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Conversão: Sua Conceituação e Desenvolvimento

Depois do meu último artigo de coluna, versando sobre o mecanismo do recalcamento (Verdrängung), achei por bem estabelecer uma complementação, me utilizando para isso do mecanismo da Conversão. O caminho por mim percorrido, visa estabelecer os parâmetros existentes entre as neuroses histérica e obsessiva, guardando sempre como consígna indispensável que, segundo Freud, não encontraremos a existência de neuroses “puras”, mas sim de neuroses “mistas”, além de que todas possuem um certo quantum de hipocondria.
Seguindo na mesma linha dos meus últimos textos, onde tenho procurado abordar as neuroses histérica e obsessiva, juntamente com a importância do mecanismo de recalcamento (Vredrängung), pensei que poderia ser muito válido estar abordando o mecanismo característico da histeria por excelência, que é o fenômeno da "Conversão".

Desde o seu trabalho denominado "Relatório de meus estudos em Paris e Berlim", Freud já mencionava que nas suas aulas, Charcot conseguia, através da sugestão hipnótica, "trocar" os fenômenos conversivos histéricos entre dois pacientes. Ao saírem do transe hipnótico um passava a ser portador da sintomatologia apresentada pelo outro.

É sabido que a presença dos sintomas conversivos, tornou-se para alguns o traço fundamental que permite traçar a linha divisória entre a histeria de angústia e a histeria de conversão. Contudo, devemos estar sempre bem atentos para o fato de que existam personalidades histéricas bem delimitadas, assim como outros quadros como o caráter fálico-narcisista, os quais raramente apresentam um sintoma de conversão. Coloca-se aqui, uma reflexão sobre o valor patognomônico, bem como a corrrespondência entre histeria e conversão. Importante salientar que, na ausência da conversão, teremos que encontrar como a matriz geradora, ou núcleo de repressão, a triangulação edípica.

Apresentamos uma outra ordem de questionamento: a presença de sintomas conversivos em quadros bem definidos, mas que não representam uma histeria, como por exemplo os que aparecem na esquizofrenia, na neurose obsessiva ou mesmo na paranóia. Sua presença seria testemunha de uma microestrutura triangular correspondente à cenificação do desejo, uma referência à ansiedade de castração e, talvez devamos pensar em uma neurose mista, ou mesmo em um "núcleo histérico", como sugere Jean Laplanche, ainda em 1967.

Sabemos, já a partir de Freud, da eficácia simbólica para mobilizar mecanismos cerebrais, os quais ativam processos somáticos. Nesse sentido, a tese mais radical foi a concepção econômica freudiana, atualmente já abandonada, onde a libido como energia psíquica se transformava em inervação somática. Em paralelo à concepção econômica, Freud sustentou uma concepção simbólica da conversão, que é a que acabou se mantendo e recebendo todo o impulso da teoria da supremacia do significante em Lacan. Em outras palavras, "o sintoma somático é a expressão simbólica, devidamente disfarçada pelos mecanismos de condensação e de deslocamento de idéias reprimidas".

"Algumas importantes questões":

1-) Podemos continuar sustentando que é sempre uma fantasia inconsciente particular que mantém uma relação simbólica com o sintoma?

2-) Qual o tipo de simbolização que estaria em jogo?

3-)Estamos permanentemente em presença de um desejo sexual, como por exemplo na tosse de Dora que supostamente expressava um desejo de felação (felatio), ou será que poderia ser considerada em uma acepção mais ampla, como uma alteração psicógena da função de alguma parte do corpo.

= Entende-se como alteração psicógena a que se produz por qualquer tipo de motivo, não se restringindo somente à esfera sexual.

4-) Poderá então a conversão ser entendida como sendo um mecanismo elementar da psique humana, capaz de ser ativada por múltiplas fantasmáticas?

Freud, quando estava diante de um sintoma de conversão, estabelecido pela via da identificação, descreveu-o como sendo uma identificação histérica ou mesmo um "contágio histérico".

Encontramos na literatura psiquiátrica e psicológica, não analítica, inúmeros trabalhos que reconhecem a importância da imitação e a identificação no processo de formação de sintomas. Essas suposições são próximas às da psicanálise, uma vez que aqui fica evidenciada a relevância outorgada ao papel da identificação na produção do sintoma. E, não sómente na linha freudiana da identificação histérica, mas sim a partir da identificação primária e maciça com aqueles objetos de amor da primeira infância.

