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Sistemas quânticos simples – parte VIII

Os sistemas físicos que apresentaremos como exemplos de aplicação da mecânica quântica contêm partícu­las que se movem no espaço, submetidas, em alguns casos, a forças conhecidas. Convém, então, explicar previamente o que elas significam para nós.

Uma partícula fica caracterizada por uma série de pro­priedades constantes concentradas em um ponto ou região do espaço. Estas propriedades incluem: a massa, ou quan­tidade de matéria, que pode ser considerada, em virtude da famosa fórmula de Einstein, como uma forma de energia; a carga elétrica positiva, negativa ou nula; o tempo de vida média, no caso das partículas instáveis, que decaem espontaneamente, se desintegram e dão nascimento a outras partículas, de maneira tal que a ener­gia inicial, dada pela massa, é igual à energia final de todas as partículas produzidas; e várias outras propriedades que se descobriram no século XX e que não menciona­remos, com exceção do "spin", que trato em se­guida.

A teoria das partículas elementares pretende sistematizar e explicar o valor destas propriedades inter­nas das partículas e das interações entre elas, apli­cando a mecânica quântica relativista, segundo o requeri­do pelos valores de ação e velocidade envolvidos.
O spin das partículas é uma propriedade "interna" como a carga elétrica ou a massa, mas que tem a estranha característica de acoplar-se às propriedades "externas" de rotação. É por isso que, com freqüência, é representado, acudindo a uma imagem "clássica", como uma rotação da partícula sobre si mesma, ao estilo de um pião.

Mas tal representação é incorreta, primeiro, porque não tem muito sentido falar da rotação de um ponto e segundo, porque o Princípio de Incerteza indica que é impossível assinalar com precisão o valor de um ângulo de rotação: fixar o ângulo de rotação com uma incerteza próxima a uma volta implica uma incerteza na velo­cidade de rotação tão grande como a própria velocidade. A rotação de um pião pode ser descrita por um eixo de rotação, em uma orientação dada, e uma velocidade de rotação (200 revoluções por minuto, por exemplo). Ambas as quantidades podem ser representadas conjuntamente por uma flecha (um vetor, em linguagem precisa) na direção do eixo, cuja orientação corresponde à velo­cidade de rotação multiplicada por uma quantidade (mo­mento de inércia) que depende do valor da massa em rotação. A quantidade assim obtida para o pião se cha­ma "impulso angular", que é o impulso canônico asso­ciado à coordenada generalizada que determina a posição angular do pião.

Diferentemente do pião, ao qual se pode fazer girar com maior ou menor velocidade, o spin de uma partícula é uma quantidade constante que não se pode au­mentar nem frear. Por exemplo, os elétrons têm sempre o valor do spin, o impulso angular intrínseco, 1/2 (medido em unidades iguais a ћ). Não podemos mudar o valor do spin do elétron, mas sim sua orienta­ção, isto é, podemos mudar a direção do vetor. Se elegemos uma direção qualquer, arbitrária, e decidi­mos medir o spin do elétron nesta direção, o que medimos é a projeção do vetor spin na direção eleita, e esperamos como resultado algum valor en­tre o máximo, +1/2, e o mínimo, -1/2. Aqui, a natureza nos surpreende com o resultado de que somente chegam a medir-se os valores +1/2 ou -1/2, e nunca apare­ce algum valor intermediário. O impulso angular intrínseco, spin, apesar de ser uma flecha (vetor), se comporta na medição mais como uma moeda que cai cara ou coroa. Muito maior é o espanto quando notamos que não existe nenhuma forma de predizer qual dos valores, +1/2 ou -1/2 resultará na medição.

