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Adolescência e Violência

Aqui, tentamos abordar de uma forma embasada no estudo realizado pelo psicanalista José Ottoni Outeiral, da Sociedade Psicanalítica de Pelotas-RS, o fenômeno da adolescência e as suas adversidades e idiossincrasias, principalmente no tocante às questões relativas à violência e a pertinência às gangues.

Procuramos, com a realização deste trabalho, fazer um vôo panorâmico sobre a temática da adolescência, enfocando-a principalmente no que concerne aos aspectos relacionados com a violência, seja ela física ou mental.

Na verdade a amostragem aqui levada em consideração tem a ver com uma Vila periférica da Cidade e, tendo como pano de fundo, o Juizado da Infância e da Adolescência. Os dados estatísticos aqui apresentados, foram colhidos através de uma apresentação do analista José Ottoni Outeiral, membro-titular da Sociedade Psicanalítica de Pelotas-RS, filiado à IPA.

O que se pôde observar é que os adolescentes dão início à sua vida sexual, entre 14 e 15 anos, com um número significativo de gravideses, chegando ou não ao término da gestação. Observou-se também que a quase totalidade dos adolescentes, são capazes de prover a parte ou mesmo a totalidade de seu sustento.

Paralelamente a esse estudo, foi também acompanhada uma escola de classe média, perto da Vila, e onde a situação é bem diferente. As moças iniciam a sua vida sexual em torno de 16 ou 17 anos, muito poucas engravidam, assim como nenhum dos adolescentes trabalha.

Gostaríamos de lembrar que se consideramos a adolescência como sendo um fenômeno psicossocial, tem-se que reconhecer que existirão aspectos comuns e também específicos, os quais caracterizam o processo nos diferentes estratos socioeconômicos e culturais de uma sociedade.

Quanto aos adolescentes "excluídos" os membros da sociedade gostariam de não vê-los, de não escutá-los e não senti-los, ou seja: negá-los ou (de)negá-los (Verneinung).


Laplanche e Pontalis assim definem esses termos

"Processo pelo qual o sujeito, embora formulando um de seus desejos, pensamentos e sentimentos, até então recalcados, continua a defender-se deles negando que lhe pertençam".

Em termos de realidade brasileira, levantamos alguns pontos:


A duração e as etapas da adolescência

Observa-se que entre os estratos sociais menos favorecidos da sociedade, o processo adolescente como tal é desencadeado mais cedo e é, em certo sentido abreviado, constituindo-se a passagem da infância à adolescência, num salto bastante rápido. Pode ser observada também uma pseudo-maturidade, com padrões verbais aparentemente mais desenvolvidos. Contudo, tratar-se-ia de mecanismos defensivos, os quais seriam utilizados como uma espécie de proteção física e mental. Nos níveis mais integrados, encontar-se-á a Tendência Anti-Social ou do tipo Falso Self.

Estados de mente na adolescência

Os efeitos traumáticos da violência da sociedade

Donald Winnicott lança uma importante luz nesse sentido, se valendo de sua grande experiência clínica. Principalmente, refere-se à sua experiência com crianças separadas das mães, durante a evacuação de Londres, na Segunda Guerra Mundial. Traz o conceito de Tendência Anti-Social, particularmente ao referir-se à importância "dos efeitos da separação e da perda, da destruição e da morte".


Tendência Anti-Social

Winnicott descreve dois níveis de privação:

1) deprivation: a perda do bom objeto e a perda do marco confiável dentro do qual a vida instintiva e espontânea da criança se sente segura.

2) privation: um estado no qual jamais se teve algo e que resulta em doença mental no domínio de uma psicose.

Dessa forma, podemos observar que a Tendência Anti-Social se articula tanto com as neuroses, como com as psicoses.

Para Winnicott, a Tendência Anti-Social, dificultaria alcançar a posição depressiva em um sentido de responsabilidade social no interior do indivíduo.

