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Responsabilidade Penal na Dependência Química

Introdução

O estudo médico-legal dos problemas so­ciais e jurídicos causados pelo uso de substân­cias psicoativas abrange duas grandes questões que têm de ser solucionadas na avaliação da responsabilidade penal quando alegado tal uso: a substância em uso e o quadro clínico por ela causado.

Para se seguir a CID-10, reconhece­mos o uso de álcool, opióides, canabinóides, sedativos ou hipnóticos, cocaína, outros esti­mulantes, incluindo cafeína, alucinógenos, ta­baco, solventes voláteis e uso de múltiplas dro­gas ilícitas ou de outras substâncias psicoativas não­ listadas. Ainda de acordo com a CID-10, são quadros clínicos provocados pelas substâncias psicoativas: intoxicação aguda (toxicose exógena), uso nocivo, síndrome de dependên­cia, estado de abstinência, estado de abstinên­cia com delirium, transtorno psicótico, síndro­me amnésica, transtorno psicótico residual ou  de instalação tardia.

O alcoolismo

A embriaguez

A legislação penal brasileira trata de modo diverso o uso de álcool e o de outras substân­cias psicoativas. A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, voluntária ou culposa, não exclui a imputabilidade penal (item II do artigo 28 do Código Penal). Os pa­rágrafos desse artigo fazem duas exceções na responsabilidade:

1. se a embriaguez for completa, prove­niente de caso fortuito ou força maior e retirar inteiramente, ao tempo da ação ou da omissão, a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento (era inteiramente in­capaz);

2. se a embriaguez for proveniente de caso fortuito ou força maior e dimi­nuir, mas não abolir, ao tempo da ação ou da omissão, a capacidade de en­tender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse en­tendimento (não possuía a plena ca­pacidade).

Na primeira hipótese (inteira incapacida­de), haveria isenção de pena; na segunda, re­dução facultativa da pena.

O exame de sanidade mental, em geral, é feito muito tempo após a ação ou omissão (me­ses e até anos!), e, desta forma, a comprovação da embriaguez fica na dependência da existência de exame médico-legal de embriaguez, o que não é muito comum, da versão narrada aos peritos pelo próprio acusado ou de elementos colhidos nos autos.

Se houver exame de em­briaguez, o problema fica dirimido, inclusive se se tratou de embriaguez completa ou não. Na versão narrada pelo periciado, devemos analisar bem a conduta antes do delito, duran­te o cometimento do delito e após sua prática. Uma conduta ordenada, bem concatenada, coerente, adequada, consistente e congruente fala contra a embriaguez completa ou não. A amnésia lacunar, desde que afastada a simula­ção, é também um bom indicador.

A declaração de testemunhas e informan­tes, desde que tenham assistido ao fato ou to­mado contato com o agente pouco antes ou logo após a prática apontada, deve ser levada em conta, caso não se vislumbre outro interes­se se não a verdade. É importante assinalar que, muitas vezes, tais pessoas não reconhecem o estado de embriaguez por razões diversas. O alcoolismo crônico é um dado relevante, ainda que, como é óbvio, etilistas contumazes pos­sam ter momentos de inteira sobriedade.

O caso fortuito – ingestão acidental – e à força maior – ingestão por coação -, ainda que previstos em lei, são hoje de rara aplicação. Quando for pertinente, o perito deverá fazer referência a tal ocorrência, embora não se tra­te de parecer pericial.

Deve se estabelecer nexo de causalida­de entre a embriaguez e o delito, ou seja, o delito foi o resultado da alteração de consci­ência – turvação ou obnubilação – e com ela guarda íntima conexão.

Ações ou omissões que para sua prática exigem um bom estado de vigília e lucidez e que não podem ser ade­quadamente executadas sob obnubilação de consciência ou turvação sensorial não se pres­tam a essa relação.

De mesma forma, deve haver uma per­cuciente avaliação da capacidade de entendi­mento e da capacidade de determinação, pois será o estado dessas faculdades psíquicas ­normais, diminuídas ou abolidas – que decidi­rá sobre a imputabilidade.

A intoxicação aguda com delirium ou com distorções perceptivas deve ser considerada doença mental e assim tratada de acordo com as normas do artigo 26 do Código Penal.

