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Karen Horney

Karen Danielson nasceu em 1885, na cidade de Ham­burgo-Alemanha. Estudou medicina em Berlim, doutorando-se em 1913. Em 1909, casou-se com Oscar Horney; teve três filhas. De 1920 a 1932, trabalhou como psicana­lista no Instituto de Psicanálise de Berlim, fundado por Karl Abraham. Em 1932, emigrou para os Estados Unidos, onde continuou exercendo atividades psicoterapêuticas no Instituto Psicanalítico de Chicago, de Franz Alexander. Em 1935, fixou residência em Nova Iorque, onde veio a falecer em 1952.

Duas publicações de Karen Horney lograram excepcional repercussão. De ambas falarei sucessivamente, apondo-lhes alguns esclarecimentos meus.

Em 1937 é publicado A Personalidade Neurótica de nosso Tempo (The Neurotic Personality of our Time)

Karen Horney distingue neuroses de situação e neuroses de caráter.

Neuroses de situação

São devidas a circunstâncias incidentalmente agravantes. Exemplos: neuroses de guerra, de emigração, de promoção. Pacientes que sofrem de simples neuroses de situação devem ser consideradas pessoas psiquicamente sãs. Dessas, o livro de Karen Horney não trata.

Neuroses de caráter

O termo foi criado por Franz Alexander, nascido em 1891, em Budapeste-Hungria, ana­lista do grupo berlinense, mais tarde o primeiro professor de psicanálise nos USA, na Universidade de Chicago. Alexander define como neuroses de caráter as neuroses sem sintomas circunscritos. Horney não dá muita importância a essa definição. Entende por neuroses de caráter o que Freud qualifica de neuro­ses psíquicas, neuroses "verdadeiras", de psicogênese prolongada: neuroses que se manifestam no caráter do paciente e no seu habitual modo de agir. Não devem ser confundidas, porém, com transtornos psico­páticos ou de caráter (character disorder), em que tudo, ou quase tudo é de ordem puramente constitucional.

Karen Horney anota que as queixas dos neuróticos de cará­ter não diferem essencialmente das dificuldades do indiví­duo normal. Existem, sim, diferenças entre as queixas dos pacientes que Karen Horney conheceu e as queixas men­cionadas na literatura psicanalítica, de pacientes que vive­ram em outras épocas, nomeadamente na era vitoriana. Não menos evidente é a diferença de queixas entre neuróticos que pertencem a povos diferentes. É esse o motivo pelo qual. ela conclui que perturbações neuróticas são vinculadas nas suas manifestações externas ao tempo e ao espaço. Daí, o título de sua publicação.

Já que a constatação de Horney, aliás muito importante, baseia-se nas pesquisas etnológicas, hoje melhor denomina­das cultural-antropológicas, que começaram a ser feitas na­queles anos. Será oportuno dedicar-lhes um pouco de aten­ção. Começo com Malinowski, pioneiro nesse terreno.

Bronislaw Kaspar Malinowski (1884-1942)

Nascido na Cracóvia-Polônia, professor de antropologia em Londres, foi o iniciador da nova antropologia. Rea­lizou pesquisas etnológicas não no gabinete de estu­dos, como era então o costume, mas entre os próprios povos que habitam a Nova Guiné, a Melanésia, a Austrália, a África do Sul e outras regiões. Suas con­clusões mais importantes para o nosso estudo cons­tam dos seguintes pontos:

1. Povos primitivos são povos diferentes. Isso quer dizer que não são primitivos no sentido de terem conservado fases anteriores a outras culturas, como, por exemplo, à nossa cultura ocidental. São "tão an­tigos" quanto nós, mas apenas diferentes. (Devido, em parte, a esta constatação, foi abolido o termo primitivo nesse contexto. Hoje em dia, prefere-se falar de povos subdesenvolvidos, ou melhor, de povos em desenvolvimento, devendo-se, no entanto, notar que alguns desses povos, em comparação com povos de elevada cultura, como os da Europa Ocidental, da China, da Índia ou da lndonésia, possuem culturas muito pobres e pouco desenvolvidas, sentido em que, sem dúvida alguma, se pode falar de culturas pri­mitivas.)