Para esclarecer esta situação imaginemos uma figura, onde se representa um elétron com seu spin orientado em direção horizontal em seu estado inicial. O estado deste sistema quântico será então fixado pela propriedade Sh = 1/2, sendo Sh o observável corres­pondente à projeção do spin na direção hori­zontal. A este elétron lhe medimos o spin com um apa­relho que detecta a projeção do mesmo na direção vertical, ou seja, o observável Sv. Nossa expectativa clássi­ca sugere que o aparelho indicará que a projeção é nula. Contudo, o resultado obtido indica um dos dois possíveis resultados finais, +1/2 ou -1/2. Nada nos permite predizer em uma medição qual dos dois possíveis resultados se realizará.

Se repetimos o experimento um grande número de vezes, 50% dos resultados dará +1/2, e o 50% restante -1/2. A mecânica quântica per­mite calcular estas porcentagens, que variarão segundo seja a orientação inicial. Por exemplo, se, inicialmente, o elétron estava orientado com seu spin a 45°, a mecânica quântica calcula, e os ex­perimentos o confirmam, que aproximadamente 85% das vezes mediremos +1/2, e o 15% restante -1/2. Pode-se comprovar em forma experimental que, depois de realizada a medição, o elétron per­manecerá com seu spin orientado da mesma forma que indicou o aparelho: vertical para cima, caso se mediu +1/2, e para baixo, caso se mediu -1/2. A medição modificou o estado do elétron. Como conseqüência disto, a medição neste sistema quântico não nos dá muita informação sobre o estado prévio, mas sim nos diz com precisão qual é o estado depois da me­dição.

A medição em um sistema quântico não dá informação sobre uma propriedade preexistente no sistema, por­que não existe uma relação causal e determinista entre o estado inicial e o final. Do que estamos seguros, unicamente, depois de uma medição, é do estado em que ficou o sistema. Este indeterminismo ou impredizibilidade do resultado de um experimento individual é uma das ca­racterísticas essenciais e curiosas da física quântica. Contudo, há um caso no qual o resultado é per­feitamente predizível: quando o spin está orientado em uma direção qualquer, se medimos a projeção nessa mesma direção, obtemos 100% das ve­zes o mesmo resultado esperado, que dando o spin inal­terado depois da medição em contraste com os casos anteriores nos quais a medição altera a orientação do spin.

Revisando: um sistema físico está definido pelos observáveis correspondentes à projeção do spin em qualquer direção: Sv, Sh, S45,… O espectro associado a cada ob­servável, ou seja, o conjunto de valores que cada observável pode tomar em um experimento, é simplesmente +1/2 e -1/2. Portanto, todas as propriedades possíveis são: Sv = 1/2, Sv = -1/2, Sh = 1/2, Sh = -1/2, S45 = 1/2, S45 = -1/2,… Os três casos apresentados co­rrespondem a diferentes estados iniciais do sistema que estão fixados respectivamente pelas propriedades Sh = 1/2, S45 = 1/2 e Sv = 1/2. Em cada um destes estados se pode determinar que propriedades serão POP, PONP ou PP. No primeiro caso, Sh = 1/2 é POP, Sh = – 1/2 é PONP e to­das as outras são PP. Em forma similar, no segundo e ter­ceiro casos, a POP e a PONP estão fixadas pela direção em que está orientado o spin, sendo uma PP o spin em qual­quer outra direção. Vimos que para cada caso, as probabilidades associadas às proprie­dades Sv = 1/2 e Sv = -1/2 podem ser dadas em porcentagens. Com es­tas probabilidades se pode calcular o valor de expectação e a incerteza associada ao observável Sv em cada um dos três estados iniciais. No primeiro será

