RedePsi - Psicologia

Artigos

Neurociência do comportamento agressivo – parte VII

Manipulação experimental de determinadas estruturas

Bulbos olfativos

Nas espécies macrosmáticas, como o camundongo ou o rato, os bulbos olfativos desempenham um papel muito importante, não só por serem necessários ao trata­mento dos sinais olfativos cuja percepção é essencial para o de­senrolar normal das interações sociais, mas também em razão da influência "tônica" que exercem sobre a reatividade do or­ganismo.

O comportamento do rato bulbectomizado se carac­teriza por uma "irritabilidade" aumentada e se observa fre­qüentemente o aparecimento do comportamento de agressão interespecífica em animais previamente "não-assassinos". Cabe acrescentar, contudo, que a probabilidade de aparecimento desse comportamento em seguida à ablação dos bulbos olfati­vos depende amplamente das condições do ambiente pós-ope­ratório.

Essa probabilidade é alta quando o rato bulbectomi­zado é mantido em isolamento em seguida à intervenção; é muito mais fraca quando os ratos operados são agrupados e, desse modo, ficam expostos às interações com seus congêneres (de início, essas interações têm um caráter particularmente agressivo, antes que os animais se acalmem progressivamente). As interações intra-específicas pós-operatórias, portanto, têm um efeito preventivo sobre o aparecimento do comportamento de agressão interespecífica em relação ao camundongo (em seguida a um reforço negativo que afete, de maneira geral, a utilização dos componentes agressivos do repertório com­portamental).

Constatou-se que a ablação dos bulbos olfativos acarretava uma eliminação nitidamente aumentada de catecolaminas urinárias, contrastando com as taxas baixas eliminadas pelos ratos espontaneamente "assassinos". Além disso, a bulbectomia provoca um aumento do peso das glândulas suprarrenais, ao mesmo tempo, que um aumento da atividade tirosina-hidroxilásica implicada na biossíntese das catecolaminas. No gato, observou-se uma triplicação dessa atividade enzimática nas suprarrenais sob o efeito de estimulações hipo­talâmicas repetidas, desencadeando comportamentos de ata­que, ao passo que estimulações simplesmente despertadoras não provocaram uma modificação similar.

No que concerne aos mecanismos que controlam o de­sencadeamento do comportamento de agressão interespecífico do rato, os neuroquímicos evidenciaram a existência de interações complexas entre os bulbos olfativos, as fibras serotoninérgicas ascendentes provenientes dos núcleos da rafe e a amígdala. Toda potencialização das transmissões GABAérgi­cas no seio dos bulbos olfativos (pela administração de GABA ou de um agonista desse neurotransmissor, ou pela inibição da enzima que o degrada, a GABA-transaminase), tem como efeito bloquear o comportamento de agressão do rato "assassino". Um bloqueio similar é observado em seguida à administração de 5-hidroxitriptofano (precursor da serotonina) ou de um inibidor das MAO (monoamina-oxidases), que aumenta as taxas da serotonina disponível.

Ora, ao que parece, a elevação da taxa de GABA nos bulbos olfativos (provocada pela administração de dipropilacetato, análogo do GABA e inibi­dor competitivo da GABA-transaminase) é acompanhada por um turnover (rotatividade) aumentado da serotonina no hipotálamo lateral e na amígdala. Além disso, os dois proces­sos neuroquímicos que conduzem, tanto um como o outro, a um bloqueio da agressão interespecífica (a saber, a poten­cialização das transmissões GABAérgicas e a maior disponi­bilidade de serotonina) têm outro efeito comum: o de deprimir nitidamente a atividade colino-acetiltransferásica (necessária para a biossíntese da acetilcolina) na amígdala; e esse bloqueio da agressão interespecífica por potencialização das transmis­sões GABAérgicas pode ser transitoriamente suspenso pela administração de fisostigmina (inibidor da colinesterase, ou seja, da enzima de degradação da acetilcolina).

Inversamente, constata-se que a atividade colino-acetiltransferásica é aumen­tada na amígdala todas as vezes que se facilita o desencadea­mento do comportamento de agressão interespecífica por abla­ção dos bulbos olfativos ou por destruição dos núcleos da rafe (onde se localizam os corpos celulares das fibras serotoninérgi­cas ascendentes), ou ainda pela administração de paraclorofe­nilalanina (inibidor da biossíntese da serotonina).