2. Há povos, evidentemente, possuidores de uma cultura desenvolvida, em que o complexo de Édipo não existe. Pesquisas antropológicas deixaram claro que o Complexo de Édipo só existe em sociedades de configuração patriarcal. O que levou Freud a atribuir significado universal ao complexo de Édipo foi o fato de pertencer ele a uma sociedade patriarcal, que, quanto ao tempo e quanto ao lugar, apresentava uma natureza totalmente peculiar. Portanto, não será no complexo de Édipo que se encontrará a origem da arte, da ciência e da fé.

3. A estrutura da sociedade determina em grande parte o padrão de vida do indivíduo, seu pensar e seu agir. Tal constatação leva à seguinte conclusão, de notável importância psicológica: não é a biologia, mas, sobretudo, a sociedade que determina a forma de viver, trabalhar e sofrer do indivíduo.

Entre as que seguiram as pistas abertas por Malinowski, citemos duas pesquisadoras, que se tornaram universalmente conhecidas: Ruth Benedict e, mais ainda, Margaret Mead. Ambas dedicaram especial atenção à incidência e à natureza das perturbações psíquicas entre os povos por elas pesqui­sados.

Ruth Benedict-Fulton (1887-1948)

Americana de nas­cimento, professora de Antropologia na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, estudou in loco, os povos que pesquisou. Sua obra Padrões de Cultura (Patterns of Culture) foi publicada em 1934. Nesse livro, a autora presta conta de suas pesquisas entre três povos de culturas notavelmente diferentes, che­gando às seguintes conclusões:

1. Sociedade e indivíduo não são antagonistas, como Freud supunha. Ao contrário, existe harmonia entre ambos. Sociedade e indivíduo formam, basicamente, uma unidade.

2. O indivíduo deve a estrutura de sua existência à sociedade; isso até tal ponto que certas propriedades, julgadas essencialmente humanas pela ciência oci­dental, podem estar ausentes. A sociedade determina o que é psiquicamente normal e anormal, o que quer dizer, antes de tudo, que ninguém é neurótico sem mais nem menos. Cada paciente é neurótico dentro de uma determinada sociedade e condicionado pela mesma.

Margaret Mead (1901-1978)

Nascida na Filadélfia-USA. Faleceu em Nova Iorque. Foi uma antropóloga cultural norte-americana. Autora mundialmente famosa, realizou expe­riências antropológicas nas ilhas Samoa, na Nova Guiné, na ilha de Bali e em outras regiões, descre­vendo suas experiências com admirável habilidade e fluência. Suas obras mais conhecidas são: O Advento da Idade em Samoa (Coming of Age in Samoa), de 1928, e Sexo e Temperamento em Três Sociedades Primitivas (Sex and Temperament in three primi­tive Societies), de 1935. Em 1950, publicou a obra Macho e Fêmea (Male and Female), que trata das relações entre homem e mulher na sociedade ocidental em transmutação, especialmente na sociedade americana. Suas conclusões mais importantes para a psicologia profunda são estas:

1. A vida psíquica da pessoa é, em grande parte, determinada pelas normas da sociedade, em parte conscientemente aceitas e em parte não explicita­mente formuladas, em plena consonância com as des­cobertas de Ruth Benedict. Daí que, até a existência de uma natureza humana (no sentido de um padrão de vida inato e universalmente válido, tal como existe nos animais irracionais) deve ser questionada.

2. Em conseqüência, poderão faltar totalmente, entre outras coisas, as fases da vida, que eram consi­deradas "naturais" ou "universais" na psicologia evo­lutiva ocidental. Sirva de exemplo a puberdade, cuja existência só ocorre no caso de a sociedade tornar a criança adolescente e tratá-la como tal (em uma ati­tude de afastamento).

3. Também neuroses podem estar ausentes. Para isso, é suficiente que da sociedade não partam apelos neurotizantes.

Voltemos para Horney, que conhecia os resultados das pesquisas pioneiras no campo etnológico. O mal neurótico, afirma Karen Horney, não está contido na natureza da exis­tência humana, e, principalmente, não é determinado por uma dada constituição sexual, mas sua causa se encontra na estrutura e configuração da sociedade. As condições ineren­tes à sociedade, que Karen Horney responsabiliza pelo aparecimento das neuroses, são as contradições seguintes:

1. A sociedade ocidental caracteriza-se pela concor­rência, competição, valorização do sucesso e ambi­ção, estimulando o "carreirismo". A mesma socie­dade, por outro lado, prega humildade e amor ao próximo.

