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O papel do psicanalista clínico no hospital

A – Considerações gerais 

A Psicanálise Clínica é  geralmente considerada como método de tratamento que tem sua melhor aplicação em certos tipos de neurose.Tais estados se encontram em contraste com ao que são mais comumente encontrados nos Hospitais Gerais e Centros Psiquiátricos. Os casos de neurose que lá encontramos são caracterizados por sintomas tão graves, que impedem o paciente de levar uma vida normal, com seus compromissos e em relação ao lar e trabalho. Os hospitais são também ocupados por pacientes que sofrem de formas diferentes de perturbação mental: as psicoses orgânicas e funcionais.Tais pacientes não se consideram enfermos.

O observador imparcial pode, justificadamente, perguntar o que pode um psicanalista clínico fazer de útil se estiver trabalhando num hospital psiquiátrico ou somático, confrontando com várias centenas de pacientes cujas condições são geralmente inadequadas para seu método de tratamento? Que contribuição pode prestar à terapia e ao tratamento?

O propósito deste artigo é tentar responder estas perguntas. Antes de fazê-lo, contudo, é necessário relembrar que, para desordens mentais graves, não dispomos, até o momento, de nenhum tratamento etimologicamente fundamentado. Os atuais métodos de tratamento (terapia de eletrochoque e as várias drogas tranqüilizantes e antidepressivas),  são medidas sintomáticas. Não combatem as causas do funcionamento mental anormal, mas apenas mantêm sob controle as manifestações clínicas mais perturbadoras. É quase impossível predizer seu efeito no caso individual, e o tratamento do paciente não pode basear-se inteiramente em sua aplicação. Isto implica em que estas medidas físicas só podem ser encerradas como um dos aspectos de abordagem terapêutica. Outras considerações devem ser levadas em conta quando se planeja o tratamento de um paciente. É aqui que a psicanálise e o psicanalista têm um papel a desempenhar.

B – O que a psicanálise e o psicanalista têm a oferecer à clínica de hospital somático ou psiquiátrico?

Antes de apresentar um relato acerca do que a psicanálise e o psicanalista têm a oferecer à clínica de hospital somático ou psiquiátrico, ou de detalhar as dificuldades que tais empreendimentos acarretam, é necessário oferecer uma definição operante da psicanálise.

Psicanálise é uma ciência e uma técnica que tem por finalidade a interpretação do inconsciente humano, visando através de diversos processos de avaliações e de modernos recursos terapêuticos, ou seja: 1) eletroterapia transcerebral, 2) hipnose  instrumental, 3) psicogalvanometria digital SRG, 4) psicostat SRG auditivo, 5) eletroanesthesia etc., diminuir os estados de tensões, resultantes de inadaptações vivenciais, educacionais, profissionais, morais, religiosas e pessoais, visando equilibrar emocional e psiquicamente os sociopatas e todos os portadores de distúrbios do comportamento geral, usando apenas os recursos da exortação, do bom senso, da   reeducação pessoal e os modernos recursos terapêuticos já citados acima.

A psicanálise também oferece uma série de conceitos e hipóteses, cujo propósito é explicar como e porque surgem os sintomas e sinais das diferentes doenças mentais. Os conceitos psicanalíticos são de dois tipos:

1º Os conceitos descritivos que identificam os fenômenos clínicos específicos, e

2º Os conceitos explanatórios que fornecem uma descrição de como surgem certos fenômenos.

Exemplo dos primeiros é o fenômeno da resistência, que inevitavelmente aparece no tratamento de uma doença psiconeurótica, uma ilustração dos segundos é fornecida pelo conceito das repressões. Este conceito oferece uma explicação de por que certos pensamentos, desejos ou lembranças são automaticamente afastados da consciência e não podem ser trazidos de volta quando sequer.

O emprego desse tipo de conceito permite que se realize uma comunicação entre aqueles que se acham diretamente interessados no cuidado e no tratamento do paciente. Uma apreciação completa do modo pelo qual o psicanalista pode influenciar beneficamente a doença de um paciente é inteiramente impossível, sem que se tenha certa familiaridade com as principais características da teoria psicanalítica da formação de sintomas.

