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A Psicanálise como Tratamento das Depressões

Pretendemos realizar esse trabalho em duas etapas, sendo que nessa primeira etapa procurei fazer uma introdução sobre o influxo da psicanálise como tratamento das depressões, sendo que muitas vezes a terapia psicanalítica deve estar associada à uma abordagem medicamentosa complementar, até porque muitas vezes sem isso, torna-se impossível para o paciente adequar-se ao enquadre em todas as suas variáveis, tais como o comparecimento às sessões, a associação livre, etc. Num segundo momento, procurarei fazer uma aproximação da temática em termos de processos identificatórios,etc.
Aqueles que como eu, realizam a prática clínica, sabem que uma boa parte dos casos que nos procuram vem com um diagnóstico de depressão, diagnóstico esse realizado por um psiquiatra, neurologista ou mesmo por seu médico clínico, o qual se aventura e sucumbe à sedução do paciente e de sua família a medicá-lo, objetivando a sua "cura".

Sabemos que esses pacientes, às vezes, apresentam um quadro de distimia, não caracterizando uma depressão propriamente dita. Contudo, o tratamento medicamentoso, até onde me consta, acaba sendo o mesmo utilizado para uma depressão.

Pensamos ser importante realizar algumas observações sobre aquilo que seria a "cura em psicanálise". Na maior parte dos escritos técnicos de Freud (1911-1915), além dos relatos clínicos, notamos que a concepção dominante era a de que, fazendo-se consciente o sentido do sintoma, este não só desapareceria, senão que o paciente ficaria liberado eternamente da possibilidade de uma nova recidiva de produtos patológicos. Ao desaparecer o trabalho da repressão em consequência do preenchimento da lacuna mnêmica (ou traço mnêmico) não restaria fundamento para o retorno dos sintomas. Sabemos que essa era uma visão "otimista" de Freud, a qual ficou registrada na Conferência XXVIII, das "Novas Conferências Introdutórias à psicanálise".

Quando em 1937, Freud escreve "Análise Terminável e Interminável", já notamos que sua perspectiva é outra. Ao referir-se ao caso do Homem dos Lobos, Freud teria dito: "Quando ele me deixou na metade do verão de 1914, eu acreditava que sua cura era radical e permanente" e sabemos que esse paciente foi em época subseqüente, depois de terminada a guerra, atendido por uma outra psicanalista, discípula de Freud e agora diagnosticado como um caso de paranóia. Notemos que esse tratamento terminou em 1914 e foi publicado em 1918, época em que o principal do edifício teórico da psicanálise já estava erigido, não se devendo portanto a uma incompletude do construto teórico de Freud.

Na verdade, foi a primitiva concepção da enfermidade e da cura que aparece nos relatos sobre a histeria, em que a sintomatologia era considerada um "quisto" numa personalidade sadia. Observemos que, ao contrário, o sintoma é tomado como um exemplo de uma estrutura, em outras palavras, como uma mensagem no seio de um código, e não como aderido à personalidade, mas sim como sendo a personalidade, não haveria a possibilidade de assegurar uma mudança de caráter radical, bem como permanente.

A teoria da cura, portanto, deve observar como modificar as estruturas que se organizaram nas formas particulares de quadros psicopatológicos. "Em primeiro lugar deve trazer, a elaboraração de um plano terapêutico que observe a especificidade de um quadro psicopatológico, ou seja, que os objetivos do tratamento terão que guardar uma relação de racionalidade com a caracterização que se tenha da estrutura psicopatológica"(Bleichmar, H.).

É provável que já tenhamos ouvido, inúmeras vezes, em nosso percurso clínico, que o analista não quer nada de seu paciente, e que o único que deve fazer é prover os instrumentos para que aquele escolha o caminho, etc. Para Hugo Bleichmar, não é certo que o analista não queira nada, que não tenha concepções daquilo que representa ser sadio e o que é ser enfermo, além de que não guie sempre o seu paciente numa determinada direção. Assim, a escuta analítica é "tendenciosa", seguindo um sistema classificatório que lhe traz sua cultura e, que de forma alguma é neutro. Para Bleichmar, teríamos que terminar com a "mistificação hipócrita da neutralidade".

Voltando ao "plano terapêutico", antes mencionado, nos deteremos como seria o seu funcionamento no que se refere às depressões. Inicialmente se sabe que não existe um plano único e que teremos que adaptá-lo ao tipo de depressão em jogo. A título de exemplo, suponhamos que quem nos procure padeça de uma depressão narcisista, e que esta tenha como eixo uma imagem desvalorizada de si. Teremos que entender como se formou essa representação, ou seja, se é o resultado da identificação com figuras desvalorizadas, ou mesmo o assumir a identidade dada por estas figuras desvalorizantes, quais são os episódios que adquiriram a significação de ofensas narcísicas e que possam havê-la originado, além de por que estes não puderam ser superados, etc.? Estamos aqui no terreno denominado pelo próprio Freud de "Construções em Psicanálise". Ainda aqui, ao seguir H. Bleichmar, poderemos afirmar que: "Mostrar a gênese de uma convicção como é a de determinada representação de si mesmo, radica em que lhe tira seu caráter de absoluta, permitindo que se tome distância em relação a ela. Em outras palavras ainda,'relativiza a força da convicção ao mostrar que esta, por sua vez, possui uma determinação'. Em caráter definitivo aqui o trabalho terapêutico consiste em romper o "espelhismo" em que o paciente se encontra ao justificar a representação de si por uma suposta realidade.".