Na descrição do spin e de sua medição que aca­bamos de ver participaram muitas características essen­ciais da física quântica, pelo que é possível que o leitor se sinta algo atropelado por uma avalanche de conceitos pouco familiares. Estes conceitos aparecerão novamente nos próximos sistemas até adquirir cer­ta familiaridade. É certo, como disse Feynman, que ninguém entende a mecânica quântica; contudo, alguém pode acostumar-se a ela, como acontece com freqüência com as re­lações humanas.
O sistema quântico que analisaremos em continuação já foi mencionado em várias ocasiões. É o corres­pondente a uma partícula que se move livremente em uma dimensão ao longo de uma linha sem nenhuma força que a afete. Os observáveis mais importantes são: a posição, designada por X, e o impulso P, que é igual à velocidade multiplicada pela massa m V. Além destes observáveis, a energia é relevante e se obtém diretamente do impulso através da relação E = mV2 / 2 = p2 /(2m). Os observáveis de posição e impulso estão relacionados pelo principio de incerteza, que in­dica que, em qualquer estado em que se encontre o sis­tema, o produto das incertezas de ambos observáveis não pode ser menor que ћ (∆X . ∆P ≥ ћ). Isto sig­nifica que, em um estado no qual a posição é bem conhecida – ∆X pequeno -, obrigatoriamente o im­pulso será mal conhecido (∆P grande), e vice-versa, um bom conhecimento da velocidade, ou impulso, implica um mau conhecimento da posição.

Nesta descrição verbal do princípio de incerteza temos utilizado a palavra "conhecer", o que po­deria sugerir que o mesmo tem caráter gnoseológico e que a incerteza é um problema nosso, do observador, e não da partícula ou do sistema. Mencionamos anterior­mente que também cabe a interpretação ontológica, onde as incertezas são inerentes ao sistema, pois os observáveis nem sempre têm valores precisos assinalados, mas valores difusos em certos estados do sistema. Não existe nenhum critério experimental para discernir entre estas duas interpretações, o que torna a proposta estéril, ou "sem sentido" na opinião de um positivista. (Sem pretender forçar, pelo momento, nenhuma tomada de posição, prendemo-nos à interpretação ontológi­ca, ainda que pareça como a mais contrária à intuição clássica. Mas temos aprendido a duvidar da intuição).

Depois desta longa salvaguarda suponha­mos o sistema preparado em um estado correspondente a uma excelente localização da partícula: ∆X igual ou muito próximo de zero. Nesta condição estamos ressaltan­do a propriedade de localidade característica dos cor­pos clássicos, pelo que recebe o nome de estado "cor­puscular" da partícula. Neste estado não teremos uma boa definição do impulso e também da ener­gia. A energia é o observável que controla a evolução temporal dos sistemas, e todo estado que não tenha de­finida a energia com exatidão será modificado na evolução temporal. Como conseqüência, a boa locali­zação do estado inicial se perderá com o transcurso do tempo. No outro extremo, supondo uma preparação do sistema em um estado com excelente definição do impulso, portanto, também da energia, o estado pouco mudará (ou nada, se ∆P = 0), conservando a pro­priedade de ter uma velocidade, ou impulso fixo. Mas neste estado do sistema, quase nada podemos dizer de sua posição, já que ∆X deve ser muito grande (ou infinita, se ∆P = 0). Não é fácil imaginar uma partícula com velocidade bem definida, mas sem posição definida. Contudo, conhecemos sistemas clássicos com estas características: as ondas. As ondas sobre a superfície da água viajam com uma velocidade definida, mas não estão localizadas. Uma onda em particular terá posição definida, mas o fenômeno ondulatório está composto por todas as ondas, conjunto sem localização precisa. O sistema quântico neste estado exibe características ondulatórias que podem manifestar-se em numerosos experimentos de difração. Estes experimentos, evidentemente, não podem realizar-se no sistema que estamos tratando, mas que se realizam em sistemas mais próximos à realidade.

Em pri­meiro lugar devemos considerar partículas em três dimen­sões e não em uma, como temos feito, já que o es­paço físico onde se encontram os laboratórios é de três dimensões. Em um experimento de difração se deve fazer passar a onda por uma ou várias pequenas fendas e observar as interferências que se formam. Para que estas interferências se formem é necessário que a largura e a separação entre as fendas estejam em uma relação com o comprimento de onda. Se este for muito pequeno, também as fendas deverão ser pequenas, tão pequenas que não há forma de construí-las com os materiais disponíveis. Felizmente, a natureza nos brinda algo parecido às fendas: são os átomos dispostos em forma regular em certos sólidos formando redes cristalinas. Ao passar uma partícula, no estado caracterizado por um valor muito preciso de seu im­pulso, entre os átomos de um cristal, a mesma será di­fratada.

