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Sob a Lente da Psicanálise: Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa

Procuramos com a execução deste artigo, abordar as lendárias figuras como a de Papai Noel e a do Coelho da Páscoa, dando a elas um tratamento psicanalítico, num primeiro momento, de certa forma um tanto superficial.

A figura de Papai Noel, parece falar diretamente para algumas de nossas emoções mais importantes, e é por essa figura que podemos ter um maior acesso à totalidade do significado que o Natal tem hoje para as crianças.

Historicamente, bem antes do Natal ser celebrado, sabemos que São Nicolau era o santo mais venerado e celebrado, tanto na Igreja ocidental, como na oriental. Durante os vários séculos em que o Natal permaneceu sendo uma festa estritamente religiosa, o Dia de São Nicolau, foi a festa secular mais conhecida. Conta a história que São Nicolau salvou várias crianças de perigos considerados mortais, tendo inclusive, ressuscitado outras. Uma vez sendo herdeiro de uma fortuna considerável, distribuiu-a a três virtuosas jovens, as quais não podiam casar-se por falta de dote. Enquanto dormiam, ele teria deixado cair um saco de dinheiro ao lado de cada uma delas. Assim, observamos que ele teria escolhido permanecer no anonimato, traço comum com o desempenhado por Papai Noel.

São Nicolau era o padroeiro das crianças, mas também da paternidade e da fertilidade humana. Em algumas partes da Suíça, não era comum se dizer que a cegonha tinha trazido a criança, mas sim Smichlaus, que em outro dialeto significa São Nicolau. Desta forma, desde o século XI, o culto a São Nicolau era relacionado diretamente à gravidez e à fertilidade, e aos presentes aparecidos no meio da noite. Em algumas localidades dizia-se que no seu dia, o santo montava o seu cavalo branco (ou cinza malhado) e andava no meio da noite sobre os telhados das casas, deixando cair bebês recém-nascidos ou presentes para as crianças. Outro traço com Papai Noel, dirigindo sobre os telhados o seu trenó, puxado por renas. Conta-se que a pessoa que o representava em seu dia, usava uma roupa de Bispo, uma vez que ele fora um, ou em ocasiões especiais, um traje de cardeal, dando origem, talvez, à roupa vermelha usada por Papai Noel.

Mas, quais seriam os traços de Papai Noel que poderiam atrair o inconsciente das crianças? Por exemplo, entende-se que toda criança gostaria de saber o que sua chegada significou para os pais. A alegria com que o menino Jesus foi recebido nesse mundo e, não apenas por seus pais, costuma ser tomada pela criança como um sinal de que seu nascimento foi igualmente feliz para os seus próprios pais, uma vez que todos celebram o Natal. Assim como o bebê ao nascer desce por um canal estreito e escuro e daí emerge para a luz do mundo, o mesmo acontece com Papai Noel descendo pela lareira.

Outra grande festa comemorativa é a Páscoa à qual também detém profundos significados simbólicos ligados ao nascimento, ao renascimento e à fecundidade. Já no século IV, os ovos estavam ligados à cerimônia da Páscoa e tem tudo a ver com a criação. Mas, por que o coelhinho? Pela abundância e a rapidez com que eles se reproduzem.

É muito importante termos em consideração que para uma criança sentir-se amada, não basta ser amada e afagada, mas sim, sentir que seus aspectos mais obscuros podem ser aceitos. Assim, embora nos Estados Unidos não exista nenhuma festividade onde ficam permitidas as manifestações também da parte mais ambivalente das crianças, com as suas manifestações também de desagrado, podemos nos deparar com o Dia das Bruxas. Em tempos mais atuais, as crianças podem expressar seu desagrado para com os adultos, os quais sentem que sempre esperam mais delas do que elas podem e querem dar. Assim, no Dia das Bruxas, elas podem ameaçar os adultos e assustá-los. Podem lambuzar janelas e portas à vontade, dar vazão à raiva de terem tido que se submeter a uma aprendizagem rigorosa do uso do vaso sanitário. Trata-se de uma "inversão", o que tornou o Dia das Bruxas tão agradável para as crianças. Simbolicamente falando, as crianças podem se reafirmar que eram aceitas pelos pais, ainda quando mostravam seu lado mais ameaçador e rebelde.

Assim como acontece com o Natal, podemos notar que também o Dia das Bruxas encontram-se enraizados nas camadas mais profundas do inconsciente. O Natal simboliza a satisfação de todas as nossas esperanças, mas o Dia das Bruxas representa simbolicamente as nossas ansiedades persecutórias. Parece-me muito interessante e oportuno lembrarmos aqui, que quando, como sempre acontece na vida, abandonamos um aspecto negativo da ambivalência humana, também o aspecto positivo perderá enquanto força emocional.

Tenhamos claro que, ao criarmos festas amenas para os nossos filhos, estamos criando festas insípidas e, num sentido mais amplo, porque não dizer: um mundo insípido. Um outro fato, paralelamente desastroso, é que ao criarmos um mundo insípido para os nossos filhos, estamos também contribuindo para tornar insípido o sentimento deles por nós.

Notemos que se pudéssemos devolver a magia ao mundo de nossos filhos, a mesma também certamente seria devolvida às nossas relações, as quais poderiam enriquecer-se enormemente com isso.

Parece-nos que uma grande dificuldade com a qual os pais se deparam é que, uma vez tendo se tornado pais, parece que têm que cumprir a partir daí um papel muito sério e responsável, não restando mais a eles próprios a capacidade de se divertir, de brincar, enfim, de não ter que necessariamente deixar se esvair a criança que seguramente ainda existe dentro deles, mas que parece que tem que ficar presa como que num calabouço, muito bem isolado sonoramente, para que suas gargalhadas de alegria não possam ser mais ouvidas. Parece-nos que não sendo essa criança liberta desse calabouço, como poderão os pais estabelecer a devida empatia com os seus filhos, propiciando-lhes assim um entendimento de seu mundo interior?

Bibliografia complementar

Bettelheim, Bruno – A Psicanálise dos Contos de Fadas.

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