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Introdução ao Método Fenomenológico

Fenomenologia é uma palavra que foi referida por Aristóteles, Kant e Hegel com conotações completamente distintas. Porém , foi Edmund Gustav Albert Husserl (1859-1938), que deu um conteúdo novo à essa palavra, já antiga. O termo Fenômeno, origina-se etimologicamente do verbo grego phaínesthai , que significa "mostrar-se". Fenômeno, quer dizer:" o que se mostra em si mesmo, o que se revela".
Em  Husserl,  Fenômeno  significa:

    * 1) A vivência concreta da intuição (o ter presente ou representado, intuitivamente, certo objeto);
    * 2) O objeto intuído (aparente), como o que nos aparece aqui e agora.
    * 3) Os "elementos reais" do fenômeno no primeiro sentido, no sentido do ato concreto de aparição ou de intuição." (…) Fenomenologia quer dizer, a teoria das vivências em geral e, contidos nelas, de todos os dados, não só reais, senão também intencionais, que podem mostrar-se com evidência nas vivências."

Husserl afirma que "o psíquico não é o conjunto dos mecanismos cerebrais e nervosos, mas uma região que possui especificidade e peculiaridade; o psíquico é fenômeno, não é coisa. Esta é o físico, o fato exterior, governado por relações causais e mecânicas. O fenômeno é consciência, enquanto fluxo temporal de vivências e cuja peculiaridade é a imanência e a capacidade de outorgar significado às coisas exteriores". "(…) A consciência é sempre consciência de alguma coisa"."(…) O traço essencial da consciência é a intencionalidade."  "(…) A Fenomenologia é uma ontologia regional na medida em que trata do ser enquanto estruturado com sentido diferente conforme seja visado pela consciência". "(…) A região consciência, se torna a região fundamental que produz o significado das demais".

O "conteúdo" da consciência não é o "objeto", como é pensado na relação sujeito-objeto na teoria representacional da Modernidade. Como "conteúdo" tomamos o "sentido" do que dizemos que nele ou mediante ele se refira a consciência a um objeto como a "seu" objeto. A vivência intencional tem, assim, uma "referência a um objeto"; também se diz que é "consciência de algo". O campo de análise da Fenomenologia  de Husserl  é a exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto. Nosso olhar , supondo, volta-se com um sentimento de prazer para uma macieira em flor num jardim. Para a relação sujeito-objeto na teoria representacional, há duas macieiras: uma macieira real no jardim, e outra macieira na representação mental do sujeito que a vê. Se recorrermos à análise intencional, não partiremos da macieira em-si exterior ao sujeito, muito menos da macieira representada. Partiremos das "coisas mesmas", isto é, da macieira, enquanto percebida, do ato de percepção-da-macieira-no-jardim que é a vivência original, a partir da qual chegamos a descrever aquela macieira.

Se o objeto é sempre objeto-para-uma-consciência, ele não será jamais objeto em si, mas objeto percebido, ou objeto-pensado, rememorado, imaginado etc. A análise intencional vai nos obrigar assim a conceber a relação entre consciência e o objeto sob uma forma que poderá parecer estranha ao senso comum. Para Husserl, consciência e objeto não são, com efeito, duas entidades separadas na natureza que se trataria, em seguida, de por em relação, mas consciência e objeto se definem respectivamente, a partir desta correlação que lhes é, de alguma maneira, co-original. Se a consciência é sempre "consciência de alguma coisa" e se o objeto é sempre "objeto para a consciência, é inconcebível que possamos sair dessa relação, já que fora dela, não haveria nem consciência nem objeto". Se , com efeito, essa "região significativa sujeito-objeto" só se dá na intuição originária da vivência da consciência, o estudo dessa correlação consistirá em uma análise descritiva do campo da consciência, o que conduzirá Husserl a definir a Fenomenologia como "a ciência descritiva das essências da consciência e de seus atos".   (35, op. cit. ). Há , portanto, uma unidade indissolúvel entre o "eu" e o  chamado "objeto". Ao constituir-se o "objeto", constitui-se simultaneamente o "eu" como consciência".

É importante discernir que "consciência" para  Husserl não é somente "razão". É muito mais: "consciência" são todos os atos psíquicos ou vivências intencionais.