A efetiva realização deste tipo de expe­rimento tem confirmado a predição da teoria. Os dois estados extremos que temos considerado para uma partícula em uma dimensão correspondem a comporta­mentos distintos do sistema: um corpuscular e o outro ondulatório. O princípio de incerteza indica que ambos os comportamentos se excluem mutuamente, porque co­rrespondem a estados distintos do sistema que se obtêm de ∆X ou ∆P muito pequenos, não podendo ser ambos pequenos simultaneamente. Comportamentos muito dis­tintos de um mesmo sistema em estados diferentes caracte­rizam a "dualidade partícula-onda da maté­ria". Apesar de que os conceitos clássicos de corpúsculo e de onda sejam opostos, correspondem a dois possíveis comportamentos do mesmo sistema quântico, e o prin­cipio de incerteza garante que estes comporta­mentos contraditórios não se misturam nem aparecem si­multaneamente.

O que tem de "quântica" a mecânica quântica?

No artigo anterior, quando se apresentaram as característi­cas essenciais desta teoria não surgiu nada sobre quan­tidades discretas ou "quanta" (plural de quantum). Diz-se, que as proprieda­des têm associadas probabilidades (cuja natureza ainda não se compreende), e que entre os observáveis existe cer­ta dependência que se manifesta em restrições para o valor das incertezas associadas, representadas no formalismo pelo produto de incertezas, que não po­de ser menor que certa quantidade.
Onde está então o quântico?

Quando o sistema físico tem certa complexidade, é impossível satisfazer todas as condições que relacionem aos observáveis se os mesmos podem tomar qualquer valor numérico. Somente para certos valores discretos é possível satisfazer todas as relações entre os observáveis. Estes valores discretos não aparecem na física clássica, porque, como já se disse, os observáveis clás­sicos têm maior grau de independência entre si que os quânticos. É fácil entender que exigir certas relações entre variáveis traz como conseqüência que estas só podem tomar valores discretos em vez de tomar qual­quer valor contínuo, como acontece na ausência da res­trição.

Por exemplo, considerando exclusivamente as técnicas reprodutivas de duas espécies, o número de in­divíduos destas crescerá sem limite. Mas caso se imponha uma condição de competência entre elas por um mesmo território, só um valor para o número de indivíduos de cada espécie é compatível com todas as condições. Um homem pode ter qualquer idade, mas somente para certas idades, aquela é divisível pela idade de seu filho. Um caso mais próximo à física o apresenta a inten­sidade com que vibrará uma caixa de ressonância (de um violão, por exemplo) ante a excitação de um som, cuja freqüência (tom) varia em forma contínua. A caixa entrará em ressonância com certos valores precisos de fre­qüência. Somente a essas freqüências, as ondas de som dentro da caixa interferem positivamente, somando-­se, em vez de anulando-se. Algo similar sucede em certos sistemas quânticos, onde só se algumas quantidades to­mam valores discretos, quantificados, é possível satisfazer todas as relações de dependência entre os observáveis.

Temos encontrado um exemplo disto, quando vimos que o spin de um elétron toma o valor +1/2 ou -1/2 e nenhum outro valor intermediário, qualquer que seja a di­reção em que o fixamos. O formalismo da mecâni­ca quântica mostra que a quantificação do spin surge como conseqüência das relações entre diferentes com­ponentes do mesmo, ou seja, entre diferentes projeções do vetor que o representa. Não estão dadas aqui aquelas condições para demonstrar dita quantificação ri­gorosamente, ainda que, para o leitor psi, seja aceitável que as relações de dependência entre os observáveis bem podem ser as que as geram.