2. A sociedade ocidental caracteriza-se pela criação de contínuas novas necessidades e pelo incentivo das mesmas, bem como pela manutenção das já exis­tentes. A mesma sociedade, porém, coloca todos diante da dura realidade, que não permite satisfazer às necessidades despertadas, a não ser dentro de es­treitos limites.

3. A sociedade ocidental apregoa a certeza da liberdade pessoal, mas, ao mesmo tempo, aprisiona todos em um emaranhado de regulamentos e prescrições.

Tudo isso significa que da sociedade parte um apelo contra­ditório múltiplo, que impede a criança de tornar-se adulto em tempo relativamente breve; que obriga o adulto a uma série de compromissos e que precipita alguns, vulneráveis por natureza, na neurose.

As correntes neuróticas ("neurotic trends") de Karen Horney

Entretanto, por alguns se tornarem neuróticos e outros não, Karen Horney não pretende responsabilizar, em primeiro lugar, uma constituição vulnerável. A causa, a seu ver, deve ser procurada, principalmente em uma infância afetivamente desfavorável. Mas, com isso, ela não pretende colocar uma vinculação puramente causal, como se a incompreensão afetiva ou a falta de afeto na infância tivesse como conse­qüência inevitável uma neurose na vida subseqüente. A incompreensão ou a falta de afeto traça, de acordo com a teoria de Karen Horney, tendências neuróticas, demarca como que correntes neuróticas – chamadas neurotic trends -, sobre as quais o indivíduo constrói sua neurose. A cor­rente neurótica leva o paciente a conservar vivo seu passado desfavorável. Determina, além disso, de que forma o neuró­tico vai viver sua neurose, ditada pela cultura contempo­rânea. Em breves palavras, a corrente neurótica, por mais que venha do passado, possui seu significado no presente do paciente. Por isso, o tratamento há de orientar-se pelas cor­rentes neuróticas do paciente e preocupar-se, conseqüente­mente, com o presente neurótico do mesmo – e não com seu passado desfavorável que, de qualquer maneira, não po­de ser alterado. Se, por meio de um tratamento, as correntes neuróticas desaparecerem, desaparecerá também a influên­cia opressiva do passado. É mais que evidente que Karen Horney não aceita a repetição compulsiva.

Princípios inaceitáveis

A certeza de que o padrão geral da vida humana e a per­turbação neurótica são condicionados pela cultura, levou Karen Horney a não aceitar os seguintes princípios da psi­cologia analítica profunda.

1. Ela não acredita que o homem vem ao mundo com um padrão de vida biologicamente predetermi­nado, rejeitando, conseqüentemente, as fases da se­xualidade infantil, enquanto fases de predestinação biológica. A mesma mentalidade antibiologicista ti­rou-lhe a fé na teoria da libido. Não existe, afirma Horney, um quantum de libido biologicamente de­terminado, cujo consumo, distribuição e retorno esta­belecem a sorte do indivíduo.

Nota. O sufixo -icista na palavra biologicista tem a significação de aparente, pseudo ou usado impropria­mente. Um todo dito biológico é biológico no sentido verdadeiro da palavra, como, por exemplo, quando se trata da influência da luz sobre o crescimento da planta. Um todo dito biologicista é só aparentemente biológico, como, por exemplo, a teoria da libido. Da mesma maneira, podem ser alinhados, um ao lado do outro, os termos histórico e historicista, mís­tico e misticista.

2. Tampouco Karen Horney crê que os grandes fe­nômenos sociais possam ser explicados pela proble­mática do indivíduo, como a antropologia analítica pretendia fazer. "Que as guerras", escreve ela, "tenham sido causadas pelo instinto de morte, que a economia contemporânea provenha do erotismo anal, que a invenção das máquinas no século XVIII derive do enfraquecimento de um multissecular narcisismo paralisante", tudo isso, e o que se parece com afirma­ções semelhantes, não pode ser admitido.

Freud, ao que me consta, jamais reagiu a esse livro de Karen Horney, que ele conhecia bem. Ele  vivia, desde julho de 1938, exilado em Londres, tinha oitenta anos de idade e sofria de câncer maxilar, que viria a ser a causa de sua morte. A doença revelou-se em 1923. Freud submeteu-se a mais de trinta operações cirúrgicas. Quando o livro de Horney foi publicado, ele era um homem doente, velho e desiludido.