A psicanálise oferece uma teoria desenvolvimentalista do funcionamento mental. Os processos mentais são encarados como simples e não organizados ao nascimento, mas à medida que o indivíduo cresce, eles se tornam complexos e integrados. Na doença mental, há uma perda das capacidades psicológicas mais avançadas e estas são substituídas por funções que foram outrora apropriadas para um estágio primitivo do desenvolvimento mental. É muito comum, por exemplo, que a criança fique com medo quando está sozinha.

Há certas formas de neurose nas quais o paciente se sente aterrorizado por ser deixado sozinho em casa ou por andar só na rua. Aqui, parece que a capacidade adulta de independência e autoconfiança, foi perdida, e substituída por um estado mental que fora outrora apropriado para a infância. Esta teoria que tenta explicar os sintomas mentais como sendo, primeiro, a perda das capacidades adultas, segundo, a sua substituição por atividades apropriadas a estágios primitivos da vida mental, baseia-se principalmente em idéias apresentadas por Hughlings Jackson, médico inglês do século XIX, a fim de explicar a modalidade dos sintomas da doença neurológica. Ele, por sua vez, derivava sua teoria da evolução e dissolução do distúrbio nervoso da obra do filósofo inglês Herbert Spencer.

Em termos simples, os sinais e sintomas das moléstias neuróticas e psicóticas são de dois tipos: a – uma das categorias consiste nas capacidades e habilidades que foram perdidas; b  –  a segunda categoria abrange todos os pensamentos, idéias, emoções e experiências subjetivas inapropriadas e irracionais, que se achavam ausentes antes do desencadeamento da doença. Em perturbações mentais como as esquizofrenias e as melancolias, o paciente perdeu o uso de várias das funções mentais necessárias a uma adaptação ambiental satisfatória. A falta, o pensamento voltado para a realidade, a capacidade de concentrações, os poderes perceptivos e a memória podem estar desorganizados. A psicanálise descreveu todas as funções cognitivas altamente desenvolvidas, tal como operam no indivíduo sadio, juntamente com o conceito de ego, e contrastou-as com os processos inorganizados e indiferenciados do id. Os pacientes psicóticos perdem a capacidade de se relacionar com os outros, e esta perturbação nos relacionamentos é uma característica marcante de tais estados. O paciente pode tornar-se insensível, abstraído e indiferente quanto aos que o cercam.

Além dessas mudanças, o paciente apresenta um grande número de manifestações novas e fora do comum. Nutre idéias irracionais que insiste serem corretas, apesar das contradições apresentadas pela realidade. Pode experimentar falsas percepções (alucinações) e seu pensamento assume uma qualidade mágica: os desejos, bons ou maus, se tornam realidade esses fenômenos delirantes e alucinatórios assumem agora, para o paciente, uma importância maior que o mundo da realidade. Os objetos fantasiosos dos delírios e das alucinações parecem substituir as antigas relações com pessoas reais. Há breves ocasiões, entretanto, em que o paciente parece recuperar sua antiga capacidade de relacionar-se com os outros, e isto proporciona uma oportunidade para a intervenção terapêutica. Os psicanalistas acreditam que a nova realidade do paciente é a expressão de uma realidade psíquica exposta pela doença.

Sua segunda realidade, ou realidade psíquica,  permanece reprimida no indivíduo sadio. Novas manifestações aparecem também na vida instintiva do paciente. Em situações onde pode ter sido gentil e atencioso, torna-se,  agora, impulsivamente agressivo. Há uma grande ansiedade quanto à sua identidade sexual. Teme estar mudando de sexo, pode notar sinais disso em seu corpo e obter confirmação nas atitudes dos que o cercam. Torna-se preocupado com o homossexualismo e pode realmente experimentar sentimentos homossexuais. Surgem também outros fenômenos que não se necessita examinar aqui.