No sistema quântico que apresentamos a seguir, chamado "oscilador harmônico", se apresenta o fenô­meno da quantificação, resultando que a energia do mesmo só pode tomar certos valores discretos. Suponhamos uma partícula que se move em uma dimensão, com observáveis de posição e impulso X e P, respectiva­mente. Suponhamos, ainda, que dita partícula está sub­metida a uma força que tende a mantê-la na posição X = 0. Se a partícula se desloca para a direita, a força atuará para a esquerda com uma intensidade pro­porcional à distância que esta tenha percorrido. Se, pelo contrário, a partícula se descolou para a esquer­da, a força será para a direita. Este tipo de força se pode realizar facilmente, em um sistema clássico, ligando a partícula com uma mola.

Está claro que a partícula oscilará ao redor da posição X = 0 com uma energia cinética proporcional a p2 e uma energia potencial (devida à força da mola) pro­porcional a X2, com energia total H =  X2  + p2 (ignoramos o valor das constantes de proporcionali­dade, considerando-as iguais a 1). Os observáveis deste sistema quântico são {X, P, H…}. Considerado como um sistema clássico, é possível que a partícula esteja em re­pouso absoluto, ou seja, com velocidade (impulso) igual a zero­ na posição de repouso. Neste estado, caracteriza­do pelas propriedades X = 0 e P = 0, a energia total tam­bém se anula. Contudo, sabe-se que um estado tal é impossível no sistema quântico, porque o princípio de incerteza ∆X, ∆P ≥ ћ nos proíbe fixar com exatidão o valor da posição X = 0 e do impulso, P = 0. Por esta razão, o valor mínimo de energia do oscilador não po­de ser zero. Se ∆X não é igual a zero, a partícula terá certo valor de energia potencial, e se ∆P não se anula, terá certa energia cinética e a soma de ambas não poderá ser menor que ћ/2. A impossibilidade de que a partícula permaneça em total repouso na origem com zero de ener­gia contradiz o comportamento esperado do oscila­dor clássico.

Assim, como as relaciones entre X, P e H impedem que a energia tome valores abaixo de ћ/2 também se po­de demonstrar que não é possível qualquer valor acima deste. A energia só pode ser incrementada em quantidades iguais a ћ. A energia do oscilador harmôni­co quântico está então quantificada, sendo somente possíveis os valores ћ 1/2, ћ (1 + 1/2), ћ (2 + 1/2), ћ (3 + 1/2)…, em contraposição com o oscilador harmônico clás­sico, onde todo valor de energia é possível.

Em a natureza se apresentam sistemas quânticos simila­res ao oscilador harmônico que temos estudado. Um exem­plo é dado por certas moléculas formadas por dois átomos separados por uma distância, como se estivessem ligadas por uma mola. Os átomos podem vibrar aproximando-se e distanciando-se com valores de energia de acordo aos calcula­dos para o oscilador harmônico. Não é possível aumentar o valor de energia destas moléculas em qualquer quan­tidade, mas somente nas quantidades correspondentes a transições entre os valores discretos de energia do oscilador harmônico.

O sistema quântico que descrevemos em continuação tem grande importância porque é um modelo para o mais simples dos átomos, o de hidrogênio. Conside­remos uma partícula com carga elétrica positiva que se encontra fixa em um ponto do espaço de três dimensões. A partícula corresponde ao núcleo do átomo. Ao redor deste, pode mover-se uma partícula com carga negativa, o elétron. Devido às cargas elétricas, o elétron será atraído pelo núcleo com uma força pro­porcional ao inverso da distância ao quadrado. Esta força, chamada "força de Coulomb", ou "força fraca", implica que, quan­do o elétron se encontra a uma distância R do núcleo, tem uma energia potencial proporcional a 1/R2. E mais, pelo fato de estar se movendo com impulso P, tem uma energia cinética proporcional a p2 , sendo então a energia total H = 1/R2p2  (novamente tomamos as constantes de proporcionalidade iguais a 1). Suponhamos agora o sistema quântico em um estado caracteri­zado por um valor fixo de energia E, ou seja, dado pela propriedade H = E, sendo ∆H = 0. De modo similar ao que sucede com o oscilador harmônico, só é possível conciliar as relações entre R, P e H com valores discre­tos de energia. A energia do átomo de hidrogênio está quantificada. É impossível fazê-la variar em forma contí­nua, só pode saltar entre os valores permitidos.

