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O Afeto e as Posições Teóricas Francesas

Procuramos com a realização deste trabalho sobre o “afeto”, caracterizar a sua devida importância na ocorrência do suceder psíquico. Estamos cientes de que ficou para uma outra oportunidade, estabelecermos essa configuração, no que concerne às reações transferenciais e contratransferenciais, prenhes de carga afetiva que circundam o processo psicanalítico.

É sabido que as produções teóricas dedicadas especificamente ao afeto na produção teórica francesa é rara, porém não devemos nos enganar enfocando a quantidade e sim a qualidade das mesmas. Podemos encontrar em J. Malet, do ponto de vista teórico e em M. Bouvet, do ponto de vista clínico, uma abordagem bem direta sobre essa temática determinada. Malet (1969) e Pasche (1953), em seu relatório sobre L'angoisse et la théorie des instincts, estudou criteriosamente as relações entre os afetos e as representações. Dizia ele: "Enquanto a representação visa o objetivo a ser atingido e o objeto do desejo, o afeto permite ao ego experimentar-se através dos estados que sente e em sua relação com o corpo". Desta forma, podemos inferir que afeto e ego estão indissoluvelmente ligados.; sendo que os afetos podem ser aceitos ou recusados pelo ego, de onde derivam as terminologias técnicas de egossintônicos e egodistônicos.

Assim, se por um lado é verdadeira a afirmação de que o afeto é em primeiro lugar uma informação para o ego, por outro, como função primária de descarga serve de apoio à função secundária de comunicação com o objeto. No que tange ao advento da linguagem falada, podemos notar que esta permite uma economia afetiva considerável, porém sabemos também que o afeto não aceita as imposições da pré-consciência. "Onde a palavra visa um disfarce do desejo, o afeto desmente a palavra e se manifesta diretamente ao ego".

O reforço do controle sobre o afeto dissocia as expressões pulsionais mais cruas e apóia-se sobre o contingente de pulsões de fim inibido, que não exprimem mais do que sentimentos como ternura, em lugar das expresões pulsionais mais de caráter imediato, como a sensualidade. Torna-se importante notar que o trabalho defensivo do ego, incide extensivamente sobre o objetivo, o objeto (pelo menos em sua representação) e o afeto.

Vamos tomar como exemplo emblemático dessa situação à Dissolução do Complexo de Édipo: nela, o ego pode evocar a representação recalcada, livremente, graças a um novo investimento, mas não o afeto. Assim, o recalcado pode ser admitido intelectualmente, porém não afetivamente.

De que vai depender?

= de que o investimento aqui utilizado seja o de uma energia dessexualizada, acarretando apenas um saber.

= ou sexualizada, sendo que neste caso observamos uma "inflamação" do ego.

Os afetos de tipo agressivo: quando estão ligados em pulsões destrutivas puras, escapam à angústia. O que pode ser observado é que, por vezes, as tendências auto-destrutivas são as únicas possibilidades defensivas para fazer frente às pulsões agressivas. Queremos lembrar que Mallet, cita que Freud em O Mal estar na Civilização, atribui o "sentimento de culpa", unicamente às pulsões destruidoras. Lembramos também que o recalque da pulsão agressiva, só pode existir quando ela se encontra libidinizada. Contudo, ela deve estar suficientemente libidinizada.

Uma Diferenciação Necessária: devemos distinguir entre agressividade apetitiva e agressividade reativa (à frustração). Os afetos apetitivos tem sua sede no ego, enquanto sua origem encontra-se no Id. Já os afetos reativos tem seu lugar e sua origem no ego. Ainda,  segundo Mallet, o medo é um afeto muito mais tolerável que a angústia, a dor moral e o luto.

O que teria a nos dizer Bouvet?

Notamos que é em seus estudos sobre a temática da transferência que este autor nos fala diretamente sobre o afeto. Para ele existe uma oposição entre a transferência de afetos e emoções e a transferência de defesa. Muito embora a transferência de defesas impeça a transferência de afetos e emoções, esta pode ser utilizada com fins defensivos. Aqui, podemos notar uma concordância com Daniel Lagache, onde ambos descrevem a "a resistência de transferência". Continuando com Bouvet: " toda a transferência que é uma vivência, opõe-se numa certa medida à rememoração e quando atinge uma certa intensidade, torna-se uma fonte de resistências".

Importante
: ao opor resistência de transferência e resitência à transferência, sendo a primeira caracterizada pelo "sentir em excesso" e a segunda pelo "compreender em excesso", Bouvet encontra a oposição entre estruturas hístero-fóbicas e estruturas obsessivas.

Essa oposição entre dois tipos de resistências na análise, pode ser confirmada numa outra situação: a das estruras genitais e pré-genitais. Quanto às estruturas pré-genitais descritas por Bouvet, destacamos como uma característica fundamental à estrutura dos afetos em relação ao objeto. Queremos ressaltar que a concepção de Bouvet é muito mais inspirada na clínica, do que numa preocupação de elegância teórica.

Queremos citar a "carga afetiva" com a qual os trabalhos de Bouvet foram atacados por Lacan e seus seguidores, numa tentativa de descaracterizar o lugar de importância do afeto, além de que pode ser explicitamente banido.

Enfim, o estudo analítico da concepção do afeto na obra freudiana, mostrou-nos o caráter solitário das preocupações de Freud localizadas no estatuto inconsciente do afeto. Após Freud, notamos que os analistas ficaram fechados num impasse entre o afeto e as representações. Na França, a situação foi dominada pela controvérsia em torno das teorias de Lacan, o que certamente falseia o problema do afeto em sua originalidade.

Uma última consideração

Queremos apenas lembrar que desde "Os Estudos Sobre a Histeria", Freud já falava sobre a importância do binômio Palavra-Afeto. Na formação dos sintomas, ficava claro que haveria uma ruptura da unidade palavra-afeto, entendendo-se a palavra como as cadeias representacionais, as quais seriam recalcadas, sendo que o afeto ficaria como uma energia "livre", a qual poderia se ligar à outras cadeias representacionais ou mesmo incidindo no corpo, através da conversão, mecanismo específico da Histeria. Essa energia "livre" ficaria como sustentáculo de toda a sintomatologia fundamentndo-a e mantendo-a, na condição de um "núcleo psíquico isolado". O objetivo do trabalho analítico seria devolver esse núcleo psíquico isolado, ao livre comércio associativo entre as mais variadas representações, retirando dele essa "energia" e devolvendo-a ao lugar de "onde ela nunca deveria ter saído", ou seja: a cadeia de representação original, a qual poderá ser rememorada e o afeto ab-reagido a contento.(Trata-se aqui do conceito da "divisão da consciência").

Bibliografia Complementar

Estudos sobre a Histeria: S. Freud. Obras Completas.

O Discurso Vivo. Uma teoria psicanalítica do afeto. André Green.
Francisco Alves Editora.

Acesso à Plataforma

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