No caso das neuroses graves, os pacientes não apresentam a ampla perda das funções mentais característica do paciente que sofre de uma psicose. Eles mantêm a capacidade de se comunicar através da fala e, assim perturbados, ficam, primordialmente, prejudicados em seu relacionamento com os outros. Entretanto, a natureza desse distúrbio é qualitativamente distinta daquela do paciente psicótico. O paciente neurótico não se afasta dos outros, nem usa como substituto uma realidade falsa constituída por objetos de delírio, como faz o paciente psicótico. Ele se apega ainda mais às pessoas  que o cercam, mas este apego é de um tipo muito especial. Ele não pode existir sem seus objetos (empregando um termo psicanalítico) e lhes faz grandes exigências.

É aqui que se podem notar indicações de atitudes mentais que, embora novas na vida adulta, caracterizaram outrora o comportamento da primeira infância. É esta perturbação das relações interpessoais que freqüentemente conduz à hospitalização, uma vez que os que cercam o neurótico são incapazes de fornecer-lhe a segurança e a satisfação pelas quais está se esforçando. A posição psicanalítica é a de que em ambas as categorias de enfermidade, a neurose e a psicose, há, em diferentes graus, uma perda das funções mentais adultas e sua substituição por atitudes sentimentos, desejos e idéias apropriadas a fases iniciais do desenvolvimento infantil.

A psicanálise utiliza o conceito de regressão para descrever este movimento para trás da vida mental, de um estado mais adiantado para outro menos adiantado. Nas psicoses, ocorre também algo mais. A forma pela qual o mundo e os que nele se acham são percebidos pelo paciente que não é semelhante a nada que já tenha sido experimentado, mesmo na infância. É como se uma espécie de função mental irrompesse na consciência, possuindo características semelhantes aos sonhos do indivíduo sadio.

No entanto, o fato decisivo para o psicanalista é que, mesmo na psicose, a totalidade da vida mental não é desorganizada pela doença. A regressão é o movimento para trás do funcionamento mental e as desorganizações do ego não são completas. Há sempre uma certa capacidade para estabelecer relacionamentos e resquícios de um funcionamento cognitivo sadio, mesmo nos pacientes mais perturbados.

No caso da neurose, o problema é diferente. O paciente pode relacionar-se com o psicanalista, psiquiatra ou enfermeiro, mas a qualidade do relacionamento nem sempre auxilia os esforços terapêuticos. 

C – Relatos de esforços terapêuticos 

quando a psicanálise pela primeira vez se defrontou com desordens mentais que exigiam hospitalização, o principal interesse dos clínicos foi descobrir até que ponto o método era aplicável a tais condições. Relatos surgem na literatura psicanalítica inicial. Em 1926, foi criado na Alemanha um hospital psicanalítico, onde pacientes psicóticos, viciados em drogas, e neuróticos graves podiam ser tratados. Logo se tornou aparente (Simmel, 1929) que o tratamento psicanalítico de pacientes gravemente enfermos era um empreendimento muito mais complicado e difícil que a psicanálise das neuroses.

Era necessário fornecer condições que assimilassem prontamente os concomitantes afetivos da doença e da terapia, os quais se entrelaçavam rapidamente. As reações ao psicanalista, descritas através do conceito de transferência, não se confinavam ao consultório, apesar da interpretação, mas estendiam-se facilmente a outros membros da equipe hospitalar e a outros pacientes. Vínculos intensos e ambivalentes desenvolviam-se com a equipe de enfermagem, vínculos excluídos da situação de tratamento. A fim de lidar com esses problemas teve que ser estabelecido um estreito contrato entre os psicanalistas e a equipe de enfermagem.

O intercâmbio de informações que se realizava em tais reuniões possuía o efeito de fazer o pessoal do hospital, compreender que a conduta do paciente do hospital era, acima de tudo, devido à repetição de relacionamentos infantis emocionalmente carregados, isto é, a transferência. Este conhecimento possibilitou que atendentes e enfermeiros encarassem o paciente e suas reações com o hospital sob um novo ângulo. A possibilidade de utilizar o método psicanalítico com pacientes hospitalizados, foi rapidamente exercida (por psiquiatras americanos).