Em 1939 é publicado Novos Rumos na Psicanálise (New Ways in Psychoanalys)

Essa obra, editada no ano da morte de Freud, causou um impacto consideravelmente maior do que a primeira publi­cação de Horney, especialmente nos USA, onde foi recebida com aplausos gerais. A finalidade de Karen Horney, ao escrever esse livro, era renovar a teoria psicana­lítica. Cinco razões a motivaram nessa tentativa:

1. Estando ainda na Alemanha, ao travar conheci­mento da doutrina analítica, já não conseguia aceitar os pontos de vista correntes a respeito da se­xualidade feminina. Parecia-lhe irreal supor que a mulher seja dominada durante a vida toda pelo inve­joso desejo do pênis. Foi, sem dúvida, um gesto de coragem inaudita fazer tal afirmação, como mulher, no terreno dos psicoterapeutas. Analistas experimen­tados deduziam das palavras de Horney que ela mesma era não só dominada, mas até atormentada pela inveja do pênis (Penisneid).

2. A segunda teoria dos instintos (a do instinto de vida contra o de morte) parece-lhe destituída do verdadeiro sentido da realidade.

3. Após quinze anos de prática psicanalítica, a autora concluiu que todo paciente apresenta proble­mas que permanecem incompreensíveis dentro das teses habituais da antiga análise. Assim sendo, argu­menta Horney, alguma coisa na doutrina deve estar errada.

4. Karen Horney conheceu pacientes, tanto na Ale­manha como nos USA, descobrindo dife­renças nas suas respectivas problemáticas neuróticas, o que lhe firmou a convicção de que fatores culturais são particularmente importantes.

5. Finalmente, o seguinte episódio de sua prática analítica, que seria cômico, se, no fundo, não fosse tão lastimável: Certa paciente pediu a Karen Horney que continuasse com ela a psicanálise, que já havia durado vários anos com outro analista. A cliente mo­tivou o pedido com a informação de que, apesar de todos os esforços dispendidos, ainda não conseguira lembrar-se do que acontecera nos primeiros cinco anos de sua vida. A cliente era vítima da teoria se­gundo a qual se apregoava e se sustentava que a causa da perturbação neurótica não devia ser pro­curada em nenhuma outra época da vida a não ser nos primeiros anos da infância, ponto de vista ques­tionado por Freud depois de 1900.

O desejo de Horney era revalidar a teoria antiga, que se revelara falha nos cinco pontos mencionados, mas não re­jeitá-la, chegando a uma teoria completamente nova. Há muitíssimas coisas na obra de Freud que, em sua opinião, precisam ser consideradas de grande e até imperecível valor.

Dividiu as descobertas de Freud em três categorias:

(1) a das descobertas imperecíveis,

(2) a das premissas rejeitáveis, e

(3) a das concepções que continuam válidas, mas necessitam de re­visão.

Segue a enumeração das mesmas.

A categoria das eternas descobertas

1. da motivação inconsciente;

2. da repressão;

3. da natureza emocional de nosso comportamento;

4. do determinismo de nossas ações e omissões.

A categoria das premissas rejeitáveis

1. da premissa biologicista;

2. da historicista;

3. da vitoriana;

4. da individualista;

5. da neutralidade ética.

A categoria das concepções que precisam de revisão

1. da que se refere à angústia;

2. quanto à infância;

3. da referente à transferência.

A categoria das premissas rejeitáveis

Karen Horney rejeita:

1. A premissa biologicista implícita na teoria da libido e na das fases constitucionalmente determinadas da sexualidade infantil. Karen Horney adota o ponto de vista da antropo­logia cultural, que faz depender a determinação da "natu­reza" humana, supondo que se possa falar de uma tal natureza, em grande parte da sociedade em que o indivíduo vive. A própria índole da sociedade determina o quantum de libido cada indivíduo dispõe ou não dispõe. A cultura oci­dental da época de Freud tem como base a teoria das fases da sexualidade infantil.