A intoxicação patológica (embriaguez patológica) exige um tratamento psiquiátrico­forense especial. Não julgamos importante a discussão sobre a quantidade de bebida ingeri­da. É claro que uma relação desproporcional entre a reação e a ingestão da bebida conta a favor da ocorrência do fenômeno.

No entanto, mais importante é a magnitude do comporta­mento advindo logo após o uso. Agitação psicomotora intensa, grande excitabilidade psíquica e agressividade, frangofilia, turvação do sensório e obnubilação da consciência, am­nésia lacunar posterior, hostilidade contra os circunstantes, mesmo pessoas de bom relacio­namento afetivo, são os aspectos psicopatoló­gicos mais comuns. A mania a patu deve ser considerada verdadeira psicose aguda transi­tória e, assim, enquadrada nos dispositivos do artigo 26 ou de seu parágrafo.

A embriaguez é tratada da mesma forma no Código Penal Militar (artigo 49).


Uso nocivo do álcool

O uso nocivo, forma de alcoolismo defi­nida pela CID-10, não reduz nem elimina a responsabilidade penal. Evidentemente, se o delito for cometido na vigência de embriaguez, o tema deve ser visto como antes exposto.


Síndrome de dependência

Ainda que a CID-10 tenha abandonado a antiga distinção entre dependência física e de­pendência psíquica – talvez por causa da sinonímia de vício e de hábito, tão preconcei­tuosa e tão "politicamente incorreta" -, parece-nos que, para fins médico-legais, esta dis­tinção deve ser mantida por razões adiante aduzidas.

Das diretrizes diagnósticas propostas pela CID-10, o forte desejo ou senso de compulsão (A), as dificuldades em controlar o comporta­mento (B), o abandono progressivo dos praze­res ou interesses alternativos (E) e a forte per­sistência no uso da substância (F) não podem ser levadas em consideração para a distinção entre as duas formas de dependência, uma vez que:

1) são muito subjetivas e individuais – o forte desejo ou senso de compulsão vai variar muito de uma pessoa para outra;

2) como de­terminar o limite para cada comportamento se são tão diferentes as normas sociais e os valo­res culturais?

3) se persistir o uso da substân­cia, mas de maneira mais "social" e menos ou não-lesiva, o critério F está preenchido?

4) mudanças de prazeres e interesses para outros constituem o critério E?

Tais apreciações aca­bam sendo preconceituosas e com forte viés ideológico. Além do mais, o exame psicopato­lógico de tais situações não pode ter o rigor científico que se requer de uma semiologia que pretenda ser conclusiva.

Já os critérios de evidente tolerância e es­tado de abstinência fisiológico (físico) são mui­to mais precisos e úteis. Seguindo a CID-1O, adota-se como conceito de cada um:

1. Tolerância é o estado no qual, doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas.       

2. O estado de abstinência fisiológico (fí­sico) se dá quando o uso da substân­cia cessou ou foi reduzido, como evi­denciado por:

– a síndrome de abstinên­cia característica para a substância, ou

– o uso da mesma substância (ou de uma intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar sinto­mas de abstinência.

É importante assinalar que freqüentemente se confunde a síndrome de abstinência com o reaparecimento dos sinais e sintomas que haviam sido eliminados ou reduzidos com o uso da substância psicoativa. É imprescindível para o diagnóstico diferencial que ocorram sinto­mas físicos, além dos sintomas psíquicos que – com a possível diferença de intensidade ­serão, em geral, os mesmos para alívio dos quais o paciente usava a droga.

Assim: sudorese intensa, náuseas e vômitos, diarréia, taquicar­dia, taquipnéia, miocimias e mioclonias, tre­mores intensos de extremidades, palidez cu­tâneo-mucosa (ou eritrodermia), incontinên­cia urinária ou fecal, hipotensão arterial e ou­tros deverão estar presentes em maior ou me­nor intensidade. De acordo com a substância psicoativa cuja suspensão de uso gerou a abs­tinência, teremos um quadro mais ou menos completo.

A responsabilidade penal nos casos de delitos cometidos em razão de dependência de substância psicoativa só deve ser investigada nos casos de dependência física. Temos de re­conhecer que a presença dos sintomas físicos de tal maneira compromete a intelecção e a volição que as capacidades de entendimento e de compreensão podem estar abolidas ou re­duzidas. Isso não acontece com a ocorrência de apenas sintomas psíquicos.