De fato, H.S. Sullivan (1932), no Sheppard and Enoch Pratt Hospital, em Baltimore-Maryland, estava tratando de pacientes esquizofrênicos através de uma psicoterapia baseada na psicanálise, contemporaneamente às tentativas que se faziam na Alemanha. Sullivan reconheceu a necessidade de a equipe de enfermagem receber um treinamento especial, se é que se pretendia que seus membros fizessem uma contribuição máxima ao regime de tratamento. Ele se achava à vanguarda daqueles que não apenas discerniam o potencial terapêutico do enfermeiro, mas também reconheciam a necessidade de tornar explícita a maneira pela qual este potencial deveria ser objetivado. Poucos anos mais tarde, esforços sérios de tratar pacientes esquizofrênicos por meio da psicanálise foram colocados em prática na Menninger Clinic, em Chestnut Lodge, e em um ou dois de outros hospitais psiquiátricos norte-americanos.

Desde então, criou-se uma literatura ampla, que fornece detalhes acerca dos meios pelos quais os pacientes podem ser psicanaliticamente abordados. Foi dada atenção às modificações da técnica de tratamento e dispensaram-se considerações especiais aos modos pelos quais os pacientes devem ser manejados no decurso do tratamento. Foi no decorrer desses esforços pioneiros que se tornou aparente o potencial da comunidade hospitalar. O efeito benéfico da hospitalização fora observado em ocasiões anteriores, mas foi somente durante o tratamento psicanalítico de pacientes internados que se tornou possível conceituar, ou seja, tornar explícito, o que conduzia à melhora clínica.

Achava-se agora ao alcance do clínico psi (psiquiatra) identificar e descrever as causas daquilo que antes se pensava serem remissões espontâneas e, além disso, criar as condições que facilitassem tais desenvolvimentos. Já em 1936, William Menninger propunha que programas especiais de terapia ocupacional fossem preparados para cada paciente, programas esses baseados nos problemas centrais que haviam formado a predisposição à doença. Tais programas baseavam-se num reconhecimento da influência terapêutica que o enfermeiro e terapeutas ocupacionais e recreacionais podiam exercer sobre o paciente, em resultado do relacionamento, surgido da missão instrutiva.

Eles foram entusiasticamente adotados por certo número de hospitais americanos antes de 1939, e demonstraram que a introdução da psicanálise no hospital somático ou psiquiátrico possuía implicações muito mais amplas do que simplesmente o tratamento intensivo de um pequeno número de pacientes. Demonstrou-se, de maneira notável, quão grande ressonância podia ter a influência da psicanálise. Nos hospitais britânicos a psicanálise seguiu uma evolução inteiramente diversa. Embora seu efeito tenha sido profundo, ele foi menos evidente e direto que nos Estados Unidos.

Antes de 1939, a psicanálise não desempenhava papel algum nos hospitais britânicos. Talvez houvesse umas poucas exceções nos casos em que as teorias psicanalíticas eram discutidas e se faziam algumas tentativas de experimentar o método psicanalítico. A tradição do tratamento psicanalítico de pacientes individuais no hospital não surgiu da mesma maneira que nos Estados Unidos. Após 1945, o impacto da psicanálise apresentava-se menos concentrado que no hospital americano e, sendo mais difuso, sua influência deveria fazer-se sentir mais na esfera da clínica do hospital do que no caso individual.

Os fundamentos para o emprego das idéias psicanalíticas nos hospitais britânicos foram estabelecidos durante os anos, da guerra. No Hospital Militar de Northfields, métodos de tratamento em grupo baseados em princípios psicanalíticos foram introduzidos por Bion, Rickman e Foulkes. Main (1946) e outros estenderam esta atividade, a fim de incluir grupos recreacionais e grupos de enfermaria. Em todos os pontos de contato entre pacientes e equipes, estabeleceram-se canais de comunicação, de modo a facilitar a troca de informações referentes ao status e dos indivíduos que o formavam. Este trabalho preparou o palco para a introdução da abordagem da Comunidade Terapêutica.