O fenomenólogo não procura saber sob quais condições um juízo é verdadeiro, pergunta apenas qual é o significado daquilo que temos no espírito quando julgamos, afirmamos, sonhamos, vivemos. A Fenomenologia não se orienta para fatos externos ou internos, e, sim para a realidade da consciência, para os objetos enquanto intencionados por e na consciência, isto é, para as essências ideais. Para o fenomenólogo, as essências ideais não são simples representações: são fenômenos, ou seja, aquilo que se manifesta imediatamente à consciência, alcançado por uma intuição antes de toda reflexão ou juízo.                                                          

Todavia, a visão de essência não é dotada de nenhum caráter metafísico. A essência na Fenomenologia de Husserl é apenas aquilo que a "própria coisa" é revelada em sua doação originária. Considerando o fenômeno na sua pureza absoluta como aparecimento em si mesmo, isto é, como a  própria coisa simplesmente enquanto revelada à consciência. Portanto, esse fenômeno será puro ou absoluto.

Fenômeno se estende a tudo aquilo de que podemos ter consciência, de qualquer modo que seja. Portanto, não só os objetos da consciência, mas também os próprios atos enquanto conscientes, sejam eles intelectivos, volitivos ou afetivos, são para Husserl, fenômenos. O fenômeno refere-se  ao conteúdo intencional da consciência. Para obtermos acesso ao fenômeno na sua essência fenomenológica precisamos realizar a primeira "redução fenomenológica" ou epoché .  A finalidade da epoché é retirar do circuito mental toda a doxa (opiniões), para  podermos apreender o que se mostra a nós em toda a sua evidência própria. A epoquê é  o que Husserl chama de "colocar o mundo entre parêntesis", e que já foi defendida pelos Céticos na Antigüidade.

Sexto Empírico, propôs a  "suspensão de todo os juízos – a epoché" , sobre cada uma das questões examinadas.  Os Céticos tomaram o phainómenon , o que aparece, como critério de ação. Não havendo como justificar opiniões ou legitimar asserções que se pretendam verdadeiras, quer se trate de nossas crenças e opiniões banais e cotidianas, quer de asserções filosóficas, somente nos resta o caminho de uma universal epoché. Em verdade, o ceticismo concebe-se a si próprio como uma terapêutica que se serve do discurso para curar os homens de sua propensão ao dogmatismo.

Husserl apesar de usar o conceito epoquê" não desenvolveu uma teoria cética, propõe duas reduções no método fenomenológico. A primeira chamada "redução eidética" , é a busca da epoché que visa obter  as significações dos fenômenos a partir da  suspensão de todos os dados da consciência mesma:  convicções, opiniões e  pré-juízos. Ela não nega o mundo, só o coloca entre parêntesis.  A segunda, a "redução transcendental", colocam-se entre parêntesis as essências mesmas dos fenômenos captadas na primeira, para alcançar um resíduo fenomenológico intencional puro na consciência, fundada no "eu transcendental".  O resultado, é que a Fenomenologia não pressupõe nada: nem o mundo natural, nem o senso comum, nem as proposições da ciência, nem as experiências psíquicas. Coloca-se "antes" de toda crença e de todo pré-juizo para explorar simplesmente e ingenuamente o "dado."

Temos, basicamente, três tipos de Fenomenologia:

    * 1) Fenomenologia Transcendental de Husserl;
    * 2) Fenomenologia Existencial de Jean Paul Sartre (1905-1980), e Maurice Merleau Ponty (1908-1961);
    * 3) Fenomenologia Hermenêutica de Martin Heidegger (1889-1976), Hans Georg Gadamer (n. 1900) e Paul Ricouer (n. 1913).

    * A Fenomenologia em seu proceder, não tem realidade já dada previamente ou conceitos da realidade, senão que retira seus conceitos da originariedade da efetuação (captada por sua vez em conceitos originários). Assim, as investigações relativas à constituição transcendental do mundo, não são mais que o começo de um clareamento radical do sentido e da origem (ou melhor, do sentido a partir da origem) dos conceitos "mundo", "natureza", "espaço", "tempo", "cultura" etc."

 A novidade que a Fenomenologia trouxe para a Epistemologia, foi partir do suposto que o mundo não é algo deduzido, mas uma realidade concreta e vivida, transbordantes de significados específicos de cada um. A Fenomenologia revolucionou o paradigma filosófico, pois com as noções de intencionalidade, de região unificada da consciência, subvertem a teoria clássica da representação do objeto cindido com o sujeito. Uma de suas conseqüências teóricas é eliminar o critério de verdade por correspondência de Aristóteles, que é centrado na dicotomia sujeito/objeto. Outra decorrência da Fenomenologia é abolir o método explicativo para o conhecimento do homem, em suas humanidades (pois é o método científico-natural-biológico).

