Um aspecto relevante colocado por Aberastury (1986) é o conflito do adolescente que padece de um luto pela ‘perda’ do corpo e de sua condição infantil, de sua identidade de criança e da relação tida com seus pais na infância. Para Tubert (1999) o corpo que é familiar da primeira infância é perdido e em seu lugar aparece um mal-estar em relação ao corpo – “um corpo desconhecido, suspeito, fonte de inquietude e, na medida em que remete à sexualidade, interpela e questiona o sujeito” (Tubert, 1999, p. 59). Tal situação leva um determinado tempo para ser elaborada por alguns adolescentes, pois para outros, transcorre tranqüilamente. Tais mudanças e aceitações propiciarão para o adolescente, ferramentas adequadas para se enfrentar o futuro, haja vista implicarem na busca de uma nova identidade que vai se constituindo, diariamente, em planos conscientes e inconscientes, e a necessidade de se incluir as novas metamorfoses no esquema psico-corporal. Avançando para uma discussão mais abrangente, cabe salientar que se devem diferenciar os conceitos: puberdade e adolescência. Enquanto, o fenômeno da puberdade é universal, considerando-se, é claro, a diferença individual de cada ser humano, a adolescência pode ser considerada um recente produto ocidental. Considerações como as de Campos (1986); Dolto (1986); Osorio (1992); Becker (1994); Palacios (1995), e de Zagury, (1996) entre outros, propõem que a universalidade da puberdade manifesta-se num mesmo intervalo cronológico para todos os membros de nossa espécie, exceto em casos raros, sendo caracterizada de modo geral, pelo conjunto de modificações físicas que transformam o corpo infantil, durante a segunda década de vida, em um corpo adulto, capacitado para a reprodução. Dentre estas transformações ocorridas destacam-se: aparecimento de pêlos (sobretudo, nas regiões pubianas, como sugere a etimologia do próprio nome: puberdade). Além disso, em meninos, a maturação sexual compreende os caracteres sexuais secundários, que incluem o crescimento dos testículos, produção de espermatozóides, através de emissões espontâneas, como poluções noturnas, ou comportamentos masturbatórios, também há o crescimento peniano, e diversas alterações de voz, até a acomodação final das cordas vocálicas. Em contrapartida, a puberdade feminina começa com a menarca, primeira menstruação, que sinaliza o desencadeamento de outras alterações orgânicas tais como: arredondamento dos quadris, amadurecimento útero, desenvolvimento da vagina, clitóris, glândulas mamárias, com conseqüente pigmentação das auréolas e mamilos. Tais alterações são responsáveis pela metamorfose infantil que resultará a estrutura de corpo adulto, funcionamento ativo das gônadas e o aparecimento de características secundárias do sexo, que distinguem os indivíduos masculinos e femininos. Os processos acima descritos são produzidos de maneira relativamente lenta, devendo-se destacar que determinadas metamorfoses mais visíveis para o observador externo, tais como mudanças de voz, pigmentação dos pêlos axilares e do rosto, no caso do gênero masculino; primeira menstruação, e desenvolvimento de mamas, nas meninas, são apenas a derradeira parte de um processo iniciado há bastante tempo. Desta forma, independentemente da idade que são iniciadas ou concluídas as mudanças corpóreas, o processo de crescimento físico, que ocorre na puberdade, apresenta o mesmo perfil para os diferentes indivíduos, isto é, todas as pessoas são normais do ponto de vista maturativo (Palacios, 1995). Ou como complementa outra autora: “Há muitas maneiras de ser normal” (MONTREYNAUD, 1994, p. 16).
Também, como já sinalizado anteriormente, a adolescência define-se por seus caracteres sócio-culturais. Este aspecto tem especial relevância para alguns teóricos, desde a década de 60, sobremaneira para Erikson (1968), que desenvolve sua teoria da moratória social . Há ainda outras abordagens a respeito de adolescência tais como em Dolto (1986); Osorio (1992); Bee (1996); Castro (1998), dentre outros, que a identificam como um mero fenômeno da mídia e da sociedade de consumo, ou ainda, como um estágio muito importante na história evolutiva do indivíduo. Na sociedade, a adolescência é definida/entendida sob a égide do modelo econômico estando, seu término condicionado à independência econômica (SUPLICY, 1984; OSORIO, 1992). Neste sentido o término da adolescência, a exemplo do seu início, é bem mais difícil de ser determinado e novamente obedece a uma série de fatores de natureza sócio-cultural (Osorio, 1992). Alguns autores, como Dolto (1986) apontam para fatores outros que sinalizam esta fase, tais como, crescimento ósseo. Vê-se, pois, que as dificuldades para determinar o final desta fase do desenvolvimento humano são inerentes às diversas concepções e abordagens teóricas. Então, em linhas gerais, a adolescência é o período que se segue de, por volta, dos 12 anos até a segunda década de vida, uma transição entre a infância e a fase adulta. É também um período de desenvolvimento social e pessoal que geralmente acompanha a época de modificações físicas (Palacios, 1995). Por todas estas razões, “deve-se falar de adolescentes, em lugar de adolescência” (PALACIOS, 1995, p. 269), embora haja uma unanimidade entre os autores ao concordarem que a adolescência é uma fase transitória. Ou ainda, como complementa Castro (1998), conjuntamente com a infância, a adolescência possui hoje muitas faces.
