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Reação de mães frente à perda de um filho em idade anterior à fase reprodutiva

Resumo:

O objetivo das pesquisadoras foi investigar a reação das mães frente à perda de um filho em idade anterior à fase reprodutiva, visando aos objetivos a seguir: pesquisar a circunstância da perda e o processo de despedida, avaliar as estratégias de enfrentamento da mãe frente à perda, investigar o funcionamento familiar após a perda do filho, estudar as expectativas depositadas no filho, pesquisar o possível aparecimento de sintomas após a perda, e os recursos procurados pelas mães após essa perda. A pesquisa realizou-se por meio de entrevista semi-estruturada com as mães que perderam seus filhos e foram gravadas, transcritas e submetidas à análise de conteúdo. Após a análise, foram criadas sete categorias, sendo seis à priori e uma à posteriori, caracterizando, assim, uma análise mista. As mães relataram esse acontecimento inexplicável e dolorido demais de ser traduzido. Pôde-se observar a seqüência de fatores que mudou suas vidas e a vida de suas famílias após a perda desse filho. Os sentimentos dessas mães são intensos, muito presentes no seu cotidiano, são marcas que, dificilmente, o tempo conseguirá apagar. Os dados levantados conduzem à reflexão da importância do trabalho do psicólogo diante da situação de enfrentamento de luto, pois esse é um tipo de luto diferente dos demais, porque é a própria finitude,  um rompimento de futuro em que estavam depositados sonhos, desejos e expectativas de muitas realizações que ainda estavam por acontecer.

Palavras-chave: Vínculo. Morte. Luto.

Introdução

Identificação do estagiário e do orientador

Estagiárias:
Priscila Jaroseski Giron
Roberta Juvenardi Daltoé

Orientador
Juliano Corrêa

Questão de Pesquisa

Qual a reação de mães frente à perda de um filho em idade anterior à fase reprodutiva?

Justificativa

A concepção que se tem sobre a morte de um filho, e a atitude que as mães têm diante dela, instigou a seguinte proposta de estudo. Acredita-se que este estudo poderá servir como facilitador para futuros alunos da área de Psicologia, que queiram compreender e investigar o luto, os difíceis caminhos que acompanham a perda resultante de morte, assim como, auxiliar o trabalho de profissionais e acadêmicos diante da necessidade de reconfortar as mães enlutadas. A importância de descrever as circunstâncias da perda de um filho em idade anterior à fase reprodutiva dar-se-á pelo fato de que são os primeiros passos da criança para socialização, sem o acompanhamento dos pais. Elas estão saindo do meio aconchegante, fraterno, protegido da família para se inserir no meio social, escola, novos amigos, ou seja, parcialmente longe dos cuidados maternos. Essa fase anterior aos treze anos de idade é muito difícil para a mãe quanto para o filho. A mãe sente-se insegura por saber que não estará sempre perto do filho para protegê-lo, orientá-lo e lhe proporcionar segurança. O filho está se individualizando para buscar uma nova identidade.

Segundo Papalia (2000), as crianças em idade escolar passam mais longe de casa do que antes; entretanto, o lar e as pessoas que ali convivem continuam sendo a parte mais importante do seu mundo.

O luto não é uma temática exclusiva da contemporaneidade. É uma questão que atravessa toda história, devido ao homem ser o único ser consciente de sua finitude. Contudo, a forma de como é vivenciada a morte de um filho e o luto que se segue é subjetiva para cada mãe, independentemente de crenças ou conhecimento, pois gera muita ansiedade e temor.

É importante que as mães possam conversar, dividir com alguém os sentimentos que podem surgir, como a raiva, tristeza, o desânimo, a saudade. É importante também que as mães se permitam vivenciar todos esses sentimentos e saibam que o processo de luto leva algum tempo para ser elaborado. É muito difícil conviver com isso sozinha, a companhia de pessoas próximas efetivamente é muito importante, para a reestruturação (FREITAS, 2000, p. 49)

O aprofundamento do estudo sobre o luto é uma forma de contribuir para melhor compreensão e elaboração, instrumentalizando os profissionais na área de saúde.

Objetivos

Objetivo Geral

Identificar a reação de mães frente à perda de um filho em idade anterior  à fase reprodutiva (antes dos 13 anos de idade).

Objetivos específicos

Pesquisar a circunstância da perda e o processo de despedida;
Investigar as estratégias de enfrentamento da mãe frente à perda;
Investigar o funcionamento familiar após a perda do filho;
Investigar quais as expectativas depositadas no filho;
Analisar o possível aparecimento de sintomas após a perda;
Averiguar os recursos procurados pelas mães após a perda.

Fundamentação teórica

Vínculo

Muito antes do nascimento e, ainda no ambiente intra-uterino, tem início a formação de vínculo entre a futura mamãe e seu bebê. Trata-se de um processo de comunicação tão complexo quanto sutil, e que torna possível esta troca íntima e profunda. O vínculo é de importância vital para o feto, pois precisa se sentir desejado e amado para propiciar a continuação harmoniosa e saudável de seu desenvolvimento (DE LAMARE, 1993).

Somente a mãe pode sustentar e compreender o sistema de expressão de seu filho. Para ela, constitui a conexão com a vida e a aplicação sucessiva de seus vínculos e de sua capacidade afetiva sobre o mundo externo real. Entende-se que o vínculo da mãe com o filho é determinado por uma gama de fatores, que pressupõe o recrudescimento das relações primitivas da mulher com sua genitora (FREITAS, 2000, p. 48).

Para Freitas (2000), a criança tem necessidade de constatar que é objeto de orgulho e de prazer para a sua própria mãe. Por outro lado, a mãe também precisa sentir uma expansão de sua própria personalidade na de seu filho. O amor materno é a expressão afetiva direta na relação positiva com seu filho; e a principal característica é a ternura. 

É preciso lembrar que a mãe é quem primeiro apresenta o mundo onde os filhos irão viver, é a forma mais forte de apego e vínculo. O apego é dirigido às figuras mais amadas, mais presentes, e assim, mutuamente a formação de vínculo se estabelece de filho para mãe e de mãe para o filho.