2. A premissa historicista expressa na afirmação de que só o passado determina e esclarece o que acontece no presente. Karen Horney impugna essa premissa, e desde então muitos outros com ela. O sentido do presente encontra-se no pre­sente é uma proposição mais aceitável, e talvez seja prefe­rível substituí-la, ainda, pela afirmação seguinte: o sentido do presente encontra-se no futuro. Em outras palavras: a atitude diante do futuro determina a situação atual e a sig­nificação dos acontecimentos passados, que, sem dúvida alguma, também possuem uma significação em si mesmos. Para estigmatizar o historicismo, poderíamos citar ainda a ira de Nietzsche que escreve em seu livro Vantagens e Des­vantagens da História para a Vida, editado em 1875: existe um grau de insônia, de ruminação, de gosto pela história, em que o que é vivo é prejudicado e, por fim, perece, quer se trate de um homem, quer de um povo, quer de uma cultura.

3. A premissa vitoriana. A psicologia profunda de Freud teve início no fim do século XIX, quando o estilo vitoriano de vida estava em pleno apogeu. A psicanálise profunda adotou, incons­cientemente, certos postulados próprios desse estilo. Quando, no século XX, o estilo de vida começou a mudar e a atitude vitoriana tornou-se cada vez mais antiquada, ficou claro o condicionamento temporal e geográfico desses postulados, sendo mais importantes os que se seguem. O homem é a norma do que é tipicamente humano. Em todo caso, ana­tomicamente, o homem está mais bem equipado do que a mulher que, afinal, não passa de uma espécie de homem muti­lado, castrado. O pai é o chefe indiscutível da família. É ele que impõe as normas ao filho e fiscaliza a observância das mesmas. É o opressor quase nato do desenvolvimento vital do filho. O filho vai crescendo, conseqüentemente, em um com­plexo de amor e de ódio. O complexo de Édipo o atesta claramente. Tudo isso pertencia, em 1939, já havia muito tempo, ao passado.

4. A premissa individualista. Na psicanálise profunda, o objeto da investigação era o indivíduo em si. Desvendando a estrutura do indivíduo, o psicanalista ortodoxo tentava explicar a totalidade da vida humana integrada na socie­dade. É por isso que essa psicologia tinha que falar, visto que, além da base postulada ser muito estreita, unilateral e, por isso mesmo, artificial para servir de sustentáculo à existência humana total, o estudo comparativo das culturas tornou mais plausível fazer depender do contexto social a natureza ou, se quisermos, a estrutura do indivíduo singular. É necessário, portanto, inverter os termos da relação. A vida humana individual explica-se a partir da existência de todos os homens. Fica, pois, suprimida a tese individualista. O indivíduo é europeu, austríaco, vienense, vienense da época de 1900 (para dar um exemplo significativo) e não uma pessoa que vive fora desse ou daquele contexto. Com isso, não se afirma que o indivíduo não possui vida própria. Mas,  por mais própria, única e singular que seja, essa vida baseia-se no padrão de vida que a sociedade lhe oferece. Toda descrição da vida subjetiva do homem é condicionada pelo espaço e pelo tempo. O indivíduo, descrito por Freud, é o austríaco da época de 1900, vienense, pertencente à classe da burguesia abastada.

5. A premissa da neutralidade ética. No liberalismo político do século XIX, prevalecia o conceito de que a ciência tinha que ser eticamente neutra. Façamos votos para que a neutralidade permaneça a base de todo esforço científico. O cientista deseja saber, compreender, aprofundar e pene­trar, sem estar sendo vigiado por algo ou alguém. Mas o cientista também pode agir, e agindo penetra no reino da ética. Realizar pesquisas nucleares é fundamentalmente uma questão de liberdade de espírito. Mas não o lançamento de uma bomba atômica. Do mesmo modo, a psicologia cons­titui, em todas as suas formas e apresentações, uma questão de liberdade espiritual. Mas não a psicoterapia. O psicote­rapeuta que pretende ser eticamente neutro, torna-se de fato irreal, na opinião abalizada de Karen Horney. Também para o psicoterapeuta, existem ações humanas boas e más, acei­táveis e reprováveis. Homicídio nunca pode ser bom; nem violação sexual. O psicoterapeuta que pretende colocar-se em uma posição de neutralidade ética em relação a qualquer forma de agressão ou sexualidade coloca-se, de fato, fora da realidade e, mais cedo ou mais tarde, prestará um mau ser­viço ao paciente. Era essa neutralidade ética, excessivamente rígida, que incutia em muitos uma espécie de medo diante do psicanalista. Posteriormente, compreendeu-se a atitude do psicanalista: Freud e seus seguidores desprezavam os pre­conceitos éticos da era vitoriana. No pensamento de Horney, porém, exageravam, chegando assim ao extremo oposto.

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