Detendo-nos um pouco mais nos processos de identificação:

Segundo D. Bleichmar, 1981,na oposição: identificação primária -identificação secundária, a barra divisória passa pela perda de objeto(perda que não significa desaparecimento do objeto, mas sim uma modificação do Complexo de Castração e dos conflitos edípicos). O mecanismo pode ser assim descrito: a criança que renuncia ao objeto incestuoso, perdendo-o como objeto libidinal, recupera-o identificando-se com ele, ou seja, transformando o seu ego à imagem e semelhança do objeto. Isto significa que quando se diz uma identificação secundária, nos referimos secundária à uma perda. Na identificação melancólica ou narcisística, podemos notar que existe o imperativo da mesma lei, já que a imago do objeto se instala no ego, como consequência de sua perda. Importante podermos notar que na identificação primária coexistem a catexia de objeto e a identificação.

Especificidade sexual edípica da fantasmática em jogo:

Podemos notar que dentro de um ponto de vista teórico kleiniano, fica eliminada toda a exclusividade fálica do conflito ao se enfatizar a importância da complexa e importante relação com a mãe naqueles casos de histeria. Sabe-se que desde esse ponto de vista, esse conflito também formaria parte do circuito edípico, já que estamos falando de uma triangularização precoce. Aqui, a problemática predominante é a persecutória, mais do que a sexual.

Jean Laplanche, em 1967, sustenta que é justamente o ponto de vista tópico aquele que permite elucidar as fronteiras sempre difusas entre benefício primário e secundário, permanecendo este último, claramente limitado àqueles casos em que as vantagens obtidas sejam de ordem narcisista ou mesmo ligadas à auto-conservação.

Importante questão: segundo a autora, uma motivação narcisista será sempre secundária, posterior a outra de caráter sexual ou agressivo, ou poderá ter uma autonomia e conceber-se como motivo para desencadear uma conversão?

Esta parece, segundo ela, constituir-se na posição adotada pelo comitê encarregado pela Associação Psiquiátrica Americana, para a elaboração do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos mentais (DSM-III), ao estabelecer o benefício secundário como um dos dois motivos possíveis na produção de um sintoma conversivo.

Numa nota acrescida em 1923, Freud comenta sobre o Caso Dora, onde ficam distintos no benefício primário, duas partes: a parte interna, que consistiria na redução do esforço psíquico— "fuga para a enfermidade", e a parte externa, a qual estaria ligada às modificações que o sintoma não põe nas relações interpessoais do sujeito. Aqui, novamente intervém Jean Laplanche dizendo que é muito difícil traçar a fronteira que separa "a parte externa do benefício primário" e o benefício secundário.

Outro autor, Hugo Bleichmar(1981) mostrou, como um juízo surgido na área das representações narcisistas, por exemplo, uma fórmula desvalorizadora da auto-estima como "não valho nada", por meio da operativa das crenças inconscientes, se translada às representações da área do corpo, vindo a criar uma idéia hipocondríaca do tipo " tenho câncer ". Da mesma forma, pensamos que as representações narcisistas podem vir a contituir-se no ponto de partida de um outro tipo de transposição, o da conversão.

Se eliminarmos a imprescindibilidade do fantasma como condição única na produção do sintoma conversivo, veremos que a demarcação entre a enfermidade psicossomática e a conversão pareceria desfazer-se, especialmente para aqueles sintomas que implicam algum grau de alteração orgânica. Podemos assim afirmar que as enfermidades psicossomáticas se encontram menos próximas do que a conversão, a ser a expressão de conteúdos representacionais e de expressar desejos e temores.

"A conversão é um mecanismo de vinculação entre dois conjuntos de representações, por um lado as que estabelecem a anatomia e a fisiologia do corpo e, por outro, aquelas que cenificam o sujeito nos temas da agressividade, do narcisismo, da sexualidade, das relações interpessoais"

Uma Síntese: proposta pela autora D. Bleichmar

1-) a conversão é um mecanismo complexo caracterizado por uma vinculação de qualquer tipo de conflito e a representação do corpo.

2-) o específico do mecanismo não se apoiaria numa temática particular, mas sim na vinculação de qualquer temática com as representações corporais.

3-) um sintoma somático de qualquer etiologia, pode ser incorporado a uma trama fantasmática.

4-) sintomas conversivos podem ser encontrados em qualquer estrutura de personalidade ou transtorno psicopatológico.

5-) o sintoma conversivo é uma manifestação freqüente na histeria, não sendo necessária a sua presença para a existência da mesma.

Bibliografia

Freud, S. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago.

"O mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos".
   
"Novas observações sobre as psiconeuroses de defesa".
   
" A etiologia da histeria ".
  
Jorge R. Saurí (org.) "As Histerias".

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