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Leitura: o grande desafio do ‘Homo intellectus’

Introdução

Um livro só começa a existir quando um leitor o abre. Esta afirmação resume o novo olhar dos historiadores em relação à leitura. Durante muito tempo eles mantiveram frente à leitura uma atitude linear, supondo-a invariável, natural a todas as pessoas de todas as épocas.

Hoje, inúmeras pesquisas nos ensinam a ver no gesto trivial de ler um texto, uma variação quase infinita, possível de ser reconstituída nos diversos momentos da história.

Claro que a difusão do "livro com páginas" tal como o conhecemos, assim como a primeira revolução na história do livro – a invenção da imprensa no século XV – provocaram um alargamento enorme do número de leitores. A segunda grande mutação nas maneiras de ler ocorreu no final do século XVIII com a passagem de hábitos intensivos de leitura – a leitura constante e repetida de textos de caráter religioso (a Bíblia era o grande best-seller) – para hábitos extensivos de leitura do leitor moderno, que (mal) lê vários livros, ávido por novidades.

Mas a leitura "intensiva" não chega a desaparecer, pois o advento do romance coincidiu com a disseminação de modos emocionais de leitura. Rousseau exigiu que o seu A Nova Heloísa fosse "lido tão intensamente quanto a Bíblia", o que realmente ocorreu, provocando nas leitoras desmaios, choros convulsivos e, no limite, suicídios. Com os olhos de hoje, distraídos pelo caleidoscópio de imagens nas telas, fica difícil concebermos a força  desta paixão incendiária provocada pela leitura.

Sedução pela leitura? Ler em público era, antes do advento do marketing e da noite de autógrafos, a melhor maneira de um autor obter público para seus livros. O poeta Dylan Thomas, em alto estado etílico, encantava com sua belíssima poesia cantada nos bares, coisa só percebida na língua original.

Mas, na inspirada tradução de Ivan Junqueira, os leitores podem ter uma idéia: Em meu ofício ou arte taciturna / Exercido na noite silenciosa / Quando somente a lua se enfurece / Trabalho junto à luz que canta / Não por glória ou pão / Nem por pompa ou tráfico de encantos / Nos palcos de marfim / Mas pelo mínimo salário / Do seu mais secreto coração. Difícil imaginar tais versos, como revelam os arquivos, reproduzidos por inúmeros leitores que os enviavam, junto com as flores, às namoradas distantes.

Difícil, mas não impossível, já que no final do século XIX o público leitor atingiu a alfabetização em massa, claro, não em terra tupiniquim. A "era de ouro" da leitura foi também a última a ver o livro ainda imune à competição com outros meios de comunicação – TV, Internet e todo o sofisticado aparato da mídia eletrônica do século XXI. Ler numa tela não é o mesmo que ler em um livro com páginas.

Estaríamos hoje diante de uma terceira revolução da leitura?

Independente da imprevisível resposta a este bilhete sobre a leitura empolga e
surpreende, creio eu, mais que a história da história de uma prática ligada talvez ao  mais espetacular instrumento utilizado pelo homem.

Que afinal, vem confirmar o que Jorge Luis Borges disse certa vez, de forma definitiva, sobre o livro: O microscópio e o telescópio são extensões da nossa visão; o telefone é a extensão da nossa voz; em seguida, temos o arado e a espada, extensões do nosso braço. O livro, porém, é outra coisa: o livro é uma extensão da nossa memória e da nossa imaginação.

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