Paradoxalmente, embora o álcool cause dependência física, o seu abuso não é tratado na Lei nº 6.368, de 21/10/1976, nem na Lei nº 10.409, de 11/01/2002. Vem a pêlo lembrar que a lei mais recente manteve o tratamento jurídico sobre os crimes e as penas, bem como sobre a inimputabilidade contemplada na lei mais antiga, devido ao veto do Presidente da República.

Assim, a solução psicopatológico-forense para o caso de um delito cometido em razão da de­pendência de álcool, em nexo causal com a de­pendência e no qual se reconheça haver com­prometimento, total ou parcial, das capacida­des de entendimento ou de determinação, é considerar que se trata de "força maior" (artigo 28), desde que tenha havido ocorrência de em­briaguez, completa ou não. Caso não haja em­briaguez, a dependência pode ser equiparada à perturbação da saúde mental ou à doença men­tal, ficando ao prudente estudo psicopatológico da situação a conclusão pericial.


Estado de abstinência

Pelas razões já expostas, um delito come­tido na vigência de um estado de abstinência alcoólica deve ser examinado sobre tríplice as­pecto:

1. se foi praticado em razão da absti­nência;

2. se está em nexo de causalidade com ela;

3. se as capacidades de entendimento ou de determinação foram abolidas ou reduzidas. De acordo com esses cri­térios, teremos ou uma perturbação da saúde mental ou uma doença mental.

O estado de abstinência com delirium, o transtorno psicótico, a síndrome amnésica e o transtorno psicótico residual ou de instalação tardia não ensejam dúvidas: trata-se de verda­deira doença mental. Não é preciso assinalar que permanecem os critérios de nexo de cau­salidade e de verificação do comprometimen­to das capacidades intelectivas e volitivas.

Outras questões psicopatológico-forenses pertinentes ao uso de substâncias alcoólicas

1. Actio libera in causa: essa expressão latina significa ação livre em sua cau­sa e se aplica aos casos em que, em­bora ao tempo do delito houvesse al­gum tipo de exclusão ou de atenua­ção de culpabilidade, o autor estava ciente de que, ao adotar determina­da conduta, estava assumindo o risco de cometê-Io.

Assim, no caso do alco­olismo agudo, ainda que o agente, ao cometer o delito, estivesse em esta­do de completa embriaguez alcoóli­ca – ou por outra substância psicoati­va -, com obnubilação de consciên­cia e turvação sensorial, seria respon­sável, já que, ao se colocar naquele estado, ingerindo bebida alcoólica, ti­nha ciência de que ocorreria embria­guez e de que, nesse estado, poderia cometer um ato reprovável.

É importante comparar essa situação com obnubilação de consciência e turva­ção sensorial resultante de delirium, de qualquer etiopatogenia, que leva­ria à inimputabilidade de uma ação ilícita praticada. Devemos considerar duas exceções que, na maioria dos casos, conduziriam à inimputabili­dade de delito cometido em estado de embriaguez.

Na embriaguez pato­lógica, teremos que avaliar no exame pericial se a ocorrência do fenômeno patopsíquico era inteiramente inespe­rada pelo agente que, então, não co­nhecia esta possibilidade. A conclu­são é simples no primeiro evento, mas exige percuciente análise nos demais.

Na dependência alcoólica – e é sem­pre oportuno lembrar que precisamos da tolerância e da abstinência para ca­racterizar a dependência física, única que dirime a responsabilidade -, po­demos questionar se o agente era "li­vre" para a ingestão alcoólica, e, por­tanto, se a teoria da actio libera seria aplicável.

As mesmas considerações se aplicam a outras substâncias psicoa­tivas, em particular sobre a dependên­cia, já que, na prática clínica, não se vê embriaguez patológica causada pelos demais agentes químicos. Na quase totalidade das situações, ações violentas cometidas sob ação de dro­gas, na verdade, se trata de embria­guez alcoólica, patológica ou não, que se superpõe ao uso da droga.

2. Embriaguez pré-ordenada: trata-se da situação de alguém se colocar delibe­radamente em estado de embriaguez para, então, cometer o delito. Ainda que prevista na alínea l do artigo 61 do Código Penal e na alínea c do arti­go 70 do Código Penal Militar, trata­-se de condição difícil de se aplicar e, caso ocorra, possível de resolver sem avaliação psicopatológico-forense. Evi­dentemente, deve ser levado em con­ta o que já foi exposto sobre embria­guez e dependência.

