizam-na de forma rotineira, e seus praticantes podem chegar a realizar dezenas de ciclos completos de surya namaskara. Pesquisadores indianos identificaram o gasto calórico necessário para realizar a seqüência por 3 minutos e 40 segundos.

Para responder a esta questão, os cientistas fizeram uso de um sistema computadorizado, que aferiu o consumo de oxigênio (VO2) durante a realização dos asanas que compõe. A partir de então foi identificado o gasto calórico, que segundo os pesquisadores foi de 13,91 quilocalorias durante o tempo de realização, ou 3,79 quilocalorias por minuto. A freqüência cardíaca estabilizou-se em 101 batimentos por minuto. O surya namaskara parece adequar-se bem à mo­dalidade dos exercícios ditos aeróbios, e ainda apresenta o benefício da realização de alongamentos estáticos e dinâmicos, que conferem ao praticante apurada flexibilidade. É interessante hipotetizarmos o gasto calórico de uma aula completa de astanga-vinyasa yoga, talvez o yoga fisicamente mais intenso existente na atualida­de. Essa linha de Yoga é composta de inúmeras seqüências adaptadas de surya na­maskara conhecidas como vinyasanas, intercaladas com não menos intensas pos­turas. São comuns aulas com duração de 1 hora e 45 minutos. Se assumirmos que esta média de dispêndio calórico é correta, podemos hipotetizar que uma aula com­pleta de astanga-vinyasa yoga requeira do praticante um dispêndio total de 397,95 quilocalorias, o que se aproxima do gasto calórico de modalidades esportivas mais rigorosas e dinâmicas, como ginástica de academia e pedaladas indoor (aulas com bicicletas estacionárias).

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