O desobediente desobedece, ao dizer assim, está pressupondo antes da ação, do fazer, uma identidade de desobediente. Um grupo existe através das relações que estabelecem seus membros entre si e como meio onde vivem. Constata-se talvez uma obviedade: nós somos nossas ações, nós fazemos pela prática (anão ser por gozação, você chamaria “trabalhador” alguém que não trabalhasse?). É essa obviedade que expõe um complicadíssimo problema teórico, pois até então a identidade era tida como um “dado” a ser pesquisado, como um produto preexistente a ser conhecido, deixando de lado a questão fundamental de saber como se dá esse dado, como se produz esse produto. Mesmo assim, o ponto de partida poderá ser a própria representação, considerando-a também como o processo de produção, de tal forma que a identidade passe a ser entendida como o próprio processo de identificação (CIAMPA, 1994).
O autor complementa que, é na medida em que é pressuposta a identificação da criança como filho (e dos adultos em questão como pais) que os comportamentos vão ocorrer, caracterizando a relação paterno-filial. Não é suficiente uma representação prévia, essa identidade pressuposta, para ser mantida tem que ser "re-posta" a cada momento, mostrando seu caráter dinâmico. Contudo, a identidade sendo metamorfose aparece como não metamorfose, pelo trabalho de "re-posição". Uma vez que a identidade pressuposta é reposta, ela é vista como dada, e não como se dando num contínuo processo de identificação. É como se uma vez identificada à pessoa, a produção de sua identidade se esgotasse com o produto. Na linguagem corrente dizemos “eu sou filho”; dificilmente alguém dirá “estou sendo filho”.
A identidade é analisada levando em conta a visão de metamorfose, de transformação, onde está em constante mudança. Entretanto, ela se apresenta a cada momento estática, disfarçando sua dinâmica real de permanentes transformações. Ciampa (1994) afirma que esse processo de re-posição muitas vezes confunde a questão do “movimento” da identidade. A re-posição é vista como algo ‘dado’ e não como um ‘se dando’, num contínuo processo de identificação, devido ao fato de que as diferenças, a cada re-posição muitas vezes são pouco perceptíveis. O personagem pode ser o mesmo: aluno, mas não o mesmo aluno. Como a sucessão é rápida, às vezes as mudanças não são reconhecidas. Mudanças pequenas dão a impressão de não-movimento, necessitam de um acúmulo de quantidade para que a percepção capte as transformações ocorridas. São acrescidos à vida cotidiana a cada dia, novos acontecimentos e significados, tornando o homem e o mundo "qualitativamente" diferentes. Quando a mudança é mais visível, diz-se que esta ocorreu “de repente”, mas na verdade não existe “de repente”, e sim um acúmulo de elementos até o momento em que algo se torna distinto na forma como era percebido. Na relação do indivíduo com outros homens “as identidades” vão sendo re-postas e cada re-posição não é a mesma, as condições objetivas são outras, outros significados vão sendo dados e internalizados mesmo que imperceptíveis, pois como matéria estamos em constante transformação. Estas possibilidades permitem ao homem a construção da sua singularidade, da sua identidade e de seu vir-a-ser (CIAMPA, 1994).O autor coloca que nessa articulação entre atividade e consciência define-se a mesmidade. Este elemento caracteriza também a identidade enquanto movimento e possibilidades, pois se dá pelo ato de refletir o que temos sido e podemos ser. Trata-se de uma postura do homem em dispor-se a saber mais, de refletir o conhecimento, recusando-se a reconhecê-lo como realidade absoluta. Em contrapartida, se dá a mesmice que pode ser descrita como simples re-posição de papéis, sem a mediação da reflexão. Dentro dessa perspectiva é conveniente ressaltar que a identidade é um fenômeno social, logo não é possível dissociar o estudo da identidade singular, do estudo da sociedade. É do contexto histórico e social em que o homem vive que decorrem suas determinações e, conseqüentemente, emergem as possibilidades ou impossibilidades, os modos e as alternativas de identidade.De acordo com Baptista (2003) a proposta de Ciampa se aplica não só ao estudo dos indivíduos, mas também ao estudo de grupos (denominados então de identidades coletivas). De forma similar à identidade individual, acontece à identidade que é uma construção histórica tendo como base um conjunto de valores compartilhados que se dá a partir da relação dialética entre indivíduos e/ou grupos que organizam sua vida cotidiana em torno de atividades semelhantes que ocorre em um determinado espaço geográfico.
A identidade coletiva vai se constituindo ao longo do tempo e dá o sentido de continuidade aos indivíduos, que adotam papéis, normas e valores válidos para todos os componentes do grupo, o que reafirma constantemente, através da memória, a realidade objetiva e subjetiva. A memória está sempre presente nessas possibilidades tanto de afirmação quanto de transformação. Pollak (1992) afirma que a memória é um elemento que compõe o sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, pois é um fator importantíssimo do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa de um grupo em sua reconstrução de si, ou seja, a memória está diretamente relacionada com os investimentos que um grupo deve fazer ao longo do tempo, todo o trabalho necessário para dar a cada membro de um grupo o sentimento de unidade. Batista (2005) complementa que a construção da identidade ou identidades vão se moldando quando um determinado grupo se apropria de seus valores, manifestações perpetuando-os na sua história, passando de geração a geração, aonde a ligação entre memória e identidade é tão profunda que o imaginário histórico-cultural se alimenta destes para se auto-sustentar e se reconhecer como expressão particular de um determinado povo.
Bibliografia:
BAPTISTA, Marisa Todescan Dias da Silva. (2003) As relações entre identidade, memória e pesquisa da história da psicologia. Memorandum, 4, 33-39.
Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos04/baptista02.htm
BATISTA, Cláudio Magalhães. Memória e identidade: Aspectos relevantes para o turismo cultural. Caderno Virtual de Turismo. Vol. 5 n.3. 2005
Disponível em: www.ivt.coppe.ufrj.br/caderno/ojs/include/getdoc.php?id=285&article=96&mode=pdf
CIAMPA, Antonio da Costa (1994). Identidade. In Silvia T. M. Lane & Wanderley Codo. (Orgs). Psicologia Social: o homem em movimento. (pp. 58- 75), 13 ed. São Paulo: Brasiliense.
POLLAK, Michael.Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.5. n.10. 1992. p. 200-212.