Esses poucos dados experimentais mostram claramente que a complexidade das interações de ordem neuroquímica se assemelha à que foi previamente sublinhada no tocante às interações entre o trata­mento das informações de natureza olfativa enquanto tais, o nível de reatividade do organismo e os traços deixados por sua vivência individual.

Septo

Em todas as espécies que foram estudadas a esse respeito (inclusive a espécie humana), a destruição do septo provoca o aparecimento – em geral, transitório – de todos os sinais de uma hiper-reatividade acentuada.

No rato, essa hiper­reatividade é acompanhada por uma clara facilitação do desen­cadeamento tanto da agressão intra-específica – seja ela espon­tânea ou induzida por choques elétricos dolorosos – quanto da agressão interespecífica em relação ao camundongo. Há ampla razão para se crer que esse aumento da probabilidade de desenca­deamento de um comportamento de agressão se deva a uma sensibilidade e a uma reatividade exacerbadas face aos estímu­los e situações que tenham caráter aversivo.

De fato, a proba­bilidade da agressão decresce à medida que se atenua a hiper­reatividade provocada pela lesão septal. Quando essa lesão é praticada em idade precoce (aos 7 dias, por exemplo), induz uma hipe­ratividade duradoura, e constata-se então que subsiste, vários meses após a intervenção, uma probabilidade elevada de que a intrusão de um camundongo desencadeie uma reação de agres­são por parte do rato. Por outro lado, os choques elétricos dolorosos são passíveis de desenca­dear uma agressão interespecífica no rato portador de lesão septal, ao passo que não têm esse mesmo efeito no rato intacto. No que concerne às interações intra-específicas no rato, as observações demonstram perfeitamente que a destruição do septo induz uma atitude defensiva mais acentuada (hyperdefensiveness) diante dos sinais de ameaça emanados dos congêneres, mais do que uma "agressividade" aumentada.

Cabe também sublinhar que o comportamento de um animal portador de lesão septal depende, em grande me­dida, da significação que ele atribui à situação, com referência a sua vivência individual. A destruição do septo de modo algum provocou o aparecimento do comportamento de agressão interespecífico no rato que pudera familiarizar-se com a presença de um camundongo em sua gaiola.

No tocante às interações intra-específicas, demonstrou-se que as repercussões da lesão septal eram muito diferentes, conforme a experiência pré-ope­ratória do rato fosse a de um animal dominante ou, ao contrá­rio, a de um animal dominado. Além disso, já se havia observado que a intervenção acarretava um aumento da freqüência tanto das reações de fuga quanto das reações de agressão, sendo a direção das respostas comportamentais basi­camente determinadas pela experiência social pré-operatória.

É evidente que a maneira como o septo interfere nos processos de moderação da reatividade emocional, em um dado momento da ontogênese, depende das características funcio­nais que lhe são próprias nesse momento. Essas características, sem dúvida, são determinadas pelo genoma; mas dependem também da experiência vivida, ou seja, das próprias interações sociais. Assim, as situações sociais conflituosas repercutem na atividade tirosina-hidroxilásica ao nível do septo, e essa re­percussão é mais ou menos acentuada conforme o animal já tenha – ou ainda não tenha – aprendido a fazer face à situa­ção. Em outras palavras, o septo é par­te integrante de um sistema que, tal como o cérebro em seu conjunto, é simultaneamente dinâmico e aberto.

Hipotálamo ventromedial

As estruturas periventricula­res do diencéfalo e do mesencéfalo – o hipotálamo ventro­medial e a massa cinzenta central – desempenham um papel importante no tratamento das informações de natureza noci­ceptiva ou aversiva e na elaboração da resposta comportamen­tal (ataque, fuga ou atitude congelada) que suscitam. A lesão do hipotálamo ventromedial aumenta a sensibilidade diante dos estímulos dolorosos, ao mesmo tempo, que acentua, de maneira mais geral, a reativida­de diante de numerosos estímulos sensoriais.

Ora, desde as primeiras experiências realizadas com gatos, inúmeros trabalhos demonstraram que, nes­sa espécie, a probabilidade de desencadeamento de um com­portamento de agressão era nitidamente aumentada em seguida a uma lesão hipotalâmica medial. Igualmente no rato, foi amplamente demonstrado que tal lesão facilitava nitidamente o desencadeamento de uma agressão auto-especí­fica nos machos – fosse ela espontânea ou induzida por choques elétricos dolorosos -, assim como o de uma agressão interes­pecífica diante do camundongo. Quanto a este último comportamento, o efeito facilitador da lesão hipo­talâmica ventromedial é particularmente acentuado nos ratos que sofreram previamente uma ablação dos bulbos olfativos.