Um terço do comportamento de apego é a intensidade da emoção que o acompanha, o tipo de emoção que surge de acordo com a qualidade da relação entre a pessoa apegada e a figura de apego. Se tudo vai bem, há satisfação e um senso de segurança. Se a relação está ameaçada, existe ciúme, ansiedade, raiva. Se ocorre uma ruptura, há dor e depressão. Quando a figura de apego desaparece, ou está ameaçada de desaparecer, a resposta é uma intensa ansiedade e um forte protesto emocional. (FREITAS, 2000, p. 31)

Para Bowlby (2004a), quando você tem a presença incontestada da figura principal de apego, ou a tem ao seu alcance, sente-se segura e tranqüila. A ameaça de perda gera ansiedade, e uma perda real, tristeza profunda.

Bowlby (2004a) analisa o comportamento humano considerando os aspectos psicológicos e biológicos. Para entender o impacto da perda na conduta humana é necessário conhecer o significado do apego. Um aspecto básico na teoria do apego de Bowlby (2004a) aborda a tendência, no ser humano, de estabelecer vínculos afetivos fortes, estreitos, que é o caminho para entender a reação emocional que ocorre quando esses vínculos são quebrados. O apego se desenvolve cedo na vida, é usualmente dirigido para um pequeno número de indivíduos específicos e tende a tornar-se duradouro durante grande parte do ciclo de vida.

Morte

A morte é uma questão fundamental com a qual vamos nos deparar, considera-se o fim, sendo um evento biológico que encerra a vida (WALSH; MCGOLDRICK, 1998).

Em sua essência, o ser humano acredita que foi criado para viver sempre, eternamente. Penetrando na realidade humana, a morte não cabe aqui como significado de endossar o propósito da criação, sendo completamente estranha. A morte provém do erro, da desobediência e da fraqueza humana. Aceitá-la é aceitar a condição de seres desobedientes, fracos, e, com isso avaliar, julgar o erro humano. Nisso reside a compreensão humana para aceitá-la como fato, o que equivale a assumir a condição humana de fragilidade (Freitas, 2000).

A perda de uma pessoa com a qual se mantém vínculos afetivos, como um filho, é uma experiência dolorosa que fere, machuca e expõe o ser humano à própria impotência. Desde o momento da concepção até a morte, a dor é um amadurecimento pessoal (FREITAS, 2000 p. 47).

Para Walsh e Mcgoldrick (1998, p. 63), quando se perde um filho, perdem-se muitas perspectivas de futuro, pois é neles que se depositam sonhos e projetos. Um filho não é apenas uma extensão ou continuidade biológica de seus pais, mas também psicológica por ter sido investido de cuidado, atenção e carinho. A morte é vivenciada como “perda de um pedaço” de si. Quando a vida de um filho é interrompida, os pais são violentamente atingidos.

Quando se perde alguém que se ama, fica uma sensação de torpor, um protesto. Perde-se parte de si mesmo. Pode surgir culpa. Talvez se pudesse ter ajudado a pessoa que morreu. Mas não se sabe como. Sente-se solidão e um intenso sofrimento. Sofrimento indescritível, quando se trata de um filho. Foi muito esperado e acalentado. Havia sonhos e expectativas (FREITAS, 2000, p. 48).

Para Bowlby (2004a), saber que a vida de seu filho vai deixar de existir e não poder fazer nada para mudar isso é muito doloroso e causa uma enorme desestruturação nos pais. Segundo o autor, a morte de um filho traz aos pais sensação de falha na sua responsabilidade, pois a criança é tida como um ser frágil e indefeso que necessita de cuidado e da proteção dos adultos, por isso a sua morte causa grande frustração e culpa.

Na concepção de Bromberg (2000), para os familiares, a morte de uma criança permite a aproximação com a própria finitude, pois os filhos são como uma continuidade de sua existência. Significa a quebra de um vínculo muito forte que causa alterações na estrutura da família e suscita uma nova adaptação. Os pais se desesperam cada vez que vislumbram a possibilidade de perder um filho. Com a morte do filho se vão também as expectativas que esses pais construíram, muitas vezes, desde antes da concepção dessa criança.

“A morte de um filho abala o equilíbrio familiar. Há diferentes reações entre os membros da família. A mãe, freqüentemente, sente mais culpa por ter falhado nos cuidados maternos, que podem ter contribuído para a morte do filho” (FREITAS, 2000, p. 48).

Kübler-Ross (1998, p. 19), cita em um dos trechos de seu livro que: “A morte é considerada um aspecto que fascina e, ao mesmo tempo, aterroriza a humanidade. A morte e os supostos eventos que a sucedem são fontes de inspiração, bem como uma inesgotável fonte de temores, angústias e ansiedades para os seres humanos”.

Na sociedade ocidental, a morte é encarada como um “corte” na vida e não como uma etapa dela. A morte de uma criança evidencia este fato, quando se afirma que ela tem “tudo pela frente”, que ainda tem muitos projetos a realizar, e muito tempo de vida. Diante da morte de uma criança, lamenta-se por tudo que ela poderia ter vivido, realizado e construído (BRONBERG, 2000, p. 45).

Segundo Walsh e Mcgoldrick (1998, p. 63), diz-se com freqüência que “Quando seus pais morrem você perde seu passado; quando seus filhos morrem, você perde seu futuro”. A morte de um filho envolve a perda dos sonhos e das esperanças dos pais. Mais do que isso, a prematuridade e a injustiça da morte de uma criança podem levar os membros da família aos mais profundos questionamentos do sentido da vida. A perda de um filho implica em um tipo muito particular de luto, pois solicita adaptação tanto sob os aspectos individuais de cada um dos pais no enfrentamento dessa situação, como em adaptação no sistema familiar à sociedade. A morte de uma criança tende a ser profundamente perturbadora para a família toda. O sofrimento pode persistir por anos a fio, e até mesmo se intensificar com a passagem do tempo. O efeito pode ser devastador sobre o casamento, filhos e a saúde da família (WALSH; MCGOLDRICK, 1998).

Além do ajustamento social, os sentimentos que acompanham a perda de uma pessoa – e esses sentimentos estão entre os mais profundos – são intensos e multifacetados, afetando emoções, corpos e vidas, por um longo período de tempo. Essa tristeza é preocupante e esgotante, uma verdadeira onda de sentimentos em estado bruto, com angústia, raiva, arrependimento, saudade, medo e ausência (BROMBERG, 2000).