Referências
ALMEIDA, T. (2003). O perfil da escolha de objeto amoroso para o adolescente: Possíveis razões. São Carlos, SP: Departamento de Psicologia da UFSCar. Trabalho de conclusão de curso. 135 p.
ABERASTURY, A. et al. Adolescência.Tradução Ruth Cabral. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. 246 p. (Biblioteca Artes Médicas).
ALMEIDA, T. As vicissitudes da Historiografia do Amor. (no prelo).
BEE, H. A criança em desenvolvimento. 7. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 550 p.
BECKER, D. O que é a adolescência? 13. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 98 p. (Coleção Primeiros Passos).
CAMPOS, D. M. S. Psicologia da adolescência. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. 157 p.
CARRETERO, M. De la larga distância que separa la suposición de la certeza. In: Carretero, M.; Madruga, J. A. (Comp.). Lecturas de psicología del pensamiento. Madrid: Alianza Editorial, 1984. 452 p.
CARRETERO, M.; CASCÓN, J. A. L. Desenvolvimento cognitivo e aprendizagem na adolescência. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. p. 273 – 287. v. 1.
CASTRO, L. R. Infância e adolescência na cultura de massa. Rio de Janeiro: Nau, 1998. COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 356 p. v. 1.
DENARI, F. E. O adolescente especial e a sexualidade: nem anjo, nem fera. 1997. 182 p. Tese (Doutorado em Educação Especial). Programa de Pós Graduação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. 1997.
DOLTO, F. A causa dos adolescentes. Tradução Juliana Leite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 289 p.
ESSLINGER, I.; KOVÁCS, M. J. Adolescência: vida ou morte? São Paulo: Ática, 1999. 96 p. (Série Jovem Hoje).
FIERRO, A. Personalidad: sistema de conductas. México: Trilhas, 1983.
______. Desarrolo social de la adolescencia. In: CARRETERO, M. J; MARCHESI, A. (Comp.). Psicología evolutiva: adolescencia, madurez y senectud. Madrid: Alianza, 1985. v.3.
______. Desenvolvimento da personalidade na adolescencia. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. p. 288 – 298. v. 1.
GIKOVATE, F. Sexo e amor para os jovens. 8. ed. São Paulo: MG Ed. Associados, 1977. 239 p.
GOLDENSTEIN, E. Adolescentes, a idade da razão e da contestação. 3. ed. São Paulo: Gente, 1995. 100 p. KAPLAN, L. J. Adolescencia, el adiós a la infancia. Buenos Aires: Paidós, 1996. 342 p.
LACAN, J.; Le seminaire. Paris: Ed. Du Seuil, 1991. 452 p. v. 8. (Le transfert).
LEVI, G; SCHIMITT, J. C. História dos jovens: da Antigüidade à era moderna. Traduzido por Cláudio Marcondes. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 372 p.
MONTREYNAUD, F. O que é amar?: respostas simples a perguntas não tão simples. São Paulo: Scipione, 1994. 95 p.
OLIVEIRA, T. S. P. Nem sempre existe liberdade de fato na escolha de parceiros. Revista Caras. ago, 2002. OSORIO, L. C. Adolescente hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. 103 p. OUTEIRAL, J. O. Adolescer: estudos sobre a adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. 146 p.
PALÁCIOS, J. O que é a adolescência. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. p. 263 – 272. v. 1.
PIKUNAS, J. Desenvolvimento humano: uma ciência emergente. São Paulo: Mc Graw-Hill do Brasil, 1979. 494 p. Tubert, S. O enigma da adolescência: enunciação e crise narcisista. In: A adolescência e a modernidade I. Rio de Janeiro: Cia. de Freud, 1999. ZAGURY, T. O adolescente por ele mesmo. São Paulo: Record, 1996. 277 p.