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Neurociência do comportamento agressivo – parte VI

(continuação)

Controle nervoso da atenção, da excitabilidade e da reatividade emocional

Se é relativamente fácil apreender intuitivamente as diferen­tes dimensões da abertura de um organismo vivo para seu am­biente e de sua reatividade face a ele, é mais difícil dar-Ihes definições claras e unívocas. E isso porque, de um lado, cada uma dessas dimensões é avaliada com o auxílio de testes que amiúde diferem conforme a espécie estudada e conforme o autor que os utiliza, e dos quais não sabemos se medem verda­deiramente a mesma coisa.
Por outro lado, essas dimensões de modo algum independem umas das outras e as complexas interferências que apresentam não facilitam a análise dos meca­nismos cerebrais que as controlam. Dito isso, dados extrema­mente interessantes foram obtidos acerca da natureza e do papel de alguns desses mecanismos, mesmo que ainda não se­ja possível reuni-Ios em uma visão de conjunto cuja coerência seja satisfatória. Não se trata aqui da dimensão mais fundamental e mais geral, a saber, o nível de despertar comportamental ou de "ativação". Essa dimensão afeta tanto a percepção de uma si­tuação quanto a escolha e execução da resposta que ela suscita, e é no quadro do estudo dos processos de elaboração dessa res­posta que será considerada.


(a) Atenção e seleção das informações

Parece desempenhar papel importante a esse respeito as interações entre os neurônios noradrenérgicos do locus cerúleo e o sistema septo-hipocâmpico. Essa conclu­são decorre de três conjuntos de dados convergentes.

Por um lado, déficits comportamentais análogos são observados em seguida a uma lesão do locus cerúleo (ou das fibras do feixe noradrenérgico dorsal que dele partem) e em seguida a uma lesão que afete o septo ou o hipocampo: o animal deixa-se dis­trair facilmente por informações não pertinentes e sua aten­ção deficiente se traduz, em particular, no fato de que ele persevera em comportamentos que se tornaram inadequados. Por outro lado, neurônios "detectores da novidade", ou seja, neurônios cuja atividade é afetada pela característica de novidade de um estí­mulo, foram descritos há décadas no hipocampo e, bem mais recentemente, no locus cerúleo.

Enfim, a ativação dos neurônios noradre­nérgicos do locus cerúleo tem como efeito melhorar a relação sinal/ruído no nível das estruturas que esses neurônios influen­ciam diretamente, mas essa melhora não é observada senão quando a ativação é induzida por sinais carregados de uma sig­nificação particular para o organismo; ora, o hipocampo está amplamente implicado nos processos graças aos quais essa significação se associa com os parâmetros objetivos do sinal.

Uma lesão do locus cerúleo ou do feixe noradrenérgico dorsal – ou ainda uma redução da taxa de noradrenalina ao ní­vel deles – modifica, portanto, a tomada de informações pelo animal, e não sua "agressividade". Nessas condições, não sur­preende que os efeitos de uma lesão similar possam ser muito diferentes, conforme a situação considerada. Assim, observa­-se uma diminuição da probabilidade de desencadeamento da agressão predatória do gato em relação ao camundongo, ao passo que o comportamento do rato "assas­sino", bem como o do "não-assassino", permanecem inalte­rados, e observamos, ao contrário, uma facilitação do desencadeamento da agressão in­terespecífica no rato privado de seus bulbos olfativos, assim como uma facilitação da agressão intra-es­pecífica provocada por choques elétricos dolorosos.

Um outro sistema que parece igualmente desempenhar um papel importante: o que é constituído pelo córtex pré-frontal e pelas fibras dopaminérgicas que se projetam sobre ele a partir do grupo celular A 10, situado na região ventral do tegumento mesencefálico.

A capacidade de fixar a atenção ou, ao contrá­rio, a dispersividade pode ser avaliada, no macaco, pelo mé­todo das "respostas retardadas" (o animal deve "segurar" uma certa informação por um lapso curto de tempo e focalizar sua atenção nessa informação a fim de obter uma recompensa). Ora, o resfriamento local da região dorsolateral do córtex pré­-frontal provoca uma perturbação profunda nas respostas re­tardadas. A "telencefalização" progressiva de numerosas funções durante a evolução dos ma­míferos se traduz no fato de que, para a execução correta das respostas retardadas, o macaco depende, mais do que o gato, da integridade funcional do córtex frontal. Con­tudo, mesmo no rato, uma lesão seletiva dos neurônios dopa­minérgicos A 10 (através da 6-hidroxidopamina), ao nível de seus corpos celulares ou ao nível de suas terminações no córtex frontal, provoca uma nítida dispersividade que torna o animal incapaz de selecionar a informação necessária à execução, por exemplo, de uma tarefa dita de alternância diferenciada.