O estado de perda pode ser acompanhado de dor e aflição, e a recuperação de uma perda importante, seja de uma pessoa querida, de algum plano ou da própria capacidade física (por acidente ou doença) só é alcançada após a vivência de um processo de luto. A morte de uma pessoa querida provoca o luto e a morte de um filho é um dos acontecimentos mais difíceis de aceitar. (BOWLBY, 2004b)

Luto

Sentimento de pesar ou dor pela morte de alguém, uma tristeza profunda é uma palavra usada para indicar uma variedade bastante grande de processos psicológicos, conscientes e inconsciente, provocados pela perda de uma pessoa amada. A perda de uma pessoa amada é uma das experiências intensamente mais dolorosas que o ser humano pode sofrer. É penosa não só para quem experimenta como também para quem observa (FREITAS, 2000 p. 36).
Enlutar-se é um processo de mudança de esquemas que se experimenta em algum momento. Um acontecimento estressante, como o luto, envolve uma perda, o medo e a dor e isso faz com que a pessoa sinta-se desamparada.

O luto causa dor física e emocional, Freitas (2000) afirma que, embora se possa reagir de modo semelhante a todas as perdas, o luto pela morte de um filho é, em geral, o mais intenso. Trata-se da interrupção, um corte em uma seqüência esperada, e por ser a morte uma perda sem retorno.

Bromberg (2000) considera que luto é uma ferida que precisa de atenção para ser curada. Esse processo de cura é basicamente composto por duas mudanças psicológicas a serem realizadas durante o período de luto. A primeira é reconhecer e aceitar a realidade: a morte ocorreu e a relação agora está acabada. A segunda é experimentar e lidar com todas as emoções e problemas que advêm da perda. Essas mudanças se mesclam e levam tempo. Cada uma delas é necessária para a superação do luto. É um processo tanto individual quanto social, principalmente se considerarmos que existem procedimentos sociais para lidar com o fenômeno e, no enquadramento familiar, todos os membros do grupo são afetados, cada um com sua maneira de encarar o problema.

O processo de luto é essencial para que se possa superar uma perda importante. A vivência de um momento como esse se constitui como uma crise na vida do sujeito. Cada um irá reagir e se expressar de acordo com suas próprias características. No entanto, existem alguns sentimentos e reações que são comuns entre as pessoas, e por isso, no processo de luto é normal a ocorrência de um período de tristeza (FREITAS, 2000 p. 37).

Para Bromberg (2000), o processo de luto pode durar anos, durante os quais cada estação, feriado, aniversário vão evocar novamente a antiga sensação de perda. Quando as famílias não fazem adequadamente o luto de suas perdas, não conseguem seguir em frente com as tarefas do viver. Por isso é importante apontar o fator tempo como pontuador do processo de enlutamento, considerado, então, como um indicativo de patologia.

A exacerbação dos processos presentes no luto normal, com uma duração muito longa e com características obsessivas, configura um processo patológico. No entanto, define–se como luto saudável a aceitação da modificação do mundo externo, ligada à perda definitiva do outro e à conseqüente modificação do mundo interno, como a reorganização dos vínculos que permaneceram. A partir da apresentação desses fatores de risco fica evidente que características obsessivas configuram um processo patológico. Assim, evidência-se que a experiência do luto não pode ser analisada e avaliada como pertinente a um indivíduo somente, pois a subjetividade decorrente da genética, da cultura, da religião e do meio social não define um indivíduo padrão.

Bromberg (2000) explica que o chamado curso consistente inclui uma fase inicial de choque e descrença, na qual a pessoa tenta negar a perda e tenta se isolar contra o choque da realidade.

A seguir, vem uma fase de crescente consciência de perda, marcada por efeitos dolorosos de tristeza, culpa, vergonha, impotência e desesperança; há também o choro, uma sensação de vazio, distúrbios de alimentação e de sono, às vezes, alguns  distúrbios psicossomáticos associados à dor física, perda de interesse nas companhias ou atividades costumeiras, perda de qualidade na atividade profissional. Por fim, há uma prolongada fase de recuperação, na qual se dá a elaboração do luto, e o trauma da perda é superado e é restabelecido um estado de saúde.

No processo de luto patológico não existe apenas uma resposta específica, mas sim uma alteração de estado. Desse modo, Bromberg (2000) entende o luto patológico como doença que decorre de uma mudança nos aspectos ambientais do indivíduo, em que a depressão clínica pode ser considerada um tipo de reação patológica; o luto crônico – que é o prolongamento indefinido do luto; o luto adiado – que é considerado como um processo de adiamento do luto; e o luto inibido – em que os sintomas de luto normal estão ausentes.         Bromberg (2000) especifica o processo de luto por algumas fases, que não consideradas definitivas e classificatórias, devido a muitas diferenças individuais, mas, que devem ser consideradas no propósito de diagnosticar o que se considera luto normal e luto patológico.
As fases consideradas regulares parecem refletir o curso geralmente tomado pelo luto sem complicações:

1. Entorpecimento: a reação inicial à perda por morte; ocorre choque, entorpecimento, descrença; a duração pode ser de poucas horas ou de muitos dias.

2. Anseio ou protesto: fase de emoções fortes, com muito sofrimento psicólogo e agitação física. À medida que se desenvolve a consciência da perda, há muito anseio por reencontrar a pessoa morta, com crises de dor profunda e espasmos incontroláveis de choro.

3. Desespero: com a passagem do primeiro ano de luto, o enlutado deixa de procurar pela pessoa perdida e reconhece a imutabilidade da perda. Essa fase é muito mais difícil que as anteriores. O enlutado duvida de que qualquer coisa que vale a pena na vida possa ser preservada, assim, instalam-se a apatia e a depressão.

4. Recuperação e restituição: a depressão e a desesperança começam a se entrelaçar, com freqüência cada vez maior, há sentimentos mais positivos e menos devastadores.
Concluindo as fases de Bromberg (2000, p. 9) explica-se que: “estas descrições das fases pelas quais se dá o luto, nos meses ou mesmo anos que se seguem à morte, é necessária para a compreensão teórica do processo patológico intrinsecamente presente”. É útil também para as finalidades práticas, assim, permite o delineamento de um quadro de referência para uma intervenção preventiva específica com os enlutados que apresentam alto risco de má elaboração do luto e aqueles que, na experiência do luto patológico, por meio de uma intervenção específica, possam ser redirecionados a um caminho mais adaptativo.

