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Assédio moral no trabalho: uma relação revisitada

A discussão envolvendo o contexto ético e as conseqüências relacionadas ao assédio moral vêm progredindo paulatinamente. O assunto não é novo, pois, sempre existiram conflitos de aspectos subjetivos nas relações laborais. Pelo contexto histórico da relação de trabalho, a subjugação era legitimada por  relações de dominação e poder explícitas. Atualmente, sob o discurso de um avanço moral e tecnológico, novas formas mais sutis e mascaradas de dominação e de poder surgiram. Portanto, somente agora é que o tema começa a tomar forma. A primeira obra a tratar do tema foi “Mobbing: la persécutotion au travail” (Paris: Seuil, 1996), na qual o alemão (radicado na Suécia) Heinz Leymann, um psicólogo organizacional, identifica o comportamento de assédio e o denomina de “psicoterror” por volta dos anos 80. Dois anos após,  a discussão sobre o tema  ganhou notável destaque depois da publicação do livro “Assédio Moral” (Paris: Syros, 1998) da francesa Marie-France Hirigoyen.  No Brasil a médica Margarida Barreto realizou extensa pesquisa sobre o assunto.

O fenômeno do assédio moral vem sendo estudado em diversos países, dentre eles o Brasil. O interesse preponderante se relaciona à sua veiculação no ambiente de trabalho. O assédio moral, enquanto fenômeno que incide sobre as variantes psicológicas do ser humano, pode ser caracterizado em razão de múltiplas relações (familiares, amorosas, sociais, laborais etc). No entanto, o enfoque que desponta com maior veemência é aquele direcionado às relações que envolvem o ambiente de trabalho por suas particularidades sociais. Neste enfoque estão envolvidas questões relacionadas ao poder nas relações hierárquicas, ao sistema capitalista e a determinantes sociais como, o crescente desemprego e necessidade de sobrevivência.  O assunto, aos poucos, começa a mobilizar a população, pois é crescente sua veiculação pela mídia. Vários programas televisivos, reportagens jornalísticas e outros meios estão abordando o assunto, embora o estejam fazendo muitas vezes de maneira equivocada. É necessário, portanto,  ter cuidado no trato do assunto. Percebe-se pelas divergências entre conceitos e contradições existentes que a definição de assédio ainda está se consolidando, é um conceito ainda em construção. Algumas categorias parecem estar mais sujeitas ao evento do assédio.

O setor bancário, a área da educação, saúde, e serviços de telemarkting são alguns deles. Várias pesquisas têm apontado estes dados. Este fato sugere que a instituição e as condições de trabalho que estes setores oferecem, constituem um componente considerável para que o assédio moral no trabalho aconteça. Há muitas abordagens psicologizantes deste tema, que enfatizam o caráter perverso do assediador. As novas concepções de gestão organizacional trazem elementos que contribui para indagarmos se não seria a empresa a perversa, como nos mostra Antunes: "(…) essas empresas adotam políticas de recursos humanos cujas exigências, extremamente contraditórias, podem impor um comportamento bastante próximo ao do perverso àqueles que tentam se adaptar". Segundo Dejours, citado por LIMA (1995), os estudos realizados pela psicopatologia do trabalho revelam que o equilíbrio psíquico e a saúde mental do indivíduo são afetados pelas pressões originadas pela organização do trabalho. Sendo assim, pode-se deslocar o foco das estruturas de personalidade do assediador para uma visão mais abrangente que inclua o aspecto social, ergonômico e organizacional. Segundo Lastres e outros, citado por Brandão (2001): "a emergência de um novo paradigma tecnológico e a globalização financeira são traços marcantes da economia mundial das últimas décadas. Para as empresas, alcançar e manter níveis crescentes de competitividade tornou-se fator de sobrevivência neste ambiente cada vez mais dinâmico e turbulento."

Partindo deste pressuposto percebe-se que a carga horária excessiva, as metas cada vez mais altas, as exigências de adequação a várias funções simultâneas são algumas das características organizacionais que fazem com que muitas empresas sejam produtoras do assédio moral. O que se percebe é que ao se alcançar uma meta, imediatamente, ela é aumentada, levando os funcionários à exaustão para conseguirem cumpri-las. A competitividade cresce vertiginosamente desconsiderando o desgaste emocional dos funcionários e até mesmo os seus limites físicos. O gerente responsável por um setor igualmente é pressionado pela direção superior da instituição financeira para cumprir suas metas. Desta forma, muitos gerentes passam por cima de condutas éticas e praticam o assédio como forma de pressionar e atingir seus intentos profissionais. O que se vê acontecer é uma condescendência das corporações a esta prática, que acabam por fazer “vistas grossas”, já que estes gerentes assediadores geralmente são os que mais produzem. Está formada assim, a teia de relações que envolvem, poder, pressão, necessidade de sobrevivência (já que estamos falando dentro de um contexto de amplo desemprego) e exigências das condições de trabalho que levam ao assédio. Estas relações acarretam danos à saúde dos envolvidos.

SILVA (2004) diz que a agressão moral do assédio tende a desencadear ansiedade e a vítima se coloca em atitude defensiva por ter a sensação de ameaça, surgindo os sentimentos de fracasso, impotência e baixa auto-estima. Em virtude disto o trabalhador fica desestabilizado sendo considerado de "difícil convívio" e "mau caráter". O assediado que continua trabalhando é responsabilizado pela queda na produção e falta de qualidade no produto produzido ou no serviço prestado, sente depressão reativa, irritação, tonturas, perda de concentração e sofre mais acidentes de trabalho, sendo usualmente considerado o único responsável.  Em resumo; estresse, ansiedade, insônia, tonturas e distúrbios psicossomáticos variados são algumas das conseqüências provocadas pelo assédio moral. Quanto mais demorado for o processo do assédio, maiores serão as conseqüências maléficas tanto físicas quanto emocionais. O grande número de afastamentos de funcionários por motivos de saúde semelhantes e o aumento de processos de assédio moral na justiça, nos remetem a estas evidências. Os trabalhadores em geral, assim como as categorias mais atingidas pelo assédio moral no trabalho, precisam se informar, reivindicar direitos, individual e coletivamente, para que o assédio seja devidamente combatido e adequadamente compreendido. É necessário também que os profissionais inseridos neste contexto, onde se encontram o psicólogo do trabalho e organizacional, também se posicionem já que sua formação lhe confere a possibilidade de ver a questão do assédio além do senso comum. 

Referências Bibliográficas

BARRETO, Margarida. Violência, saúde e trabalho- Uma jornada de humilhações. São Paulo: Educ, 2003.  

BRANDAO, H. Pena. GUIMARAES, T. Aquino. Competências profissionais relevantes à qualidade no atendimento bancário in RAP Revista de administração Publica , Nº35, vol.6 pags. 61-68. Nov/Dez. 2001

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral A violência perversa no cotidiano: tradução de Maria Helena Kuhner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

LIMA, M. E. Antunes. Os Equívocos da Excelência. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1995.  

SILVA, Jorge Luiz de Oliveira. Até onde nos conduz o assédio moral?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a.2, nº89. Disponível em : http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=340> acesso em 16 de Outubro 2005.  

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