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Psicose: A foraclusão do nome-do-pai

Flávia Lórem G. Nunes [1]
Simone Oliveira Damasceno
Thaís Lima Franco
Viviane Maria Oliveira
 

Resumo

 
A foraclusão do Nome-do-Pai aparece para Lacan como o mecanismo específico da psicose. O que se pretende é mostrar o preço que se paga por algo que não está incluído. Através do caso de S. aliado à teoria psicanalítica percorreremos os caminhos do Édipo até se chegar a um ponto, onde o psicótico nunca chegará, a Lei. O Édipo torna-se a porta de entrada para a ordem simbólica na qual o psicótico é “barrado” de entrar.

Palavras Chave: Psicose. Édipo. Lei. Foraclusão. Simbolização. Nome-do-Pai.

[1] Alunas do 10º período de Psicologia da Puc Minas em Arcos

O caso que analisado neste presente artigo partiu do estágio supervisionado feito no 5º período de psicologia da Puc Minas em Arcos. Este tinha como proposta o acompanhamento terapêutico dos pacientes do NAPS (Núcleo de Atenção Psicossocial).

S., 37 anos, casada, aposentada, paciente do Naps há 10 anos diagnosticada como psicótica.

A paciente relata que adoeceu há 15 anos, logo após seu casamento, o qual ocorreu concomitante com a prisão de seu pai. Nesta época foi internada num dado hospital psiquiátrico da região após delírios e alucinações subsequentes.

Trataremos aqui do que Lacan chama de mecanismo específico da psicose: a foraclusão do Nome-do-Pai. Segundo Quinet (2000), esta proposta leva Lacan a duas considerações: a primeira é que o retorno do foracluído não é a mesma coisa que o retorno do recalcado (neurose). Em segundo lugar, recoloca-se no cerna da teoria psicanalítica das psicoses a referência ao Édipo. Isto reinstaura a clínica da estrutura do sujeito equivalente à estrutura da linguagem, na medida em que o Édipo é a armadura significante mínima que condiciona a entrada do sujeito no mundo simbólico.

A análise de Freud sobre as formações inconscientes (lapsos, sonhos e jogos de palavras) levou Lacan a formular que o inconsciente é estruturado com uma linguagem. Mas para que o homem possa atribuir sognificação aos seus significantes, e a sua existência, é preciso que ele faça sua entrada no simbólico, já que a função simbólica constitui um universo no interior do qual tudo que é humano pode ordenar-se. A inserção do sujeito na ordem simbólica ocorre por intermédio do Édipo.

Quinet (2000) aponta que Lacan propõe três tempos para o Édipo. No primeiro, a criança é identificada ao objeto de desejo da mãe (bebê=falo). A mãe como ser falante é submetida à Lei simbólica e a criança dela recebe a incidência dessa lei. Trata-se de uma lei de caprichos, à qual a criança é assujeitada. Nesse tempo encontra-se o que Lacan chama de estádio do espelho, aqui por não haver mediação do simbólico, o outro é ao mesmo tempo rival e igual. O sujeito assume uma “identidade alienante que vai marcar com sua estrutura rígida todo seu desenvolvimento mental”.

O segundo tempo lógico do Édipo inaugura a simbolização. Ele é marcado pelo que Freud descreveu como “o jogo do fort-da”, o que dá a ilustração mais explícita da realização da metáfora do Nome-do-Pai no processo de acesso ao simbólico na criança, ou seja, o controle simbólico do objeto perdido.

No processo de simbolização da mãe existe uma mediação entre a criança e a mãe, porém é necessária a intervenção de um terceiro que introduza a lei da interdição, de proibição. Segundo Quinet (2000) é aí que aparece a instância paterna como a metáfora do pai, isto é, aquilo que no discurso da mãe representa o pai: o Nome-do-Pai, que corresponde ao que no discurso da mãe é evocado, significando para a criança que o desejo da Mãe se encontra em outro lugar e que ela por sua vez também é submetida a uma lei.

Quinet (2000) aponta que o Nome-do-Pai é o pai enquanto função simbólica, é o pai simbólico, que vem metaforizar o lugar de ausência da mãe; é o significante que faz a mãe ser simbolizada. A função significante do Nome-do-Pai inscreve-se no Outro, que até então era para a criança ocupada somente pela mãe. Se no primeiro tempo lógico o Outro é a mãe, o Nome-do-Pai é o que vem barrar o Outro onipotente e absoluto, inaugurando a entrada da criança na ordem simbólica. É devido à intervenção do Nome-do-Pai no Outro que a lei é instalada para o sujeito no lugar do Outro, o Outro se constitui para o sujeito como lugar da lei, o Outro do pacto da fala. O Nome-do-Pai funciona então como ponto-de-basta.