Ainda, segundo Bromberg (2000), quando o vínculo é rompido, os recursos de que o indivíduo dispõe para elaborar o luto devem ser buscados na qualidade de vínculo anteriormente existente. Com o rompimento de um vínculo por morte, a reação do luto apresentará dificuldades de superação que se intensificarão pela dificuldade em encontrar novas possibilidades de vinculação, seja com uma pessoa, uma idéia ou uma atividade. O vínculo permanece, então, com uma pessoa que não estando mais viva, não permitirá a vitalização necessária para sua manutenção, abrindo campo para as chamadas reações patológicas como: negação, distorção e adiantamento do luto. O impacto da perda pode ser diminuído quando são formados vínculo substitutos, significando a aceitação de suporte social.

As mães enlutadas costumam exaltar as qualidades do filho falecido. É como se mais ninguém na família possuísse as mesmas qualidades. Algumas mães jovens tentam ter outro filho logo em seguida. Muitas vezes, elas dão o mesmo nome do filho falecido a essa criança. É como se este não tivesse identidade nem vontade própria: nasceu apenas para substituir uma pessoa que já morreu. Mas, para a mãe, é impossível substituir um filho por outro, mesmo quando ela superou a perda do primeiro, após o período de luto. Cada filho é apenas um: o filho (FREITAS, 2000).

Considera-se necessário ressaltar que as questões do enlutamento, à medida que afetam o comportamento da família, mudando o curso de seu ciclo vital com conseqüências negativas, devem ser avaliadas com extremo cuidado, para que possa ser delineada a intervenção necessária. Para isso, no entanto, é fundamental que exista uma atitude em relação ao luto, entendido como fator precipitador de dificuldades sérias no funcionamento familiar. Investigar como uma mãe vivencia e enfrenta a perda de um vínculo tão importante poderá auxiliar na construção teórica e na prática profissional do psicólogo que procura preservar a saúde física e psíquica dessa mãe.

Método

Esta pesquisa foi de ordem qualitativa.

Participantes

Os participantes desta pesquisa foram mães que perderam seus filhos com idade anterior aos 13 anos.

Descrição do Instrumento Material

A entrevista é semi-estruturada e foi elaborada e direcionada à reação das Mães frente à perda de um filho.

1) Qual foi o seu primeiro sentimento, sua primeira reação quando soube (ou viu) que ele havia morrido?

2) Quais eram as expectativas que você tinha em relação a este filho? (planos, sonhos).

3) Que sentimento está mais presente quando você pensa em seu filho?

4) O que mudou na sua vida, após essa perda?

5) Depois da morte de seu filho, você apresentou alguma doença?

6) Você procurou algum auxílio (profissional), grupo de amigos, ou alguém para falar sobre a morte de seu filho?
As questões acima citadas foram elaboradas de acordo com o material estudado sobre o tema.

Procedimentos

O primeiro passo foi selecionar mães que perderam seus filhos, por indicação de alguém que sabia da história vivenciada.

O segundo passo foi entrar em contato com a mãe para esclarecimento do objetivo e a importância da pesquisa, e sobre a contribuição que poderiam dar para outras mães em situação semelhante.

Na hora da entrevista foi apresentado, também, o termo de consentimento de livre esclarecimento.

Na data marcada, foi esclarecido novamente o objetivo da pesquisa, momento em que se deu o início da entrevista, a qual foi registrada em gravador, para posterior descrição e análise de conteúdo.

Apresentação dos Resultados

Após realizar a análise de conteúdo das entrevistas dos participantes da pesquisa, chegamos à construção de sete categorias. A primeira categoria foi criada a posteriori, e as demais, criadas a priori, resultando, assim, uma análise mista.

A seguir apresentam-se as categorias, exemplificando cada uma.

Categoria: Pressentimentos que antecederam a morte do filho
 
Nessa categoria estão agrupadas as unidades de análise que se referem aos pressentimentos que antecederam a morte do filho, e que expressam algum tipo de conhecimento das mães entrevistadas em relação à morte do filho. Como no seguinte exemplo:
“[…] senti assim um vazio dentro de mim sabe[…] uma coisa que não tinha graça de ficar ali, isso foi uns 10 minutos, 10 ,15 minutos antes de acontecer isso[…]”(participante 2)

Categoria: Momento da morte do filho

Nesta categoria estão agrupadas as unidades de análise divididas em duas subcategorias que se referem às circunstâncias da perda e a reação da mãe no momento em que soube da perda do filho.

Circunstâncias da perda 

Nesta subcategoria estão agrupadas as unidades de análise que mostram em que circunstâncias a mãe perdeu seu filho. Como no seguinte exemplo:    

“[…] parece que disse assim, mãe vem aqui, naquilo larguei tudo e saí pra fora e chamei pelo nome né, Matheus, quando virei assim, ele já estava por cima da água […] eu peguei ele pelos dedinhos do pé, assim, puxei ele, mas já estava morto.”
(participante 5)

Reação da mãe frente à morte do filho

Esta subcategoria agrupa as unidades de análise que mostra qual foi a primeira reação no momento em que ela soube da morte do filho. Como nos seguintes exemplos:

“[…] Ah isso foi horrível, foi horrível […] meu Deus do céu […] parece que acabou o mundo[…](chora)” (participante 2)

“[…] Ah, claro que a reação da gente é uma revolta terrível, porque tu perde até a fé em Deus, depois tu vai acostumando, acostumando não, eu acho que isso é uma perda, uma perda que não tem mais substituição né, a gente fica se perguntando, pra que pra gente né, porque pra mim meu Deus[…]”(participante 3)
   

Categoria: Estratégias de enfrentamento das mães frente à perda

Nesta categoria estão agrupados as unidades de análise que se referem às estratégias usadas pelas mães para enfrentar a perda de um filho. Como no seguinte exemplo:

“[…]Ah, com afé em Deus, daí a gente vai superando né, com muita fé em Deus, porque, a gente tem muita fé, né que um dia se encontre […] (com o filho perdido)” (participante 4)

Categoria: Funcionamento familiar após a perda do filho

Nesta categora estão agrupadas as unidades de análise que se referem à investigação do funcionamento familiar depois da perda do filho. Nesse contexto, divide-se em duas subcategorias que se especificam em investigar o funcionamento conjugal, ou seja, como procedeu a vida do casal depois da perda, e investigar o funcionamento fraternal entre os irmãos que vivenciaram a perda do irmão.