3. Os demais diplomas legais que falam em embriaguez e em alcoolismo, como, por exemplo, a Consolidação das Leis do Trabalho (artigo 482), a Lei de Contravenções Penais (artigo 62) e o Código Brasileiro de Trânsito (artigo 165) e leis administrativas fe­derais, estaduais e municipais, devem ser vistos da mesma maneira antes tratada. Deve-se verificar, no exame pericial, se a expressão embriaguez ha­bitual usada nessa legislação corres­ponde à dependência alcoólica.


Outras substâncias psicoativas

Sob o ponto de vista psicopatológico-foren­se, o tema continua disciplinado pelo artigo 19 do Capítulo III da Lei nº 6.368, de 1976, uma vez que o Capítulo III (Dos crimes e das penas – artigos 14 a 26) da Lei nº 10.409, de 2002, foi inteiramente vetado pelo Presidente da Re­pública.

A lei vigente prevê as seguintes situações:

1. Delito cometido em razão da depen­dência.

2. Delito cometido sob efeito de subs­tância entorpecente ou que determi­ne dependência física ou psíquica pro­veniente de caso fortuito ou força maior.

3. Capacidades de entendimento do ca­ráter ilícito do fato ou de determinar­-se de acordo com esse entendimento reduzidas ou abolidas.

Serão consideradas as diversas situações:

1. Delito cometido em razão da dependência.

1.1 Delito previsto no artigo 16 da lei: Adquirir, guardar ou trazer consi­go, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou re­gulamentar.

A responsabilidade penal só deve ser questionada se se tratar de de­pendência física. Há, nesse caso, evidente nexo de causalidade e di­minuição ou abolição da capaci­dade de determinação, ainda que, em geral, esteja preservada a ca­pacidade de entendimento.

1.2 Qualquer outra infração penal pra­ticada (expressão da lei).

O nexo de causalidade é evidente se o delito foi cometido para a obtenção da substância psicoativa, se se tratar de dependência física. Assim, a relação causal é facilmente per­cebida em crimes contra o patrimônio, tais como furto, roubo, apropriação indébita, re­ceptação.

Em se tratando de crimes contra a vida ou de lesão corporal, a causalidade mór­bida deve ser muito bem analisada. Ainda que de ocorrência rara, não se pode excluir a pos­sibilidade de um dependente de opiáceo co­meter um homicídio contra alguém que o im­peça de obter a droga.

Da mesma forma que no item anterior, em geral, a capacidade de entendimento estará preservada, não o estan­do a de determinação, reduzida ou mesmo abolida.

Excetuadas as duas situações antes expos­tas, a rigor não haverá outro delito cometido em razão da dependência. Essa possibilidade só se aplicaria aos casos de delitos cometidos em delirium, transtorno psicótico, síndrome amnésica ou transtorno psicótico residual ou de instalação tardia provenientes do uso da substância psicoativa. O simples uso nocivo fica inteiramente excluído. As síndromes de depen­dência e de abstinência já foram analisadas. É expletivo acentuar a necessidade de avaliação das capacidades de entendimento e de deter­minação, mesmo nas condições clínicas antes listadas.

2. Delito cometido sob efeito de substân­cia entorpecente ou que determine de­pendência física ou psíquica proveni­ente de caso fortuito ou força maior.

De modo análogo ao que foi estudado para o alcoolismo, a "força maior" pode ser considerada a dependência – sempre física! – ­ou a síndrome de abstinência. Quanto ao caso fortuito, embora freqüente no noticiário poli­cial ("colocaram a droga no meu copo de bebi­da sem que eu percebesse…"), é, na verdade, de ocorrência rara. A questão médico-legal mais importante, no entanto, é saber se pode ocor­rer embriaguez ou condição análoga por ação de opiáceos, canabinóides, sedativos e hipnó­ticos, cocaína, estimulantes, aí incluída a cafeí­na, alucinógenos e solventes voláteis.

Torna­-se, então, necessário que se defina com a maior exatidão possível o que se entende por embria­guez ou intoxicação aguda. Para efeitos legais, é melhor que se adote o conceito da CID-10, verbis:

"Estado conseqüente ao uso de uma subs­tância psicoativa e compreendendo pertur­bações da consciência, das faculdades cog­nitivas, da percepção, do afeto ou do com­portamento, ou de outras funções e res­postas fisiológicas. As perturbações estão na relação direta dos efeitos farmaco­lógicos agudos da substância consumida e desaparecem com o tempo, com cura com­pleta, salvo nos casos em que surgiram lesões orgânicas ou outras complicações."

