Dessa forma, ao longo do tratamento psicanalítico, o paciente passaria da sua neurose inicial, para a neurose de transferência, para aí sim, a cura ser objetivada.
Trago aqui como uma figura emblemática para ilustrar essas considerações, a imagem do dentista, o qual pelo que sabemos e até por experiência própria, muitas vezes se torna um interlocutor adequado para que possamos externar as nossas angústias e preocupações das mais variadas ordens. Trata-se de uma figura que lá está para nos tratar, ainda que seja da boca e dos dentes, mas recupero aqui a importância do termo "tratar". Nesse sentido, a boca tratada pelo dentista, é a mesma por onde expressamos nossas dores para os nossos analistas.
Isso nos remete, inexoravelmente, a uma espécie de movimento de caráter regressivo, onde nos colocamos prontamente dispostos a ser tratados, revelando a existência de um desamparo atávico do ser humano. Volto a insistir que a figura pessoal do dentista deve, para que isto ocorra, reunir certos atributos como por exemplo o acolhimento, a disponibilidade para ouvir, a atenção e o interesse verdadeiro e não apenas por uma questão de educação. Deve ficar claro que quando falamos em movimento regressivo, estamos nos referindo ao bebê, que é acolhido e satisfeito em suas necessidades pela mãe ou por quem esteja em posição de exercer, para ele, a função materna.
Numa sala de espera, mesmo aquele paciente que não está com dor nem com pressa, podemos observar o quão impaciente muitas vezes fica, quando aquele que dele vai cuidar se atrasa com outro paciente. Isso pode ser pensado como a inquietude entre irmãos que competem pela atenção da mãe, especialmente quando esta se ocupa em demasia, em seu julgamento, de um deles em especial, seja pelo motivo que for: gripe, manha, cólica,enfim, parece que nada poderá justificar esta espécie de "preferência" materna, a qual, se formos pensar, sempre existirá, mesmo que no plano da consciência não seja admitida por esta ou aquela mãe.
Dessa forma, queremos insistir que a cadeira do dentista, assim como a cadeira do barbeiro ou cabelereiro, ou mesmo uma cadeira de bar, na presença de um querido amigo, pode servir perfeitamente para que entrem em jogo, movimentos transferenciais muitas vezes intensos, sendo que a diferença é que não vão ser utilizados para o desenvolvimento de um trabalho tecnicamente orientado, como ocorreria num processo de análise bem conduzido. Às vezes, inclusive, podemos notar que por força do procedimento que o dentista está realizando, solicita ao paciente que fique de boca aberta, mas que não fale, o que muitas vezes pode provocar neste, uma certa angústia e um sentimento de solidão. A psicanálise nos ensina que a voz é o primeiro objeto de investimento da pulsão oral, e quando nos vemos impossibilitados de utilizá-la para nos comunicar com o outro, isso pode ser um deflagrador de angústias.
Gostaria de encerrar esta apresentação, fazendo uma citação de uma pergunta que fora feita a Freud, bem como a sua resposta. Sabemos que uma das metáforas utilizadas por Freud para definir o inconsciente, foi a de um cavalo bravio, sendo que aí lhe fora perguntado se aquele que passasse por uma psicanálise, teria esse cavalo domesticado. Freud respondeu prontamente que não, uma vez que o cavalo sempre seria bravio, mas o que, na verdade mudaria para aquele que passasse por uma análise, era exatamente a habilidade do cavaleiro para controlar esse cavalo bravio.
Através da resolução da neurose de transferência, poderemos prescindir do instrutor-analista.