Para Lacan, segundo Quinet (2000), a foraclusão é aquilo que não foi incluído. E ao falarmos em psicose vemos que a condição essencial para que ela “apareça” é a não inclusão do Nome-do-Pai em seu registro, no lugar do Outro, tendo assim o fracasso da metáfora paterna.

Quinet (2000) diz que a foraclusão do Nome-do-Pai na psicose corresponde no sujeito à abolição da lei simbólica, colocando em causa todo o sistema do significante. A foraclusão do Nome-do-Pai implica a não travessia da epopéia edipiana, uma vez que o sujeito não é submetido à castração simbólica, não havendo, portanto, possibilidade de a significação fálica advir. E por não ter acesso ao falo, significante que lhe traz efeito de significação sob seu sexo, o sujeito se encontra numa problemática fora-do-sexo, pois, não tendo essa referência, ele não se situa na partilha dos sexos. O psicótico é um sujeito ex-sexo.

A não inscrição do significante no Outro resulta no que para Lacan é a marca essencial da psicose: os distúrbios de linguagem e, em particular, a alucinação.

Quinet (2000) aponta que o que especifica a alucinação psicótica é o fato de ela ser verbal. Tratando então da alucinação do verbo, porém não é redutível a um órgão do sentido.

S. relata que em suas primeiras crises ouvia uma voz porém esta não vinha de fora “era como se fosse eu, uma voz me falando pra fazer coisas…tipo fugir porque meu marido ia me matar…e eu fugia, ficava com medo…um monte de vezes que eu tava almoçando, na minha cabeça “me diziam” que aquilo era vidro e eu cismava que era mesmo, saia correndo e me trancava no quarto”.

Quinet (2000) diz que na psicose, o Outro fala, aparece às claras, provocando no sujeito todo tipo de reação: terror, pânico, exaltação. Isso faz com que o psicótico, diferente do neurótico que habita a linguagem, seja habitado, possuído pela linguagem.

O Outro para o psicótico é consistente, não é barrado. É um Outro absoluto ao qual o sujeito está submetido, não havendo neste a inscrição da lei.
O sujeito psicótico é o objeto do gozo do Outro, objeto de uso de Outro, este Outro absoluto que reproduz o primeiro tempo do Édipo, quando a criança se encontra na posição de objeto de uso pessoal da mãe.

Segundo Quinet (2000) é pela operação da metáfora paterna que a criança é arrancada dessa posição de ser objeto da mãe e que o Nome-do-Pai “significatiza” o desejo do Outro. Não havendo esta operação, a questão do desejo da mãe permanece uma incógnita e volta ao sujeito como gozo enigmático do Outro, situando-o como seu objeto.

Ao longo do acompanhamento da paciente percebemos a questão da identificação, onde a A.T podia ser vista como um espelho vivo para a acompanhada. De acordo com Freud (1976), a identificação é um processo de transformação efetuada no aparelho psíquico e imperceptível em nossa consciência a aos nossos sentidos. Nesse processo o sujeito pretende, inconscientemente, se transformar no outro sujeito que seria o objeto de sua identificação.

Quando a A.T dizia algo pessoal como por exemplo “faltei no último encontro porque estava gripada”, S. logo dizia que também estava com algo parecido como “eu também tava, tomei até remédio”, o que não ocorreu somente uma vez. Quinet (2000) aponta que por falta de referência simbólica o psicótico funciona no registro imaginário, onde o outro é tomado como espelho e modelo de identificação imediata. Disto decorrem os fenômenos de transitivismo, projeção, rivalidade, onde identificação e erotização se confundem.

Ao acompanhar a psicose de perto podemos perceber nitidamente a falta do ponto de basta, da lei, da interdição enfim, do Nome-do-Pai. A foraclusão do Nome-do-Pai na psicose é bastante evidente, podendo ser percebida em atos e discursos do psicótico. No caso de S. Percebe-se isso pela erotização demasiada e pela falta de limites.

O Nome-do-Pai não se encontra no sujeito psicótico, o que se vê é um grande buraco na ordem simbólica. O fenômeno psicótico é o efeito da emergência na realidade de um chamado a uma significação à qual o sujeito não pode responder na medida em que esta jamais fez parte da sua estrutura.
 

Referências Bibliográficas   

FREUD, Sigmund. Psicologia de grupo e a análise do ego e dois verbetes de enciclopédia. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

QUINET, Antonio. Teoria e clínica da psicose. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.   

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