Ninguém duvida que essa definição seja perfeita para a embriaguez alcoólica. Em al­guns casos, que devem ser muito bem estuda­dos sob o ponto de vista psicopatológico, po­deremos ver embriaguez por opiáceos (efeito idiossincrásico), sedativos e hipnóticos (efeito paradoxal), alguns estimulantes (excluído a cafeína), alucinógenos e solventes voláteis. É de ocorrência rara – se existir – com canabinói­des e cocaína, inexistindo com a cafeína.

Ocorrendo a embriaguez ou estado aná­logo, devemos analisar as seguintes situações, a fim de verificar se se trata de embriaguez completa ou não:

a) conduta ante delictum;

b) coerência, coordenação, consistência, articula­ção e congruência entre as várias ações que compõem o ato inquinado;

c) estado da me­mória de fixação em relação ao ato (atenção para a simulação!);

d) compreensibilidade do ato com análise de sua motivação;

e) conduta post delictum (evasão do local, ocultamento ou tentativa de ocultamento das conseqüências da ação, narrativa do fato feita logo após a ocor­rência).

3. Capacidades de entendimento e de determinação.

É importante assinalar que a Lei nº 6.368/76 mantém integralmente o critério biopsicoló­gico de apuração da responsabilidade penal. Assim, averiguada a dependência ou a embria­guez (caso fortuito ou força maior), estabele­cido o nexo de causalidade entre a ação ou a omissão e aquelas condições, é preciso avaliar o estado das capacidades de entendimento e de determinação, se preservadas, reduzidas ou abolidas. De uma maneira geral (cada caso é singular), a capacidade de entendimento poderá estar reduzida ou abolida quando se tratar de intoxicação aguda, delirium, síndrome amnésica, transtorno psicótico ou transtorno psicótico residual ou de instalação tardia. A capacidade de determinação poderá estar re­duzida ou abolida na síndrome de dependên­cia e na síndrome ou estado de abstinência. Isso aconte­cerá, salvo raríssimas exceções, na dependên­cia física. As exceções ficarão por conta de si­tuações especiais, tanto clínicas quanto psicopatológicas, de dependência psíquica, ao prudente critério do perito.

A conclusão pericial

Podemos estabelecer o seguinte algoritmo (procedimento) a ser observado pelo perito ao avaliar a res­ponsabilidade penal:

1. Há transtorno mental?

    a) não – está encerrada a avaliação pericial.

    b) sim – prosseguir.

2. Qual é a diagnose? Ainda que não ­obrigatório, deve-se usar a CID-10. Após diagnosticar a entidade nosoló­gica, convertê-Ia à terminologia jurí­dica: doença mental, perturbação da saúde mental, desenvolvimento men­tal retardado e – embora não seja pro­priamente um transtorno mental – de­senvolvimento mental incompleto.

3. Em função do transtorno mental di­agnosticado, qual é o estado da capa­cidade de entendimento? Normal, abolida, reduzida.

4. Em função do transtorno mental di­agnosticado, qual é o estado da capa­cidade de determinação? Normal, abolida, reduzida.


Formulação final

1. O periciado, por doença mental, era, ao tempo da ação (ou da omissão), inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato.

2. O periciado, por doença mental, era, ao tempo da ação (ou da omissão), in­teiramente incapaz de determinar-se.

3. O periciado, por doença mental, era, ao tempo da ação (ou da omissão), inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

4. As mesmas formulações para o desen­volvimento mental retardado e, se for o caso, para o desenvolvimento men­tal incompleto.

5. O periciado, em virtude de perturba­ção da saúde mental, não era inteira­mente capaz de entender o caráter ilícito do fato.

6. O periciado, em virtude de perturbação da saúde mental, não era inteira­mente capaz de determinar-se.

7. O periciado, em virtude de perturba­ção da saúde mental, não era inteira­mente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

8. As mesmas formulações para o desen­volvimento mental retardado e, se for o caso, para o desenvolvimento men­tal incompleto.

9. Não cabe ao perito afirmar se o pe­riciado está nas condições previstas no artigo 26 ou no seu parágrafo úni­co do Código Penal, pois isso é uma decisão judicial e não técnica.

Referências Bibliográficas

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