Husserl  renova o  processo do conhecimento, pois parte da necessidade do despojamento radical de ideologias, dogmas, metafísicas, naturalismos, idealismos, certezas, realismos, verdades,  nominalismos, teologias,  opiniões e pré-juízos de todo o tipo. A pessoa que apreende  o "fenômeno" deve excluir de sua mente não só qualquer juízo de valor sobre o fenômeno em questão, mas qualquer afirmação relativa a suas causas ou a seu fundamento. Husserl postula uma "faxina mental completa", com o seu método fenomenológico, antes de tentarmos conhecer alguma coisa. O olhar que vê o outro, deve limpar-se de todos a priori, banhar-se no esquecimento de todas as interpretações do mundo. E ver. O que se mostra sem impregnações artificiais. A Fenomenologia é a tentativa de realizar um retorno às "coisas mesmas".

A Fenomenologia de Husserl propõe o método que dá início a um novo tipo de conhecimento: o conhecimento compreensivo. Não mais o conhecimento explicativo-causal-dedutivo, mas fenomenológico-descritivo-compreensivo.

Wilhelm Dilthey (1833-1911), dedicou-se a fundar um método psicológico-compreensivo, pois para ele o predomínio da psicologia explicativa, que funciona com hipóteses por analogia com o conhecimento natural, implica conseqüências extraordinariamente danosas para o desenvolvimento das ciências do espírito. O conceito de uma psicologia descritiva e analítica surgiu em nós da natureza de nossas vivências psíquicas, da necessidade de uma captação intacta e sem pré-juízos da vida anímica.

Dilthey não parte da Fenomenologia de Husserl, mas pretende realizar uma compreensão do homem como ser histórico, e não como um ente imutável, uma natureza ou uma substância. A descrição dos fenômenos humanos realizada por Dilthey, na prática, é muito semelhante aos resultados obtidos na primeira redução fenomenológica.

 Para Heidegger, a Fenomenologia não é um método a mais entre os vários disponíveis, que possuímos para conhecer o mundo. Para ele, a Fenomenologia é a única forma de via de acesso ao "ser dos entes". "A Fenomenologia é a via de acesso e o modo de verificação para se determinar o que deve constituir tema da ontologia. A ontologia só é possível como fenomenologia. O conceito fenomenológico de fenômeno propõe como o que se mostra o ser dos entes, o seu sentido, suas modificações e derivados. Pois, o mostrar-se não é um mostrar-se qualquer e, muito menos, uma  manifestação. O ser dos entes nunca pode ser uma coisa "atrás" da qual esteja outra coisa "que não se manifesta. "Atrás" dos fenômenos da fenomenologia não há absolutamente nada, o que acontece é que aquilo que deve tornar-se fenômeno pode-se velar. A fenomenologia é necessária justamente porque, de início e na maioria das vezes, os fenômenos não se dão. O conceito oposto ao de fenômeno é o conceito de encobrimento.

Heidegger e Gadamer receberam fortes influências de Husserl e Dilthey . Heidegger desenvolveu o conceito de compreensão fundamentado na Fenomenologia e na sua Ontologia. "Compreender" tem sua raiz que em elementos constitutivos da existência do ser-no-mundo. "Mundo" não é o universo dos físicos, a res extensa; "mundo" é o conjunto de condições geográficas, históricas, sociais e econômicas, em que cada pessoa está imersa, na sua "facticidade existencial".  Em Ser e Tempo, Heidegger postula que o "compreender" não é apenas intelecção de um novo sentido; o "compreender" é parte do ser humano como um existencial. Portanto, o modo de ser no mundo é o modo de compreender, e o ser no mundo é um compreender e interpretar.

Gadamer pensa a relação linguagem-mundo, em paradigma distinto da Antigüidade até a  Modernidade. O conceito de "compreensão"  é , "guiado pela idéia de que linguagem é um centro no que se reúnem o "eu" e o "mundo", ou melhor, em que ambos aparecem em sua unidade originária." "(…) Agora estamos em condições de compreender que este giro do nascer da coisa mesma, do acesso do sentido à linguagem, aponta a uma estrutura universal-ontológica, à constituição fundamental de tudo aquilo que pode voltar-se à compreensão. O ser que pode ser compreendido é linguagem ".  "(…) É seguro que não existe, porém, compreensão livre de todo pré-juízo, por muito que a vontade de nosso conhecimento esteja sempre dirigida a escapar da evocação de nossos pré-juízos".  Além de Gadamer, Merleau-Ponty também considerava tarefa impossível para os humanos obter uma epoché, isenta totalmente de pré-juízos, tal como Husserl postulava. Eles consideravam que podemos conseguir vários graus de redução, mas não uma epoché completa.

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