Foi Jones (1952) quem reconheceu, com base na compreensão psicanalítica, que os vínculos transferenciais que os pacientes estabeleciam com o grupo adjacente de pacientes e com a comunidade hospitalar em geral podiam ser explorados para fins terapêuticos. Achou ele, que os conflitos subjacentes aos sintomas e as dificuldades comportamentais poderiam vir a se manifestar através do veículo de comunicação de seus pensamentos, sentimentos e fantasias a cerca de suas experiências enquanto se achavam no hospital. As discussões, tanto em grupos pequenos como em grandes, permitiria a expressão dessas reações e, ao mesmo tempo, daria à equipe médica e de enfermagem a oportunidade de oferecer ao paciente uma avaliação dessas reações. Deste modo, Jones esperava realizar uma análise do conflito do paciente, não na terapia individual, mas no grupo. Acreditava que, através desse processo, o paciente viria a se identificar mais facilmente com os valores do grupo e do hospital, o que o fortaleceria e suplementaria o efeito benéfico resultante da análise de um ou mais conflitos conscientes, pré-conscientes ou inconscientes.                                 

O trabalho de Jones apresenta uma aplicação de conceitos psicanalíticos que tem como objetivo o fornecimento de uma estrutura hospitalar que possa influenciar positivamente os pacientes. A aproximação dele ao paciente se dá através do ambiente hospitalar não diretamente pelo tratamento psicanalítico, como ocorre nos hospitais americanos. Embora as idéias de Jones tenham sido entusiasticamente adotadas em muitos lugares, a base teórica de tais desenvolvimentos foi amiúde negligenciada, tornando assim a técnica excessivamente empírica. São consideráveis os problemas que tal situação engendra. Eles podem corromper o potencial terapêutico e por em risco a viabilidade da comunidade hospitalar.                              

D – O lugar que a psicanálise clínica e o psicanalista, podem ocupar nos hospitais somáticos e psiquiátricos 

Até este ponto, apresentou-se um breve esboço das maneiras pelas quais a psicanálise contribui para a psiquiatria hospitalar. Vamos agora enfocar e tentar responder as seguintes perguntas:

-1) Que lugar a psicanálise clínica deveria ocupar nos hospitais somáticos e psiquiátricos?

-2) Que papel deveria o psicanalista clínico assumir nestes hospitais?

O psicanalista tem um duplo objetivo quando empreende o tratamento psicanalítico de uma neurose: 1) espera compreender a sintomatologia e transmitir este conhecimento ao paciente; 2) no processo, colaborar para a melhora ou remoção dos sintomas. Suas ambições não são menores quando decide intervir no caso de um paciente de hospital somático ou psiquiátrico. Neste caso, infelizmente, acha-se privado do aliado que a parte sadia e integrada da personalidade fornece no caso do paciente psiconeurótico considerado adequado para o tratamento psicanalítico normal. No caso do paciente hospitalizado, a capacidade de cooperação é limitada, e ele não pode estabelecer um relacionamento suficientemente forte para tolerar os desapontamentos, demoras e ansiedades que, inevitavelmente, acompanham o tratamento psicanalítico. As dificuldades são ainda maiores no caso de um paciente psicótico, que possui, apenas mais limitada capacidade para se relacionar.

O psicanalista reconhece que será incapaz de conduzir um tratamento psicanalítico porque não há tempo para tal empreendimento, porque a tentativa estaria quase fadada a revelar-se infrutífera. Entretanto, ele retém seu objetivo original de tentar compreender o sentido e a significação dos fenômenos clínicos e, tendo por base esta compreensão, prescrever o procedimento que será útil para o manejo e tratamento do paciente. Talvez, o modo mais fácil de transmitir como o psicanalista pode intervir beneficamente no caso de um paciente internado seja usar diversos recursos terapêuticos, sendo estes processos mais rápidos e que apresentam rapport desejável, os recursos são os seguintes: 1 – eletroterapia transcerebral: (sonotron) eletrossonoterapia; 2 – terapia de correção comportamental behaviour – (hipnose instrumental) hipnotron; 3 – psicogalvanometria digital SRG; 4 – psicostat SRG (biofeedback) – auditivo e visual; 5 – psicostat de  (biofeedback) – auditivo e visual; 6 – eletroanesthesia.