Funcionamento conjugal

Nesta subcategoria estão agrupadas as unidade de análise que se referem à investigação do funcionamento do casal depois da perda do filho, apontando as diferenças encontradas no relacionamento do casal depois dessa perda. Como a seguinte exemplo:
“[…] a família desmoronou, a gente já não se acertava mais, ele, o meu ex marido ficou revoltado, e aí não dava mais pra conviver com ele […]daí me separei […]” (participante 2)

Funcionamento fraternal

Nesta subcategoria estão agrupadas as unidades de análise que se referem à investigação do funciomento fraternal, como o seguinte exemplo:
“[…]os irmãos dela, o Joacir pelo menos foi um que sofreu muito, ele se revoltou tanto  […]” (participante 3)

Categoria: Expectativas depositadas no filho

Nesta categoria estão agrupadas as unidades que se referem às expectativas depositadas no filho, sonho traçados para o filho que morreu. Como no seguinte exemplo:
“[…]Meu Deus, eu me lembro todo dia nele […]Eu penso assim que se ele tivesse aqui, ele estaria estudando, seria alguma coisa assim na vida, seria um rapaz bonito […] Saudades né, eu lembro assim que ele poderia tá casado, um rapaz formado né […]”  (participante 1)

Categoria: Aparecimento de sintomas após a perda

Nessa categoria estao agrupadas as unidades de análise que se referem ao possível aparecimento de sintomas na mãe ou em outro familiar após a perda de um filho.

Aparecimento de sintomas na Mãe após a perda do filho

Nesta categoria estão agrupadas as unidade de análise que se referem ao possível aparecimento de sintomas na mãe após a perda do filho, como no seguinte exemplo:
“[…]quase morri mesmo, porque me deu depressão, até eu não to ainda bem curada, por isso que nós vendemos lá, porque eu não aguentava ficar lá, daó ei comecei a ficar internada, e daí começou me atacar asma […]” (participante 5)

Aparecimento de sitomas em outro membro familiar após a perda

Nesta subcategoria estão agrupadas as unidades de análise que se referem ao possível aparecimento de sitomas em um membro da família após a perda, como o seguinte exemplo:

“[…]dai o Roberto (irmão) também ficou doente, eles dormiam no mesmo quarto […] esse guri começou a emagrecer, ele tinha 13 anos, emagrecer, e daí um dia, uma noite, ele conto que nao conseguia dormir de noite, dizia que enxergava sempre ele, e daí tivemos que levar no médico, levar no padre pra ele dar uma bênção, e ele ficou bastante tempo assim, depois melhorou […] isso afeta toda família[…]” (participante 2)

Categoria: Recursos procurados pelas mães após a perda do filho

Nesta categoria estão agrupadas as unidades de análise que se referem aos recursos procurados pela mãe após a perda do filho, se foram recursos psicológicos ou outros.

Recursos Psicológicos

Nesta subcategoria estão agrupadas as unidades de análise que se referem aos recursos psicológicos procurados pela mãe depois da perda de um filho, como no seguinte exemplo:

“[…]Assistente Social, veio em casa ver como é que eu estava, duas vezes, mas acompanhamento com psicólogo nunca […] Eu só procurei o médico […]” (participante 4)

Outros recursos procurados

Nesta subcategoria estão agrupadas as unidades de análise que se referem aos outros tipos de recursos procurados pela mãe depois da perda de um filho. Citado o seguinte exemplo:
“[…]sabe aquelas cartas que tu manda, psicografia, é nos mandamos duas, veio à legra dele escrita, os rabiscos dele, ele tá bem, bem […]” (participante 1)

Discussão

A perda de uma pessoa com a qual se mantém vínculos afetivos é uma experiência dolorosa que fere, machuca e expõe o ser humano à própria impotência. Desde o momento da concepção até o da morte, a dor é um amadurecimento pessoal. A morte de uma pessoa querida provoca o luto. O luto causa a dor física e emocional, embora se possa reagir de modo semelhante a todas as perdas, o luto pela morte de um filho é, em geral, o mais intenso. Trata-se de uma interrupção, de um corte em uma seqüência esperada. E por ser a morte uma perda sem retorno, a morte de um filho é um dos acontecimentos mais difíceis de aceitar. (FREITAS, 2000, p. 48)

Iniciando a discussão, esclarece – se que algumas categorias continuaram sua prioridade original, enquanto, observa-se a necessidade de criar categorias a posterior. Isso por que, depois da obtenção de ricos relatórios das mães enlutadas, sentiu-se que o conteúdo era de suma importância, e que oferecia um volume maior de informações.

Quanto à primeira categoria, que foi criada a posteriori, pode se dizer que houve surpresa nas verbalizações das entrevistadas. Diz-se isso, apoiado, inclusive, no que foi exposto na fundamentação teórica, que de todo material pesquisado, nenhum se referia a pressentimentos que as mães sentiam antes da morte do filho.

O relato das mães enlutadas mostra claramente que todas sentiram que ia acontecer algo de ruim, sentiram antecipadamente um desconforto físico e psicológico, instintivo da natureza humana, que se torna mais forte e freqüente com alguém que se tem estreito vínculo afetivo e apego sentimental, como um filho. A tese de Bolwby (2004) sobre apego provém da necessidade de segurança e cuidado. Esse apego se desenvolve cedo na vida, é usualmente dirigido para um pequeno número de indivíduos específicos e tende a tornar-se duradouro durante grande parte do ciclo vital.

Os pressentimentos eram pensamentos que afloravam a mente das mães espontaneamente, sem necessidade de ninguém para lhes transmitir nada, pois tal conhecimento pertence a sentimento inato do comportamento materno. É uma percepção na sua plenitude de uma verdade que, normalmente, não se chega por meio da razão ou do conhecimento, é um impulso natural, independente da reflexão.

Esse sentimento chamou atenção quando se realizou a coleta de dados, porque em todos os relatos ele apareceu de forma clara e imediata: as mães pressentiram algo de ruim.   Como no exemplo a seguir destacado:

“[…] Eu disse: uma hora dessas o carro vai pegar ele na rua, no que eu falei isso já vieram correndo busca nós, pra ir correndo que um carro tinha pegado e ele já estava no hospital […]” (participante 1)

Com relação à segunda categoria, fixou a atenção em pesquisar a circunstância da perda, ou seja, os sentimentos da mãe diante do momento da perda e sua reação ao saber da morte do filho. A escassez de referencial teórico para pesquisa impossibilita completar os dados específicos de cada categoria, sendo esse um assunto que permanece em silêncio no coração de muitas mães que perderam seus filhos.