Su­ponhamos um átomo de hidrogênio em um estado com energia E2 que "salta" a outro estado de menor energia E1. Devido à conservação de energia, o salto deve irradiar, ou descarregar, a diferença de energia E2 – E1, que escapará em forma de um fóton (luz).

Consideremos agora não um átomo só, mas um gás com milhões de átomos de hidrogênio a alta tem­peratura, todos chocando-se entre si, fortemente agitados, absorvendo fótons e emitindo fótons cada vez que fazem uma transição entre diferentes estados de energia. Este gás a alta temperatura emitirá e absorverá luz de energia correspondente às possíveis transições entre os níveis de energia dos átomos.

Se bem que antes do ad­vento da mecânica quântica já se conhecessem expe­rimentalmente, e com grande precisão, os valores da energia da luz emitida e absorvida neste gás, estas quantidades discretas de energia não podiam explicar-se com a física clássica do século XIX. Um dos grandes triun­fos do formalismo da mecânica quântica foi poder ex­plicar com grande precisão os dados experimentais. Mas não só teve êxito na descrição do átomo de hidro­gênio, também pôde calcular os níveis de energia de outros átomos com grande número de elétrons. Estes cálcu­los se tornam cada vez mais complicados re­querendo, em alguns casos, a utilização de computado­res para obter resultados numéricos que se confirmem experimentalmente.

O êxito da mecânica quântica na descrição do átomo se estendeu em duas direções: por um lado, se pôde calcular satisfatoriamente o comportamento de grupos reduzidos de átomos formando moléculas e, mais ainda de um número enorme de átomos dispostos regu­larmente formando cristais. Nesta direção, a mecâ­nica quântica permitiu o estudo de sistemas de muitos átomos dispostos em forma irregular integrando sólidos amorfos e gases. Através da mecânica quântica, a quí­mica, a física do sólido e a mecânica estatística pô­de entender e explicar fenômenos tão variados como as afinidades químicas entre diferentes elementos, a con­dutividade elétrica e térmica dos materiais, o mag­netismo, a supercondutividade, as cores dos materiais, e tantos outros fenômenos que não podem encontrar explicação no contexto da física clássica. Na outra direção, para o micro, a mecânica quântica foi necessária para entender a estrutura do núcleo dos átomos, que não é simplesmente uma partícula pesada com carga, mas que tem estrutura interna e está composta por outras partículas chamadas prótons e nêutrons, liga­das por "forças fortes", muito mais fortes que as forças de Coulomb ("forças fracas") que ligam ao átomo. O estudo teórico e experimental destas forças levou à descoberta de um grande número de novas partículas, cujos compor­tamentos requerem a aplicação, novamente exitosa, da mecânica quântica. Mas a historia não termina aqui. Tampouco estas partículas são elementares, mas, por sua vez, têm uma estrutura interna e estão formadas por outras partículas, os quarks, que também devem ser estu­dadas com a mecânica quântica. Esta maravilhosa teoria se encontra na base da física nuclear e da física de partículas elementares. Podemos nos orgulhar dela, pois seu formalismo triunfou nas mais diversas aplicações. Contudo, este brilho será diminuído quan­do vemos que seu formalismo não tem uma interpretação clara, sem ambigüidades, universalmente aceita pela comunidade dos físicos. Novamente: es­tamos realizando algo bem, mas ninguém sabe o que é.

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