Mas para que o psicanalista clínico possa usar e aplicar estes processos é necessário que os hospitais adquiram estes aparelhos e ofereçam condições aos profissionais, de desenvolverem suas técnicas. Também, é necessário que os hospitais reservem duas salas para estas terapias. Apresentamos aqui uma série de ilustrações clínicas extraídas de pacientes com psicoses esquizofrênicas.

O primeiro paciente era um jovem, que progressivamente se alienara daquilo que o cercava. Expressava idéias de estar sendo espionado, ficava imóvel durante horas, sentado numa cadeira, adotava posturas fora do comum. Quando foi admitido no hospital, mostrava-se não-cooperativo, não se misturava com os outros pacientes e era virtualmente inacessível. Não melhorara com a administração de drogas do tipo fenotiazina. Descobriu-se considerar ele os enfermeiros como perseguidores, acusando-os de serem inimigos disfarçados. Identificava erroneamente, isto é, confundia visualmente, os enfermeiros com esses perseguidores. O resultado disso foi que se tornou acessível a enfermeiros e médicos. Por sorte, desenvolveu um apreço por uma terapeuta ocupacional, e foi através dela que se obtiveram informações acerca das atitudes do paciente para com a equipe médica e de enfermagem. Mesmo aqui, entretanto, havia momentos em que acreditava ser ela, outra pessoa, e gritava e praguejava contra ela. Um desapontamento muito leve em suas relações bastou para que ele se recusasse a vê-la de novo.

Este caso foi mencionado porque ilustra duras características dos pacientes psicóticos seriamente perturbados. Primeiro, mostra como a capacidade do paciente de conhecer a realidade do meio ambiente através das funções de seu ego (percepção, fala, pensamento, memória) acha-se submersa em uma realidade psicótica,  a qual incluindo suas fantasias irracionais, altera-lhe de tal modo o julgamento que pessoas reais como enfermeiros e médicos vêm a ser confundida com figuras de seus delírios. Isto leva o paciente a opor-se aos enfermeiros e aos médicos, e resulta-lhe em agir de maneira auto-prejudicial. Neste caso, os próprios meios empregados para ajudar o paciente atuam como fonte de agravamento da doença.

A segunda característica ilustrada por este exemplo é que o paciente não perdeu inteiramente a capacidade de se relacionar com figuras reais. Esta capacidade, porém, é limitada e fraca em sua expressão. Ninguém pode dizer, a princípio, com quem o paciente será capaz de estabelecer um vínculo. Neste caso, foi com a terapeuta ocupacional. O vínculo era fraco e foi fácil e irrecuperavelmente rompido pelo desapontamento. O fato de que vínculos emocionais possam ocorrer nas doenças psicóticas significa que a influência terapêutica é possível. A tarefa do psicanalista clínico, portanto, é descobrir se tal capacidade existe e para onde é dirigida. Isto é, só pode ser feito por sua comunicação direta com a equipe de enfermeiros e auxiliares.

É inevitável que alguns pacientes, para sua própria segurança, tenham de ser confinados e, então, a realidade psicótica amiúde resulta numa piora do seu estado, levando-os a crer que se acham cercados por perseguidores. O confinamento com pacientes do mesmo sexo pode ter  resultados adversos, por outra razão. Se um paciente se encontra preocupado com problemas de identidade sexual, e, em conseqüência da doença, experimenta a sensação de que seu corpo é parcial ou inteiramente feminino, pode acreditar que está atraindo, ou o será, sexualmente pelos outros pacientes. Com freqüência, o comportamento não-cooperante, agressivo ou aterrorizado de pacientes pode ser remontado a estas causas: a intrusão da realidade psicótica ou o surgimento de tendências homossexuais na consciência.

Os psicanalistas, por compreender que ambos os tipos de experiência podem surgir na psicose, acham-se alertas quanto à sua ocorrência. Quando fazem sua aparição, medidas apropriadas devem ser tomadas, a fim de aliviar os temores do paciente transferindo-o para uma situação em que sua liberdade não seja restringida. Quando pacientes psicóticos são tratados psicoterapeuticamente, podem surgir certos problemas que, no caso de um paciente psiconeurótico que se submete a tratamento psicanalítico, podem ser superados.