Na concepção deste importante autor, os atos anti-sociais denotam "sinais de esperança"; "a esperança orienta-se a recuperar aquilo que se perdeu e, que uma vez recuperado o que se perdeu, os processos de maturação que ficaram congelados, por ocasião da perda, possam seguir a retomada de seu curso". Para Winnicott, a criança que furta um objeto, não está desejando o objeto roubado, mas sim a mãe, sobre quem ele se julga com direitos.

Constituem-se em três, os aspectos da Tendência Anti-Social, relacionados por Winnicott:

Ele relaciona a tendência anti-social "a uma falha ambiental precoce, principalmente a uma falha na função materna".


Distingue dois tipos de reação da criança frente a essas falhas

1. quando a privação decorre depois de ter havido uma função materna "suficientemente boa" e por um período de tempo suportável, a criança poderá desenvolver a tendência anti-social (deprivation)

2. Se a privação (privation), ou a falha na função materna, ocorrer desde o início da vida, poderá se desenvolver uma doença mental como uma psicose.


Falso-self

Essa situação seria a resultante de cisões muito primitivas ocorridas no ego, com o objetivo de proteger o "verdadeiro self" das falhas ambientais, principalmente em relação à mãe.

Aqui, muito provavelmente teremos um adolescente com um grau razoável de "adaptação social", mas que pagará o preço da perda da espontaneidade e da criatividade. Uma alternativa possível frente a esse estado de coisas, é que poderá desenvolver-se um falso-self, no qual o elemento adaptativo se relacionará a estruturas ligadas à transgressão, pertencentes a espaços sociais marginais. Numa tentativa da obtenção de uma "pertinência", o adolescente poderá ligar-se a uma "gangue", na qual incorporará os padrões éticos vigentes no grupo.


Patologia da Transicionalidade

Para Winnicott, existe uma correlação entre a Tendência anti-social e a patologia da transicionalidade. Evidentemente aquelas patologias vinculadas a um inexistente ou um insuficiente desenvolvimento, ou mesmo com um desenvolvimento atípico ("estruturas lacunares" de K. Friedlander) do superego, assim como o fracasso de uma elaboração edípica e regressão e/ou fixação a elementos pré-genitais, os quais estarão presentes nesses adolescentes.


Trauma Acumulativo

Sabemos que esse é um conceito muito utilizado por Masud Khan, o qual descreve situações que se aplicam a esses adolescentes. Esse autor parte da concepção de Freud sobre a função da mãe, a qual agiria como um escudo protetor. Note-se que essa noção fora desenvolvida por S. Freud em seu trabalho: "Além do princípio do prazer" (1920).

M. Khan escreve em 1963: "(…) o trauma acumulativo procede, das tensões que uma criança experimenta no contexto da sua dependência de ego em relação a mãe como escudo protetor, bem como ego auxiliar (…)". Se utilizando de conceitos de Winnicott, Khan refere que o que leva a mãe a desenvolver o papel de escudo protetor, é o que Winnicott chama de preocupação materna primária, na qual a mãe suficientemente boa, através de suas funções de holding, handling e apresentação de objeto interage com o seu bebê.

Devemos levar em conta também, o conceito de intrusão (impingment). Retomando Khan: "é a intromissão das necessidades e conflitos pessoais da mãe que caracterizo como fracasso no papel que desempenha como escudo protetor. Esse papel não é passivo; é uma atitude alerta, de adaptação e organização. Se o escudo protetor falhar, o resultado se orientará para uma simbiose, ou a fuga para uma rejeição. Como a criança reagirá a esse fracasso, vai depender da natureza, intensidade, duração e freqüência do trauma.


A Atuação

A "atuação" constitui um meio comum de comunicação, bem como de uma tentativa de evitação – como defesa maníaca – das ansiedades confusionais, paranóides e depressivas na adolescência.


Os modelos operacionais de pensamento

A adolescência é constituída de movimentos ou flutuações progressivos e regressivos. Naquelas flutuações progressivas, nota-se o predomínio do processo secundário, o pensamento abstrato e os modelos verbais de comunicação. Já, nas flutuações regressivas, existiria um predomínio do processo primário, o pensamento concreto e o "agir", como modelo comunicacional operante.


