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Num lago dourado – On Golden Pound

Muito embora seja um filme de 1981, retrata as relações familiares com muita maestria, trazendo à tona questões que não se restringem a um determinado tempo. A temática tratada, é tão atual quanto na época o foi.

Um verdadeiro "show" de interpretação, onde com toda a certeza, o casal protagonizado por Henry Fonda e por Katharine Hepburn, se coloca como central, no sentido da arte de interpretação.

Depois de ter assistido esse filme por algumas vezes em períodos diferentes de minha vida, resolvi escrever sobre ele, uma vez que trata-se de um verdadeiro "passeio" sobre a teorização psicanalítica.

Reuniram-se, constituindo o núcleo principal da temática, pai, mãe e filha na vida real, respectivamente: Henry Fonda, Katharine Hepburn e Jane Fonda. Esse filme foi ganhador de três Oscars, sendo que Henry Fonda, ganhou o Oscar de melhor ator.

Todo filme foi ambientado num lugar extremamente paradisíaco, com uma fotografia sem par. O referido lugar foi denominado "Um Lago Dourado".

Os personagens:

Henry Fonda é Normam, um diretor de escola aposentado.

Katharine Hepburn é Ethel, uma professora aposentada

Jane Fonda é Chelsie. (ocupação indeterminada).

A temática desenvolve-se, quando o casal aposentado vai passar uma temporada em sua casa na região do "Lago Dourado". Nesse período, Norman completará oitenta anos de idade. Sua esposa Ethel convida Chelsie a filha,  para passar com eles o aniversário de Norman. Ela aceita o convite e chega acompanhada do namorado e do filho dele, contando este com treze anos de idade.

Norman possui um humor sarcástico, colocando as pessoas em situações constrangedoras. Faz o tempo todo, menção sobre assuntos relacionados à morte que se aproxima rápidamente, já que sofre de angina e tem vários episódios de "palpitações".

Ethel, por sua vez é muito animada e "de bem com a vida". Recrimina constantemente o mal humor de Norman, tentando sempre animá-lo e colocá-lo "prá cima".

Chelsie, muito embora aparente ter de trinta a trinta e cinco anos, parece uma menina no corpo de uma linda mulher. Apresenta-se sempre muito magoada com Norman, com o qual diz nunca ter conseguido se entender de fato, como pai e filha.

Na cena do encontro, quando de sua chegada na casa do Lago Dourado, podemos notar que ela e Norman mal se olham nos olhos e, que abraçam-se com muita dificuldade não apresentando nada de espontaneidade. Quando se falam, usam palavras ásperas mutuamente, deixando entrever muito pouca ou quase nenhuma proximidade.

Passada a festa de aniversário de Norman, Chelsie e o namorado vão viajar e pedem que o filho dele fique com o casal. Norman reluta, mas Ethel consegue com todo o seu tato convence-lo e, ele acaba aceitando que o garoto fique. Logo após a partida do casal de namorados, o garoto diz a Norman e a Ethel que logo irá embora e, que sabe que está sendo um "estorvo" para eles. Norman, num lance de muita esperteza convida Ethel para irem pescar e dá ao garoto um colete de pesca que havia sido de Chelsie, quando criança. O menino se anima e vai com eles, meio de mal humor, mas acaba se soltando e assim, começa a se desenvolver uma imensa amizade entre ele e o casal, sobretudo com Norman, com quem sai para pescar por várias vezes e, onde Norman lhe ensina as técnicas de pesca, como colocar o anzol, etc.

Passa-se o tempo e Chelsie acaba voltando para o Lago Dourado, mas sem o namorado que tinha ido atender a um paciente, uma vez que era dentista. Logo ao chegar, nota que Norman e o garoto estão no barco e dando-se muito bem. Reclama com a mãe que Norman jamais tinha agido assim em relação a ela durante toda a vida. Ainda numa passagem anterior à chegada de Chelsie, assistimos uma situação alarmante, onde Norman e o garoto saem para pescar e, como querem pescar uma truta específica que Norman teria perseguido há muito tempo, dirigem-se para um lugar repleto de pedras e muito perigoso. Norman resolve deixar o garoto pilotar a lancha e, ele sobe para guiá-lo, olhando atentamente para que se desvie das pedras. De repente, vê uma pedra grande e grita para o garoto retroceder. Este, apavorado, ao invés de retroceder, acaba acelerando a lancha, jogando-a, junto com Norman sobre as pedras. O menino pula na água e, com muito custo consegue alcançar Norman e coloca-lo apoiado numa grande pedra para esperarem por socorro. Norman, meio sem consciência, começa a chamar por Chelsie, sua filha e não pelo garoto que estava com ele ali na pedra.