Uma jovem paciente que sofria de moléstia esquizofrênica estava sendo vista várias vezes por semana. Era filha única e sua doença começara quando sua mãe morrera de câncer. Vivia com o pai. Quando a doença começou, a paciente ficou preocupada com uma série de idéias irracionais. Julgava que seu pai fosse homossexual e estava convencida de que ela própria também o era. Ouvia as pessoas dizendo isto no trabalho, nas ruas, e mesmo em casa, quando não havia ninguém. Acabou por fugir de casa, em pânico, temendo que o pai fosse atacá-la sexualmente posteriormente, no hospital, revelou que experimentava sentimentos sexuais em relação ao pai.

Durante o curso da psicoterapia, manifestaram-se tendências eróticas em relação ao analista, tal como havia ocorrido com o pai. No caso de uma paciente neurótica que desenvolve fantasias sexuais com relação ao analista, seria possível apelar para a sua parte razoavelmente sadia e demonstrar que estas manifestações constituíam uma repetição do relacionamento com o pai, que  agora atuavam como uma resistência ao progresso do tratamento e esta resistência dissipar-se-ia com o tempo. No presente caso, a paciente achava-se envolvida demais com suas idéias, não havia um ego razoável a quem apelar e seus controles eram deficientes. O conhecimento de que fora a perda da mãe que a levara ao movimento para trás (a regressão) da vida mental e o surgimento de atitudes instintivas infantis, fez com que o tratamento fosse temporariamente abandonado e que os cuidados com a paciente fossem continuados pela encarregada da enfermeira, sob a supervisão do analista.

Nestas circunstâncias, a enfermeira, in loco parentis, pode ajudar a paciente a recuperar o controle. A continuação do tratamento com o analista teria apenas exaltado a sexualidade e as ansiedades que esta originava. Sob circunstâncias ideais, seria necessário, nos hospitais psiquiátricos, decidir quem é a pessoa mais indicada para ter contato com o paciente, deve ser homem ou mulher, moço ou velho. A melhora ou a deterioração do estado mental amiúde se deve aos fatores que foram descritos. O psicanalista encontra-se em posição de cuidar que o manejo do paciente seja de tal ordem, que não vá de encontro ao efeito do tratamento por drogas ou psicoterapia. O psicanalista pode também ajudar os pacientes diretamente, através do emprego de métodos de grupo. Ele se encontra numa posição favorável para empreender esta espécie de tratamento, devido a seu conhecimento de que as formas de relacionamento que se realizarão no grupo serão repetições de relacionamentos que estão ocorrendo na enfermaria do hospital; que ocorrem em casa, ou na infância.

Pacientes com neuroses graves e estados depressivos podem ser tratados através da terapia de grupo, mas nesta, tal como no tratamento individual, a natureza divergente da capacidade de se relacionar conduz a sérias dificuldades. Entretanto, mesmo quando a influência terapêutico-positivas é limitada, o analista obtém um quadro muito claro da doença do paciente e da maneira de seu desenvolvimento. A terapia de grupo, tal como, na realidade de todas as espécies de intervenção terapêutica, requer a mais íntima cooperação com a equipe de enfermagem e com todos os médicos que estejam diretamente ligados aos pacientes.

Já fizemos referências à maneira pela qual as reações dos pacientes tendem a transbordar do consultório para a enfermaria, onde encontram expressão com relação aos outros pacientes e a equipe de enfermagem. Isto significa que enfermeiros e médicos devem achar-se especialmente informados acerca dos pacientes individuais e particularmente, conhecedores da maneira pela qual os pacientes transferem para eles suas atitudes e comportamentos com referência a maridos, esposas, pais e irmãos.

E – Potencial terapêutico 

O psicanalista tem como revelar o potencial terapêutico que existe em todos que têm contato com o paciente. A teoria psicanalítica fornece os conceitos que ajudam a descrever os processos.

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