É bem verdade que muitas vezes se defendeu a reconstrução histórica, como sendo a teoria da cura da primeira época freudiana, contudo observamos que não se muda por desfazer o já feito, mas sim por estabelecer novas significações.

Um outro exemplo é o caso da depressão culposa: aqui teremos que poder diferenciar se os sentimentos de culpa são pela agressividade ou fundamentalmente porque têm de si a imagem de ser agressivo. Entendemos que se este fosse o caso, abrir-se-ia o mesmo caminho que para analisar representação desvalorizada de si, já que enfatizar que a culpa é pela agressividade, não faz senão confirmar o que o próprio paciente nos diz. Se a causa fosse, ao contrário, a agressividade do paciente, a dureza de sua consciência crítica, iniciar-se-ia a árdua tarefa de se identificar as causas da mesma, além da muliplicidade das condições dominantes que incidem em sua produção.


Observações Complementares:

Parece-me que devemos ter em conta que, na prática clínica, muitos pacientes nos fazem reiteradas vezes a pergunta: "se o passado já passou, de que me adianta voltar a ele, ainda que seja em lembrança?"

Aqui, queremos lançar mão de uma metáfora criada pelo próprio Freud, quando nos disse que o analista e seu paciente estariam colocados nas duas extremidades de um tabuleiro de xadrez, e que caberia ao analista mostrar ao paciente que, neuroticamente, sempre fazia as mesmas jogadas, que poderia encontrar alternativas às mesmas, "resignificando as cadeias representacionais".

Uma outra observação que eu gostaria de retomar é aquela que se refere à suposta neutralidade do analista (questão que deu origem a um outro artigo de minha autoria aqui no site:"Atividade e a Regra de Abstinência"). Sabemos que W. Bion escreveu um texto fantástico, denominado "Atitude sem desejo nem memória na técnica analítica", o qual muitas vezes é muito mal interpretado, no sentido de ratificar a neutralidade do analista. Sinonímia absolutamente falsa, se formos considerar uma tradução literal entre "atitude sem desejo"com "neutralidade". Em outras palavras, pensamos que um analista sem desejo, equivaleria a um analista destituído de moções pulsionais, de inconsciente e, portanto, de vida psíquica. Como esse analista "virtual", poderia estabelecer uma empatia com aqueles que colocam a sua dor psíquica a ele, enquanto depositário da mesma.

Corre-se, inclusive, o perigo de que esse tipo de analista "virtual", possa desenvolver uma atitude em prol da adaptação do paciente a um status   quo vigente. Encontramos uma declaração de extremada lucidez de Elizabete Roudinesco, em seu trabalho sobre "O porque a Psicanálise?", que corremos um risco duplamente perigoso, quando além do abuso medicamentoso, temos analistas que fomentam esse tipo de conduta adaptativa, somatória de efeitos que sempre vão acabar redundando naquilo que no dizer da autora, seria a formação de uma sociedade composta de indivíduos muito bem postados e educados, portanto extremamente infelizes.

A título de uma última observação, já que toquei no aspecto do abuso da medicação, encontramos um tipo de colocação, quase que emblemática no dizer psicanalítico,onde : "A psicanálise trabalha contra a repressão e, por outro lado, a medicação trabalharia a favor da manutenção da repressão". (Estamos aqui tomando o termo repressão, sempre no sentido do recalcamento ou do recalque, como definidos no Vocabulário de Psicanálise de J. Laplanche e J.-B. Pontalis).

Contudo, temos que observar, que uma vez não sendo neutro, o analista vai ter que observar em cada caso se o uso da medicação pode ou não ser adequada em determinados casos, uma vez que se lembrarmos o dizer insistente de Freud, o analista deve, sempre que possível, evitar o sofrimento desnecessário do paciente, além do que um excessivo sofrimento pode ter um efeito iatrogênico no desenrolar de uma análise, podendo inclusive obstaculizá-la em seus objetivos precípuos.


Bibliografia Complementar:

Bleichmar, Hugo – Depressão. Um estudo psicanalítico.

Roudinesco, Elisabete – Por que a psicanálise?

Laplanche, Jean & Pontalis, J.-B.- Vocabulário de Psicanálise. Martins Fontes Editora.

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