Ethel, muito preocupada com eles, pede a Charlie, o carteiro do Lago Dorado que a acompanhe para procurá-los. Acabam conseguindo achá-los e salvá-los. Ethel depois do acidente acaba ficando de olho neles para que não saiam para pescar outra vez. Seu sossêgo logo acaba, uma vez que a dupla logo sai, prometendo a Ethel que ficariam por perto, logo à frente da casa, onde Ethel poderia vê-los. Norman está desanimado, uma vez que diz ao garoto que ali não iriam encontrar trutas respeitáveis para serem pescadas. Depois de um tempo de desânimo, para surpresa de Norman, o garoto dá sinais de que pescou uma truta enorme e, quando vão olhar, era exatamente a truta que Norman tanto havia perseguido ao longo dos anos. A truta chamava-se Walter, que era o nome de um irmão de Ethel ! (porque também era gordo).

Depois de algum tempo, voltam para casa e encontram com Chelsie que havia chegado. O garoto conta para Chelsie que haviam pescado Walter, mas que haviam solto em seguida, uma vez que acharam que se ele tinha sobrevivido até gora, que continuasse assim vivo. O garoto sai em direção à casa para contar a proesa para Ethel e Norman fica sozinho com sua filha Chelsie. Ela lhe conta que havia casado em Bruxelas, ao que ele lhe responde que achava muito legal que ela houvesse se casado. Ele logo emenda, dizendo a Chelsie que o menino tinha conseguido dar o salto de costas de um trampolim e, comenta que ela, Chelsie, quando criança nunca tinha conseguido e à "desculpa" lhe dizendo que não tinha importância , que ela era gorda. A filha fica indignada com o comentário feito pelo seu pai e dirige-se para o trampolim. Demonstra muito medo para saltar sendo que o pai acaba por incentivá-la e ela, finalmente consegue dar o tal salto de costas. Pela primeira vez, podemos visualizar um momento de alegria entre pai e filha, ou melhor, um verdadeiro compartilhar.

Finalmente, Chelsie e o garoto partem em viagem, uma vez que vão  encontrar com o pai dele e marido dela. Na despedida, Norman dá à Chelsie, uma medalha que ele havia ganho pelo segundo lugar em um campeonato de natação importante, quando moço. Novamente abraçam-se verdadeiramente com muita ternura, lhe perguntando Norman se ela iria aparecer mais vezes, ao que ela concorda alegremente.

Considerações finais:

Como disse inicialmente, assisti a esse filme por várias vezes e, em diferentes épocas. No entanto, sempre me emocionei muito pela brilhante interpretação dos atores, pelas temáticas abordadas e, pela linda fotografia.

Temas como a morte, o envelhecimento, a doença, a perda crescente da memória, a impermanência, as relações familiares são tratados com total maestria pelo autor. Não sabemos até que ponto, por se tratar de pai, mãe e filha na vida real, isso teria facilitado a atuação dos atores envolvidos no núcleo principal. Chego mesmo a pensar que não, ou talvez mínimamente, uma vez que os atores desempenham seus papéis com uma desenvoltura invejável.