Quando o curso dito normal, por ser esperado, é interrompido pela morte de um filho, a dor da mãe é intensa. E a morte é uma perda sem retorno. As causas de uma perda e as circunstâncias em que ela ocorre variam muito e interferem no processo de luto materno, não sendo de surpreender que algumas circunstâncias facilitam mais o luto e outras, tornam-no muito mais difícil. A perda pode ser súbita ou, de alguma maneira, previsível. Não há dúvida de que uma morte súbita e inesperada constitui um choque inicial muito maior do que a morte prevista. Com relação às entrevistas, das cinco mães entrevistadas, três perderam seus filhos de morte súbita, enquanto duas, de morte prevista. Mesmo sendo de morte prevista, as duas mães explicam que a doença que levou seus filhos foi fulminante, não dando, assim, um espaço de tempo para elas entenderem o que estava acontecendo. Para Freitas (2000), se a morte for repentina, em conseqüência de uma doença grave, aguda e fatal, as experiências mais comuns são o choque e o isolamento; o distanciamento emocional de outras pessoas, pela raiva, e a dificuldade de aceitar qualquer apoio social. A culpa é intensa, a mãe busca uma explicação. Mas doenças graves surgem repentinamente e, muitas vezes, levam à morte, apesar dos avanços da medicina.

Quando as mães perdem seus filhos, a tristeza é freqüentemente misturada com raiva e culpa, bem como com a sensação de terem sido injustiçadas, ou por sua auto-reprovação por sua inabilidade em impedir a morte.

Acredita-se que o ser humano foi criado para viver eternamente, principalmente, as mães que têm seus filhos e pensam na proliferação da família, na construção de uma história com seus descendentes. No senso comum, os filhos são um pedaço das mães, eles carregam sua genética, um pouquinho de tudo delas e, mesmo que o tempo passe, que as coisas se modifiquem, eles sempre serão seus filhos amados, concebidos ao mundo para espalhar as sementes da mãe, não como o marido que pode deixar de ser seu, ou o trabalho que pode tomar rumos diferentes; um filho é seu para sempre, não importa o que acontecer. Então, como parar para pensar na morte de um filho como parte da existência humana? A morte não cabe aqui com um significado justificado, é um evento completamente estranho. A morte provém do erro, da desobediência e da fraqueza humana. Aceitá-la é aceitar a condição de seres desobedientes, fracos, e, com isso avaliar, julgar o erro humano. Nisso reside a incompreensão humana para aceitá-la como fato, o que equivale a assumir a condição humana de fragilidade.
As mães, assim, sentem-se como seres incapazes, desprovidos de responsabilidades sólidas para construção de uma história, para continuação de uma família. (BRONBERG, 2000)
Conforme depoimento:

“[…] Ah, claro que a reação da gente é uma revolta terrível, tu não acostuma, eu acho que isso é uma perda, uma perda que não tem mais substituição né, só que é uma revolta, uma revolta muito grande que a gente fica se perguntando, pra que pra gente né, porque pra mim, eu ainda na realidade não me conformo […] eu podia ter feito ainda alguma coisa por ela, só que não deu quando a gente viu já foi e não teve sabe explicação […]” (participante 4)

Para Bromberg (2000), a reação inicial à perda por morte provoca choque, entorpecimento, descrença; a duração pode ser de muitas horas ou de muitos dias; pode ser interrompida por crises de raiva ou de profundo desespero. A pessoa recentemente enlutada sente-se aturdida, atordoada, desamparada, imobilizada, perdida. A negação inicial da perda pode ser uma forma de defesa contra um evento de tão difícil aceitação.

De qualquer maneira, a morte de um filho é um acontecimento único, a dor sentida pelas mães não se compara à dor alguma, como cita o relato a seguir:

“[…] Meu Deus! Ah […] a gente não (silêncio) é um choque que nossa, tá loco, é que nem fosse tira um pedaço do teu coração, meu Deus, sempre dizem que é pior perde um filho, do que um marido, uma outra pessoa da família, um filho é um pedaço de ti que eles te tiram […] (silêncio)

[…]” (participante 1)
Quando se perde alguém que se ama e se mantém vínculos afetivos, o primeiro pensamento que passa pela cabeça é de morrer, porque a quem se ama morreu.

“[…] Meu Deus do céu, a gente só pensa, eu queria morrer, até hoje eu quero morrer, eu sempre peço pra ele vir me buscar […]” (participante 5)

Nas palavras dessa mãe enlutada, sentiu-se explicitamente os sentimentos em relação à morte do filho, como se tivesse acontecida essa fatalidade há alguns meses, mas não, essa mãe perdeu seu filho há mais de cinco anos, e seus sentimentos são os mesmos do dia em que ele morreu: tristeza, desamparo e  solidão.

Na terceira categoria, as mães foram instigadas a relatar como haviam enfrentado a morte dos filhos. No entanto, não pareceu ter sido uma situação passageira a dor pela perda, e sim permanente, um eterno inconformismo, contínuo, doloroso, inexplicável, uma experiência única.

As lembranças estão muito presentes na vida dessas mães, porque elas se referem a essa perda como se tivesse acontecido ontem, são datas inesquecíveis, como o dia do aniversário, natal, dia das mães, objetos guardados até hoje, o que torna um constante enfrentamento da situação. Essas mães acabam tendo sentimentos de angústia, e ao mesmo tempo evocam a idéia de encontrar a pessoa perdida, pois ficam na esperança de algum dia poderem se reencontrar em algum lugar, como se pôde constatar nesta fala:

“[…] Ah, com fé em Deus, daí a gente vai superando né, com muita fé em Deus, porque, a gente tem muita fé né, que um dia se encontre […] (com o filho perdido).” (participante 5)
Segundo as categorias já citadas na fundamentação teórica (BROMBERG, 2000), explica que o processo de luto passa por fases que tem uma sucessão natural, porém não consideradas definitivas e classificatórias em luto sem complicações.

O contato direto com essas mães enlutadas possibilitou entender esse luto de forma totalmente diferente, não se trata desse luto como os outros, desconsidera-se ser esse um luto normal, talvez a abordagem tivesse de ser outra, talvez essas fases não funcionem para esse tipo de luto. As declarações diante do fato da perda, e da eterna tentativa de reestruturação estão muito presentes na rotina dessas mães, são um verdadeiro aprisionamento de dor, lembranças, saudades e esperança do reencontro.

Na quarta categoria averiguou-se o funcionamento familiar após a perda dos filhos de cada mãe entrevistada, e pôde-se observar o quanto abalou a convivência, assim como o prosseguimento estrutural em cada família.