Quando se raciocina em termos de "centro" ou de "substrato nervoso" do comportamento de agressão, é parado­xal constatar que uma estimulação elétrica do hipotálamo mé­dio – região cuja destruição facilita o desencadeamento da agressão – é igualmente passível de desencadear um comporta­mento de agressão tanto no gato, quanto no rato. Na realidade, tal esti­mulação induz efeitos aversivos que incitam o animal a aprender um comportamento – por exemplo, pressionar uma alavanca – que lhe permita pôr fim a eles. E é interessante constatar que, se a estimulação hipotalâmica mediana é bastante pas­sível de desencadear uma agressão de natureza "afetiva" e defensiva, essa mesma estimulação tem por efeito inibir uma agressão espontânea, desde que esteja subjacente a esta última uma motivação de natureza apetitiva, no gato e no rato. E isso porque, desse modo, cria-se experimental­mente um verdadeiro "conflito de motivações", que se traduz em uma inibição comportamental.

Núcleos da rafe

As fibras serotoninérgicas ascendentes que saem dos núcleos da rafe projetam-se em um conjunto de es­truturas (amígdala, sistema septo-hipocâmpico e passagem do hipotálamo lateral e medial), que desempenham um papel essencial na associação de certo significado aos dados obje­tivos da informação sensorial, e na gênese da reação emocional que dela resulta.

De modo muito geral, a entrada dessas fibras em ação tem como efeito atenuar a sensibilidade do organismo diante das estimulações provenientes do meio ambiente, e em especial diante daquelas que são passíveis de dar origem a uma experiência afetiva de natureza aversiva. Inversamente, a des­truição dos núcleos da rafe – ou, de maneira mais geral, a depleção da serotonina cerebral – provoca uma hiper-reati­vidade acentuada. Ex­periências mostraram que a destruição dos núcleos da rafe acentua – enquanto a estimulação elétrica desses núcleos atenua – os efeitos aversivos induzidos pela entrada em jogo do sistema da aversão e do reforço negativo (constituído, em essência, pelo hipotálamo medial e pela massa cinzenta cen­tral do mesencéfalo).

Portanto, não surpreende que a destruição dos núcleos da rafe provoque um aumento nítido da probabilidade de de­sencadeamento de um comportamento de agressão, desde que a este último esteja subjacente uma motivação de natureza aversiva, quer se trate da agressão intra-específica induzida por choques elétricos dolorosos, ou do desencadeamento inicial de uma agressão interespecífica rato-camundongo.

Como no caso da hiper-reatividade provocada pela des­truição do septo, a familiarização prévia com a espécie camun­dongo, no que concerne ao desencadeamento da agressão inte­respecífica, tem um efeito preventivo acentuado. Dado que a ablação prévia dos bulbos olfativos acentua a hiper-reatividade provocada pela lesão da rafe, ao mesmo tempo, que perturba o reconhecimento do camundongo, compreende-se facilmente que a associação das duas lesões tenha como resultado fazer surgir o comportamento de agressão interespecífica em uma por­centagem elevada dos ratos assim operados.

Amígdala e hipocampo

De modo muito geral, as lesões bilaterais da amígdala – tal como as do hipocampo – acarre­tam uma diminuição da reatividade emocional, que se traduz em certa indiferença diante do ambiente, em reações nitida­mente atenuadas com respeito às diferentes estimulações so­ciais. Assim, as lesões da amígdala diminuem claramente a probabilidade de desencadeamento de uma agressão intra-espe­cífica tanto nos roedores como no homem, e abolem – ao menos transitoriamente – as reações de agressão interespecífi­ca no rato e no gato. Essas mesmas lesões atenuam igualmen­te as reações de medo, fuga ou defesa.

O papel desempenhado pela amígdala e pelo hipocampo na gênese das reações emocionais é, simultaneamente, muito específico e fundamental, porquanto essas estruturas estão profundamente implicadas nos processos graças aos quais, uma significação é associada à informação sensorial, por referência aos traços deixados pela experiência passada, da mesma forma que nos processos graças aos quais essa significação pode ser modulada sob o efeito das conseqüências que decorrem do comportamento. Dado que os fatores experienciais interferem amplamente na determinação da probabilidade de desenca­deamento de um comportamento de agressão, convém tratar separadamente o papel desempenhado pela amígdala todas as vezes que, face a uma situação potencialmente agressivogênica, faz-se referência à experiência passada, à vivência individual.

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter