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Felicidade: paz ou excitação

Quando pensamos no nível de agitação de uma vida, pode-se dizer que são basicamente dois os tipos de felicidade concebíveis: uma como fruto de agitação e outra devido à paz. Um ideal deseja fortes emoções (excitação) e o outro, mais “bucólico”, calcado na idéia de paz, deseja tranqüilidade. A idéia do que é ser feliz varia entre esses dois pólos.

Há quem conceba e deseje para si a agitação (excitação), e veja somente aí o possível caminho para a sua bem-aventurança. Aliás, esta parece ser atualmente a concepção dominante de felicidade. Por outro lado, existem também aqueles que pensam o contrário, e vêem na idéia de paz um caminho.

A idéia de que intensas emoções devem necessariamente acompanhar a felicidade é tão forte para algumas pessoas que elas simplesmente não são capazes de conceber a possibilidade de serem felizes com sutilezas ou na simplicidade. Em sua concepção, a felicidade deve sempre vir acompanhada de muito tempero, de muita pimenta. Ser feliz, nesta visão, é viver grandes emoções e grandes conquistas. É, de certo modo, incessantemente esperar ou lutar para que algo decisivo ocorra.

Para Bertrand Russell, o ideal de uma vida completamente livre de tédio, rotina ou mesmice, é nobre, porém, impossível. E acrescenta: “as manhãs são tanto mais aborrecidas quanto a noite anterior foi mais divertida”, pois “um pouco de aborrecimento talvez seja até indispensável à vida” (1930-2001, p. 58-59). Para Russell a mesmice, o tédio, a rotina (o que ele chama de aborrecimento) são a regra.

Apesar de Russell fornecer inúmeros exemplos a favor de sua tese, a de que o tédio é a regra, podemos prescindir destes e partir da linha de raciocínio exposta em suas últimas palavras, no parágrafo acima.

A agitação é muitas vezes desejável, sem dúvida. Ela, porém, impõe expectativas e exigências com as quais geralmente não sabemos lidar. A idéia de que a vida deva ser repleta de agitação a torna mais penosa do que a aceitação de sua ausência. Vejamos, por exemplo, o caso da rotina. Há quem diga que detesta rotina. Esta fala é tão comum quanto tola. Rotina é algo inevitável e vital. Qualquer aprimoramento ou tranqüilidade a exige. Experimente abandonar horários para toda e qualquer atividade. Tente aprender qualquer coisa nova sem repetição. Nosso aprendizado e nossos ciclos vitais exigem rotinas. Nossa mente, para não ter de sempre pensar no que vai fazer, exige rotina. A rotina é o descanso que precisamos para podermos pelo menos pensar na vida de vez em quando.

Imagine ter de pensar em tudo, sempre, todos os dias? Levantar-se e ter de procurar sua escova de dentes onde ela nunca esteve. Ter de escolher entre várias marcas de sabonetes para o banho, pois a cada dia você utiliza uma diferente. E isso depois de ter se levantado em um horário completamente novo, com o qual você não estava acostumado. Em uma outra cama, em outro clima, em outras regras de convivência. Enfim, nunca ter uma pausa para esquecer-se ou esquecer do que se deve ou não fazer. Ou seja, um mundo bloqueado para a divagação, o devaneio.

Obviamente é mais belo dizer que se detesta a rotina. Em um mundo marcado pela movimentação constante, pela velocidade, é muito mais fácil e claro seguir o fluxo das mudanças incessantes e acreditar que assim, sempre, deva ser a vida. Excitação, agitação, luzes, cores, festas, companhias, pessoas, sexo e prazeres intensos são produtos mais vendáveis do que silêncio, escuridão, estar sozinho, quietude, sutilezas e prazeres íntimos.

Vivemos em uma sociedade dos prazeres bradados aos sete ventos. Vivenciar prazeres estratosféricos, ou assim parecer, e ostentá-los, faz parte de um jogo de comparações infinitas. A única felicidade a vigorar nesta realidade é a felicidade relativa. Ou seja, sou feliz em comparação com a felicidade do outro, com o sucesso do outro. Porque ser feliz, neste sentido, é ter sucesso. É mostrar que é feliz. Mostrar que se tem mais do que o outro. E assim as coisas simples da vida são simplesmente esquecidas, abandonadas.

Vivemos em uma sociedade que tem verdadeiro repúdio pela simplicidade, pela conquista íntima e secreta da felicidade.

E a experiência da agitação é tanto mais perigosa quanto menos esforços ela requer. E este é o perigo, por exemplo, do uso de drogas estimulantes:

“A passividade física durante a excitação é contrária ao instinto. (…) projetos construtivos não se formam facilmente na mente de quem leva uma vida de distrações e dissipações, pois neste caso os seus pensamentos serão sempre orientados para os prazeres imediatos mais do que para realizações distantes.” (Russell, p. 62-63).

Vejamos, por exemplo, o hábito de estudar. É necessário paciência, saber lidar, muitas vezes, com um nível de agitação baixo. Pois, quando estudamos, parece que não estamos realizando nada. Há aparente monotonia, recolhimento e solidão, na leitura e no estudo. É necessário paciência, esforço, uma espécie de ação silenciosa, a qual supera as aparências do que seja a excitação e como esta pode naturalmente ser obtida. Estudar, em certa medida, é um ato meditativo, de mergulho, calcado em atenção e esforços de introspecção.

Russell encerra suas reflexões sobre o “aborrecimento e a agitação” da seguinte maneira: “Uma vida feliz deve ser, em grande parte, uma vida tranqüila, pois só numa atmosfera calma pode existir o verdadeiro prazer”. (p. 65)

O próprio ato da reflexão, por exemplo, exige tranqüilidade. Paixão, excitação ou agitação não combinam com reflexão. Refletir é, em boa medida, degustar.

Se entendermos que o prazer deve brotar também de uma relação com o tempo. O recolhimento, a espera virtuosa (a paciência) e a capacidade de deixar que o tempo passe são formas sadias de habitar o presente. O prazer emerge de uma certa relação entre contrastes. Aprender a suportar uma certa quota de tédio é aprender tolerar limites. A produção do prazer também depende do acúmulo de tensões, as quais constituem o contraste necessário para que ele emerja, inclusive, com mais intensidade.

O acesso irrestrito ao prazer, se fosse possível, talvez levasse à morte do sujeito que o experimenta. São conhecidos alguns experimentos em que o animal pode obter acesso irrestrito a uma estimulação direta em seus centros de prazer no cérebro. Os resultados são os de animais que deixam de fazer tudo o mais que é vital e gerador de prazer (comer e copular, por exemplo), para somente agir em função da obtenção desta estimulação.

Por outro lado, há também experimentos que demonstram a importância de fontes alternativas de prazer. Quando o fornecimento de determinada droga (no caso, geralmente, a heroína) é irrestrito e desacompanhado de fontes alternativas de prazer, de um ambiente rico em outras estimulações, o animal se mostra mais propenso à drogadição.

Isto nos diz, de algum modo, que a excitação irrestrita é esgotante e contrária à própria sobrevivência do indivíduo. Neste sentido, é possível então dizer que o prazer irrestrito e sem esforço mata.

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