Para cada membro da família, a morte tem um significado diferente, e o impacto da morte provoca uma desordem sistêmica na família, de ordem emocional e relacional, ao mesmo tempo individual e grupal, uma vivência em crise, conforme a fala seguinte:

“[…] abalou, porque aquilo parece que foi uma tragédia, parece que trouxe azar pra gente né, a família desmoronou […]” (participante 2)

A morte de uma criança tem resultados destruidores sobre a família, principalmente entre os pais, dando lugar a muita hostilidade sobre o casal, que apresenta vasta gama de sentimentos mistos, evidenciando que a morte de um filho quebra um padrão estabelecido, pondo em risco a estabilidade possível e necessária. (BROMBERG, 2000, p. 46).
Conforme o relato a seguir:

“[…] ele (marido) ficou revoltado, daí ele era assim, ele tratava mau os outros (filhos), e eu não podia ver aquilo, ele batia neles, às vezes por pouca coisa, e daí foi, a gente começou a brigar, eu não podia mais ficar dentro daquela casa […]” (participante 2 )

Também se observou que não são somente os pais que sofrem e se desestruturam com a perda, o funcionamento fraternal (irmãos) é também atingido diretamente, sentindo a ausência do irmão morto, causando falta de segurança e apoio, o que poderá acarretar a dificuldade de lidar com o luto.

“[…] foi terrível daí o Roberto (irmão), também ficou doente, né, fazia um mês, um mês e meio, que eles dormiam no mesmo quarto, esse guri começou a emagrecer, ele tinha 13 anos, emagrecer, emagrecer, mas ele não falava nada […]” (participante 2)

É um período de crise e desequilíbrio para toda família enlutada, que se sente injustiçada e inibida em expressar emoções, na tentativa de preservar o restante da família, uma busca da reestruturação familiar, pois cada membro sente e reage de forma muito singular, podendo voltar, ou não, a uma convivência harmoniosa.

Na quinta categoria puderam ser acompanhadas as expectativas e sonhos das mães depositados no filho, desde a concepção, estendendo-se por todo seu desenvolvimento.
Quando os filhos começam a nascer, surge um novo sonho, o sonho de protegê-los contra qualquer perigo. Mas os planos mais perfeitos para a felicidade e o bem-estar dos filhos podem não ser ideais do ponto de vista deles. Mesmo tentando salvá-los dos perigos e das dores da vida, há certos limites que devem ser respeitados. Temos de desistir de muita coisa que queríamos fazer por nossos filhos. E naturalmente, temos de desistir dos filhos também. (VIORST, 2005, p. 211).

“[…] tinha tantos planos, tantas coisas que é interrompido, porque daí interrompe muitas coisas, como é que seria se ela estivesse aqui, como é que ela taria, como é que ela seria, se seria feliz

[…]” (participante 3)
Não ter mais o filho significa abandonar o que foi planejado para ele como: as fantasias, expectativas, desejos, antes e depois do nascimento, uma revivência do seu próprio desenvolvimento e sonhos depositados.

“[…] eu assim pensava, ele vai fazer uma faculdade quando ficar grande, ele era, ele gostava bastante de ir fora, brincar, ele sempre dizia que ele ia ajudar o pai dele trabalhar, o pai dele era pedreiro, então ele gostava de fazer isso, e eu dizia pra ele: não tu tem que estudar, isso é um serviço pesado e tal, e no fim né […]” (participante 2 )
  
Como se percebe, com a perda de um filho desaparece todo o afeto, sentimentos, investimentos de sonhos traçados; os próprios sonhos, uma vida interrompida da forma mais brusca e dolorosa, um impacto inexplicável e indescritível.

Saber que este era seu momento de vida, de construção, realizações e descobertas, provoca dificuldade de aceitação da mãe sobrevivente e de toda família, estabelece um vazio, uma tragédia voltada a sentimentos de fracasso, culpa e desordem.

“[…] olha, eu acho que a gente tem sonhos pra todos os filhos né, pra todos os filhos, embora que os sonhos não se realizem, mas a gente tem tantos sonhos para os filhos […]” (participante 2).

Diante dos relatos pode-se perceber o quanto esses sonhos estão registrados no coração de cada mãe, e nem o mais remoto tempo apaga a vontade da realização. Sentem a saudade de tudo aquilo que puderam conviver e realizar ao lado do seu filho, e mais ainda, a saudade de tudo aquilo que ainda estaria por acontecer.

Segundo Seewald et al (2004, p. 22), o luto pela morte de um filho aponta que existem palavras como “viúvo” ou “viúva” que designam quem sobrevive em um casamento, ou “órfão”, a quem tenha perdido precocemente um dos pais. Entretanto, não existe uma palavra que nomeie a quem tenha sobrevivido a morte um filho.

A sexta categoria se refere à análise do possível aparecimento de sintomas mais freqüentemente encontrados nas mães e outros membros da família após a perda do filho.

Os sintomas mais encontrados nas mães e seus respectivos familiares foram: depressão, tristeza, insônia, ansiedade, culpa, solidão, choro intenso, baixa auto-estima, dificuldade em manter relacionamentos pessoais, afastamento das funções sociais e visões alucinatórias.
Isso por que, no momento da dor, o ser humano enlutado é afetado por inteiro. Nossa sociedade bloqueia, muitas vezes, as expressões dos sentimentos de dor. Não é raro observar o completo isolamento de uma mãe enlutada. Porém, as mães precisam muito compartilhar sua dor, porque as somatizações se tornam intensas, e aos poucos, enquanto falam e choram a sua dor, o tormento da perda vai se amenizando.

Conversar é uma boa forma de expor sentimentos e superar o que está incomodando. Quando a boca se fecha, porém, quem acaba falando é o corpo. E o corpo fala por meio de doenças e sintomas que, muitas vezes, não há explicação científica.

Para Freitas (2000), a raiva sufocada e amor não verbalizado são as principais causas dos sintomas psicossomáticos, sintomas psicológicos que não conseguem ser expressos pelas pessoas e se desencadeiam em sintomas físicos.

Uma evidência na análise das mães enlutadas foi manifestação de problemas psicossomáticos que incluem dores de cabeça, dores no corpo, palpitação, falta de força muscular e distúrbio de sono.

