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Holofotes ligados sobre o caso Isabella Nardoni

Todos os dias, cerca de duas crianças são assassinadas no Brasil por seus pais ou parentes, segundo dados do Ministério da Saúde. Outras tantas sofrem espancamento, abandono e abuso sexual. Mas por que só o caso da menina Isabella chama atenção?


Todos os dias, cerca de duas crianças são assassinadas no Brasil por seus pais ou parentes, segundo dados do Ministério da Saúde. Outras tantas sofrem espancamento, abandono e abuso sexual. Mas por que só o caso da menina Isabella chama atenção?

No último dia 29 de março, Isabella Nardoni, 5 anos, foi encontrada ferida no jardim do prédio onde mora seu pai Alexandre Nardoni, 29 anos, na zona norte de São Paulo. A possibilidade de o pai e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, 24 anos, serem suspeitos, os indícios de sangue no apartamento, e as marcas de estrangulamento no corpo da menina, fazem do crime um caso intrigante e comovente, além de ser um prato cheio para a mídia.

A sociedade tem acompanhado de perto todo o desenrolar da história, se colocando como se fosse parte da família da mãe, Ana Carolina Cunha de Oliveira, 23 anos, ou como se conhecesse a pequena Isabella. Isso se reflete em atitudes e comentários: pessoas prejulgando, querendo linchar ou até mesmo matar aqueles que podem ser os culpados. O psicanalista Davy Bogomoletz, 64 anos, acredita que há na população um desejo evidente de ver alguém desse tipo pagar pelo que fez. "É a chamada ‘vingança por procuração': o Estado se encarrega dela, e ficam todos contentes pelo culpado ter tido o fim que merecia", explica ele.

As notícias freqüentes que aparecem no rádio, na televisão e nos jornais, dão margem ao que se chama de "sociedade do espetáculo", ou seja, uma exposição exagerada tanto da questão familiar e emocional quanto das investigações. Segundo a psicóloga e professora de Psicologia Médica, Aldaysa Marmo, 37 anos, "casos ‘familiares' mantêm a atenção pública; a mídia sabe que manterá o público envolvido". Cabe então ao consumidor desses veículos selecionar aquilo que é bom ou não para ser visto e aprofundado.

A professora compara a atuação da mídia com um ‘reality show', já que "é possível se manter quase o dia inteiro informado nas novidades das investigações", porém, claro, com um certo teor de manipulação e sensacionalismo. A audiência dos telejornais cresceu 46% com o caso Isabella, e não pára por aí. Segundo dados do jornal Folha de S. Paulo, o investimento das grandes emissoras para cobrir o caso e conseguir furos de reportagem é alto. A Rede Globo colocou na rua 18 repórteres, 8 produtores e 20 cinegrafistas; na Record, foram 30 repórteres e produtores e 20 cinegrafistas; já o SBT conta com 4 repórteres e 7 cinegrafistas (parece pouco, no entanto, em São Paulo, o SBT tem apenas 9 repórteres). A imprensa, ao invés de se manter imparcial e neutra, e apenas informar, age de forma oposta a isso, estimulando e de certa forma alimentando o desejo da população por justiça. Entretanto, essa "justiça" é temporária.

Enquanto é pauta de noticiários, a violência infantil é relatada com intensa preocupação, tanto da população civil quanto das autoridades. Porém, a partir do momento em que o assunto é "resolvido", ele passa também a ser esquecido. E é aí que está a falha. As estatísticas, e não só elas, revelam que o número de casos de violência doméstica com crianças é maior do que se imagina. Uma pesquisa realizada por professores do Departamento de Psicologia da USP de Ribeirão Preto descobriu que o número de casos de violência infantil é maior do que os divulgados pelos órgãos oficiais. Só em Ribeirão Preto, 5,7% das crianças de zero a dez anos sofrem maus tratos. Isso acontece porque as crianças, ao sofrerem algum tipo de repressão, não entendem que estão sendo abusadas e, por isso, não denunciam aqueles que as fazem mal.

Outro fatores que podem estar relacionados a essa cobertura excessiva da mídia no caso da Isabella são aspectos como cor, raça, idade e posição social. Inúmeros casos de violência contra crianças acontecem diariamente, mas não são tão conhecidos pelo público. Bogomoletz acredita que "o interesse da mídia é menor [nesses casos menos conhecidos] porque criminosos anônimos não dão tanta margem a esticar o assunto" e assim, o interesse do público conseqüentemente vai ser menor.

A psicóloga e professora da PUC-SP, Ana Bahia Bock, em entrevista à Tv Terra, explica essa atenção exacerbada por outro caminho. Segundo ela, a classe média é protegida pela mídia e sofre a "publicização" de seus atos. Assim, quando um caso desse vem a público, ele tende a ser escandalizado, principalmente porque ele não é um hábito entre tal classe. Além disso, ela explica também que a vida difícil, de miséria e dificuldades das famílias de classe mais baixa, cria o "recurso de compreensão", este que nos leva a compreender fatos desesperados dessas pessoas. No entanto, "quando acontece alguma coisa que não entra nesse ‘recurso de compreensão', que a família não passa por dificuldades, e não há a possibilidade de compreensão, isso nos abala muito", diz ela. Portanto, o que não tem uma explicação clara, tem mais repercussão na mídia.

Não adianta ser radical e só culpar a imprensa. Ela está fazendo o seu trabalho, ‘vendendo o seu peixe', e cabe ao público escolher o que vale ou não a pena acompanhar e dar créditos. Porém, a grande lacuna da mídia está em não delatar a falha do Estado e das autoridades em relação à falta de cuidado e preocupação com os outros casos de violência, problema crônico e muito mal resolvido no país.

Por Carla Destro para RedePsi

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