Os processos de Separação – Individuação

Na adolescência se reatualiza o processo de separação-individuação, tal como fora descrito por Margareth Mahler e outros autores. Assim, os adolescentes sem uma estrutura familiar e com uma relação materna falha nas primeiras etapas do desenvolvimento, apresentarão dificuldades na realização da tarefa de individuação. A síndrome borderline, poderá estar aqui presente como uma expressão patológica.


Os processos identificatórios, a personalidade e a formação da identidade

Sabemos que para a construção da identidade, os processos identificatórios são de fundamental importância. Esses adolescentes irão se identificar com aqueles indivíduos que representam uma possibilidade de sobrevivência. Poderemos ter então, como vetor resultante, a presença de atividade impulsiva, baixa tolerância à frustração e uma forte tendência à atuação. Então, além das dificuldades na estrutura egóica, o ideal de ego e o superego tenderão a apresentar deficiências com identificações patológicas.


A relação com o corpo

Na literatura especializada, encontramos várias vezes a afirmação de que: "o grau de normalidade de um adolescente, pode ser detectado por sua atitude frente ao seu corpo". Este pode ser sentido como totalmente próprio, ou, em casos de má elaboração da "personalização", como pertencente a outro e, em especial à mãe, como figura materna presente ou ausente. Em assim sendo, todas as mudanças corporais poderão ser sentidas como persecutórias. Em se tratando de situações-limite, as transformações corporais levam a graves transtornos na relação do adolescente com o próprio corpo, o qual é sentido como algo invasivo, estranho e persecutório, podendo chegar a um ataque ao próprio corpo ou mesmo a expô-lo a perigos, sem senti-lo como próprio.

O ataque ao corpo, é vivido como um ataque a algo externo, não acarretando, necessariamente a morte da mente.


A Família

Encontramos aqui as mais variadas estruturas, predominando o abandono parental, principalmente do pai. A migração do campo para a cidade, com todos os seus resultados, como espaço, cultura, efeitos econômicos, de afastamento do grupo familiar de origem, constituem-se em elementos desagregadores. Para aqueles adolescentes onde não existe nenhuma estrutura familiar, grupos como as "gangues", buscarão prover esta falta.

Como uma ilustração dessa situação, encontramos o filme "Pixote" de H. Babenco.


A Sexualidade

Pouco se sabe, mas podemos inferir que as experiências ocorrerão mais cedo. A negligência e o abuso, embora não específicos desse extrato social, estão presentes com muita freqüência. As situações materiais acabam lhes expondo à observação da sexualidade dos outros. Queremos ressaltar aqui, uma situação muito comum, mas que atinge um alto grau de complexidade em termos psíquicos: a busca pela conquista de afeto, através da relação genital; contudo, notamos que um pênis terá muito mais uma representação de um seio, do que propriamente o genital masculino. Através da promiscuidade sexual, procuram por uma sensação de pertinência ao grupo. Encontramos também a promiscuidade sexual, como uma representação de um ataque ao próprio corpo, chegando a uma atuação suicida.

O psicanalista José Ottoni Outeiral nos diz: "Motivado por um recente parecer do Supremo Tribunal Federal – de que não existem meninas de doze anos, e sim mulheres de doze anos, a partir do estupro sofrido por uma menina de doze anos, que existe sim, meninas de doze anos, independente de classe social, e também meninos, expostos às mais violentas formas de exclusão social, de abuso, de negligência e até de extermínio. Sim, eles existem, é necessário dizer! E repetir, repetir, quantas vezes forem necessárias!"


Bibliografia Sugerida

– Levisky, D. L. Adolescência e Violência. Porto Alegre: Editora Artes Médicas.

– Outeiral, J. O. & Grana, R. Donald Winnicott – Estudos. Porto Alegre: Editora Artes Médicas.

– Winnicott, D. The maturational process and the facilitating environment. Londres: Hogarth Press, 1995.

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