Quando Norman sai para pegar morangos a pedido de Ethel, acaba se perdendo e volta todo suado de medo para o encontro da mulher amada. Sua fala foi algo assim: "Eu só me acalmei quando vi seus lindos olhos outra vez". A continência de Ethel em relação a Norman é algo de emocionante. Por outro lado, vemos seu desespero quando Norman tem uma grave crise de angina e que parece que vai falecer. Num momento magistral do filme, Norman acaba gritando com o garoto por algo que ele havia feito errado. O menino fica profundamente magoado e Ethel vai ter com ele e lhe diz que: " Norman é apenas um leão velho que as vezes tem que rugir para lembrar que ainda está vivo"(…) "Ele não estava gritando com você, mas sim com a vida". Ao pegar um livro da estante, Norman diz em voz alta: "Eu acho que já li, mas como não me lembro de mais nada, será tudo novidade pra mim".

No que se refere às relações familiares, é notório que Norman deixa entrever que teria talvez preferido ter um menino como filho e, Chelsie por sua vez parece ter captado isso, tentando no salto de costas, mostrar a Norman que , embora sendo uma "menina", também podia dar o tal salto de costas, tão valorizado por Norman. Ethel faz um papel singular, servindo de uma espécie de "intérprete" de Norman para Chelsie e de Chelsie para Norman. Em uma outra cena memorável, onde Chelsie se refere a Norman de maneira desrespeitosa, Ethel lhe dá uma bofetada, dizendo que embora ele fosse pai dela, antes ele era seu marido. Os papéis, assim, ficavam nítidamente estabelecidos. A esposa se colocando ao lado do marido, não deixando dúvidas quanto ao seu papel na constelação familiar, bem como colocando a Chelsie no seu devido lugar de filha.

Expressões faciais como dor, medo, alegria, desânimo, entusiasmo, etc, são obtidas pela magnitude do talento dos atores envolvidos. A presença do garoto veio a calhar , uma vez que parece que pôde propiciar uma re-edição e uma re-significação das relações de Ethel e Norman com relação à Chelsie e vice-versa. Conseguem, me parece, reparar e re-editar com muito êxito as relações pretéritas, tendo obtido um grande êxito na nova versão das relações familiares, onde Norman parece ter rejuvenescido vários anos com a presença do garoto.

Para o garoto, foi algo de extremamente positivo, uma vez que por ser um garoto da cidade, estava acostumado a freqüentar shoppings e andar atrás de garotas. Parecia que seu universo se restringia a essas duas atividades. Pôde, sem dúvida alguma, ampliar seus horizontes de vida, convivendo com pessoas de muito mais idade que ele, porém com uma experiência de vida diretamente proporcionais. Ethel acaba por oferecer à Chelsie um modelo identificatório extremamente adequado, ocupando a posição de mulher ao lado de seu homem muito amado. Isso teria garantido, a meu ver, que a demanda de Chelsie em relação a Norman, fosse realmente uma demanda de uma filha em relação a um pai e conseguido ultrapassar a rivalidade edípica em relação à mãe.

Penso ser também algo significativo que o autor, embora muito rapidamente, nos dá notícias que o primeiro casamento de Chelsie não tinha dado certo e, que tendo conseguido de alguma forma re-editar sua configuração familiar, pôde se casar novamente e, aparentemente em outras bases.

Indico o filme em questão, sobre o qual ainda haveria muito o que dizer, mas quero deixar que os leitores tirem as suas próprias conclusões, ou que possam fazer suas reflexões sobre temáticas tão interessantes e sempre atuais. O casal formado por Norman e Ethel, respectivamente Henry Fonda e Katharine Hepburn, recebeu da academia o Oscar de melhor ator e de melhor atriz. O filme também ganhou o Oscar pelo melhor roteiro adaptado.

Freud já dizia que "O Complexo de Édipo" é universal, o que não quer dizer que se dê em todas culturas da mesma forma. Nesse aspecto, aproveito o ensejo para fazer uma outra indicação bibliográfica: "Relações Elementares de Parentesco", da autoria de Claude Lévi-Strauss.

Espero que os leitores ao assistirem a esse lindo filme, possam se permitir que as emoções fluam e, que possam realmente sentirem-se tocados de muito perto. Fica a recomendação!

Sem dúvida alguma, vale uma visita à Um Lago Dourado !

Com certeza, ninguém voltará dessa visita da mesma forma que lá chegou!!!

Diretor: Mark Rydell

Roteirista: Ernest Thompson

Diretor de Fotografia: Billy Willians 1981

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