É difícil precisar – e situar em relação um ao outro – o papel desempenhado, respectivamente, pelas fibras noradrenér­gicas e pelas fibras dopaminérgicas ascendentes, pais a atenção e a dispersividade são avaliadas em situações que diferem de um caso a outro, em particular pela natureza da aprendizagem a que o animal é submetido.

Ora, no que concerne à gênese do "efeito de recampensa" – no qual esses dois sistemas de fibras cateco­laminérgicas estão igualmente implicados -, parece que a im­plicação respectiva de cada um desses sistemas depende, em grande parte, da natureza da tarefa que o animal precisa efe­tuar para desencadear o acionamento de uma estimulação hi­potalâmica lateral com efeitos "apetitivos".

(b) Excitabilidade e reatividade emocional

Ao associar­mos essas duas noções, reagrupamos aqui os aspectos quantita­tivos (um certo nível de excitabilidade) e os aspectos qualitati­vos (natureza da emoção induzida, natureza das conotações afetivas integradas nos processos perceptivos) que caracterizam a sensibilidade e a reatividade do organismo face às incitações provenientes do meio ambiente.

Contudo, antes de passarmos em revista alguns dos me­canismos cerebrais que determinam, em cada indivíduo, as ca­racterísticas de sensibilidade e reatividade que lhe são próprias, é conveniente indagar em que medida e de que modo essas ca­racterísticas individuais repercutem na probabilidade de desen­cadeamento de um comportamento de agressão face a uma dada situação.

Evidenciamos, nesse sentido, a existência de uma estreita correlação entre a intensidade da "reação de sobressalto" pro­vocada por uma estimulação tátil ou auditiva no rato, e a probabilidade de desencadeamento de uma agressão intra-específica em resposta a estimulações nociceptivas.

Existe uma correlação análoga entre a reatividade emocional do rato – quer ela seja avaliada com a ajuda do teste do "cam­po aberto", ou por intermédio de uma "resposta emocional condicionada" ­e a probabilidade da manifestação de um comportamento de agressão diante do camundongo. Além disso, veremos mais adiante, toda hiper-reatividade – especialmente diante de estimulações de natureza aversiva – induzida por qualquer manipulação experimental se traduz em uma facilitação nítida do desencadeamento tanto da agressão intra-específica, provocada pelas estimulações nociceptivas, quanto da agressão interespe­cífica rato-camundongo.

Mas é preciso acrescentar que uma reatividade emocional aumentada tem uma repercussão muito diferente – de fato, exatamente inversa -, conforme o tipo de comportamento de agressão considerado, e mais precisamen­te, conforme esteja subjacente à agressão uma motivação de natureza aversiva ou, ao contrário, de natureza apetitiva.

As­sim é que a lesão do septo ou do hipotálamo ventromedial facilita o desencadeamento de um comportamento de agres­são em resposta a um estímulo ou situação que tenha cará­ter aversivo, ao passo que perturba os comportamentos pelos quais se exprime uma posição de dominância no rato.

Inversamente, a destruição da massa cinzenta central do mesencéfalo – que acarreta um rebaixamento da rea­tividade emocional – reduz nitidamente a probabilidade de de­sencadeamento de uma agressão intra-específica em resposta a estímulos nociceptivos, ao mes­mo tempo, que facilita diversos comportamentos de apetência. No plano neuroquímico, enfim, pode-se assinalar o fato de que a rápida rotatividade (turnover) da serotonina (no tronco cerebral e no telencéfalo) foi encontrada, simultaneamente, em ratos "pouco emotivos" e em ratos muito agressivos, em uma situação de competição pelo alimento, ao passo que uma rotatividade mais lenta foi observada, simultaneamente, em ratos "muito emotivos" e em ratos espontaneamente "assassinos".

A sensibilidade e a reatividade de um organismo face às incitações provenientes do meio são mais ou menos profunda­mente modificadas por uma manipulação experimental que afete, em particular, uma das seguintes estruturas: bulbos olfa­tivos, septo, hipotálamo ventromedial, núcleos da rafe, amíg­dala e hipocampo. É interessante ver como, em cada caso, as modificações assim induzidas repercutem nas interações sociais entre o indivíduo e seu meio.

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