“[…] Eu, uns dias depois, uns 10 dias depois acho, que ele tinha falecido me deu uma dor de cabeça forte, que nunca tinha me dado, era horrível, que chegava me sufocar né, e depois eu entrei em depressão […]” (participante 2)

A sétima e última categoria que se refere aos recursos procurados pelas mães após a perda, possibilitou perceber o quanto ainda o trabalho do psicólogo está distante do entendimento das pessoas, para que serve, e que tipo de ajuda trará para essas pessoas. Pois, constatou-se que, ainda nos dias de hoje, essas mães tão necessitadas de apoio, não procuraram recursos após a perda, como se pode observar na seguinte fala:

“[…] eu guardo muito pra mim, sabe, essas coisas, essas tristezas, essas coisas ruins eu guardo demais dentro de mim, eu não sou uma pessoa nervosa que desabafa, eu seguro pra mim, e eu sei que não me faz bem […]” (participante 4)

Percebe-se, então, a carência de ajuda profissional capacitada para atendimento psicológico que lida com respeito a questões importantes do comportamento humano, interações e problemas decorrentes dessas relações. O psicólogo procurará ajudar essas mães a resolver questões ainda presentes em seu cotidiano, entender um pouco mais sobre si mesmas, suas dificuldades no processo de luto e reestruturação familiar, bem como dar continuidade a uma vida saudável, convivendo com a ausência do ente querido.

 A morte de um ente querido é um acontecimento estressante na vida de uma pessoa. Sabe-se que as memórias de acontecimentos estressantes permanecem na mente, podendo recorrer como imagens mentais muito vívidas, desencadeando quadro depressivo. (FREITAS, 2000, p.6)
Nota-se, então, a necessidade de um tratamento conjunto para mães e os sobreviventes familiares, que muitas vezes não procuram um tratamento adequado, voltando-se para outros meios, ou até mesmo cada um seguindo uma direção diferente, e assim, persistindo na dor da perda de um filho.

Como já se ressaltou esse é um tipo diferente de luto, e os psicólogos têm de atentar para esse fato, pois nenhuma dessas mães entrevistadas teve atendimento psicológico, talvez nem tivessem informações sobre trabalho do psicólogo. Nesse tipo de luto a dor é muito mais particular e destrói a pureza da experiência individual.

Considerações Finais

Realizar este trabalho com mães enlutadas significa uma experiência rica e penosa. Rica, porque por meio de entrevistas, percebeu-se nas mães enlutadas o desejo de que alguém lhes empreste os ouvidos atentos ao que dizem. A possibilidade de partilhar sua dor e seu sofrimento com a dor do outro ser humano permite-lhes aflorar um pouco dessa dor. E ouvindo, participou-se desse sofrimento do luto materno. Penosa, porque é duro compartilhar da dor do outro, conviver com a perda, com a dor da morte.

O processo do luto implica a cura de uma ferida. Nesse mesmo luto, a causa do trauma, que é a perda de uma pessoa amada, não pode ser esquecida. Isso porque, toda vez que é lembrada a perda, a dor se manifesta.

Cada uma das mães deste estudo manifestou a sua dor com a sua marca pessoal. Mesmo que tenham mostrado reações idênticas, a forma de manifestação foi única em cada uma delas. O enfrentamento da dor, como é possível observar nesses casos, tem a ver com seu próprio modo de ser e de amar.

Sentiu-se que a dificuldade teórica que se teve ao realizar esta pesquisa partiu do medo da morte, e da dor da perda com a qual os profissionais da saúde se defrontam. Falar da morte é uma tarefa desafiadora que assusta e intriga, descobriu – se que um grupo restrito de autores de psicologia se interessa pelos estudos do luto, principalmente suas peculiaridades em suas qualidades individuais. A escassez de estudos na área de perdas e do luto por morte, principalmente por perda de um filho que é considerado um tipo muito particular de dor, afirma na dificuldade que o ser humano tem para aceitar a morte, e o medo desta se torna parte da configuração psicológica de cada indivíduo.

Sendo assim, o psicólogo tem muito a desbravar com seus estudos, ele visa a muitos caminhos a serem percorridos, conteúdos a serem aprimorados. Ao ouvir e identificar os sentimentos das mães enlutadas percebeu – se que o papel do psicólogo é de suma importância para ajudar a compreender melhor a dor, os sentimentos e as reações. Acredita-se que os profissionais da saúde podem fazer muito, possivelmente, atenuando a dor da mãe que perde seu filho, pois o psicólogo oferece apoio ao desamparo e se torna aliado à dor e ao desespero.

Sentiu-se que não foram colhidas apenas informações, mas buscou-se amparar as mães nesse momento de dor, mostrando acolhimento, respeito, espaço para troca e ouvidos atentos ao que diziam, e sentimos que ali estávamos desempenhando a atividade profissional.

Este trabalho, fruto de uma rica pesquisa, representa a elaboração pessoal, em parte configurado pelas próprias buscas intelectuais e, em parte, na tentativa de penetrar em um mundo tão penoso das mães enlutadas. Com esses dados, não se pretende ensinar a respeito da morte. A esperança é que, em compensação, possa se dizer muito sobre a vida. Como estudantes de psicologia, tem – se a convicção  de ser este um dos papéis mais significativos a desempenhar.

Referências

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BOWLBY, J. Apego e perda: perda: tristeza e depressão. 3. ed. vol. 3. da trilogia/ trad. Valtensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 2004b.

BRONBERG, M. H. A psicoterapia em situações de perdas e luto. São Paulo: Livro Pleno, 2000.
DE LAMARE, R. A vida do bebê. 39. ed. Rio de Janeiro: Bloch, 1993.

FREITAS, N. K. Luto materno e psicoterapia breve. São Paulo: Summus, 2000.

KÜBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. 8. ed. Trad. Paulo Menezes. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

PAPALIA, D. E. Desenvolvimento humano. 7.ed. Trad. Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

SEEWLD, F.; CHWARTMANN, B.; BURIN, C.; CORRÊA J.; BASEGIO L. A.; SARAIVA L.; SILVA L. A .; SOARES M. G.; FIRPO M. A.; GUIMARÃES T. L.; Uma dor insuportável: o luto pela morte de um filho;Revista do CEP de PA Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre. Vol.11, p.15-31. Porto Alegre, 2004.
VIORST, J. Perdas necessárias. 4. ed. Trad. Aulyde Soares Rodrigues. São Paulo: Melhoramentos, 2005.

WALSH, F.; MCGOLDRICK, M. Morte na família: sobrevivendo às perdas. Trad. Cláudia Oliveira Dornelles. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

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