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O valor oculto da timidez: algumas coisas que você quer saber a respeito dela, mas tem vergonha de perguntar para alguém.

Quer seja para procurarem um novo amor, quer seja para obterem um melhor posto em seu trabalho, ou ainda, para obterem um encaminhamento para lidar com as diversas situações-problemas do seu cotidiano com uma maior proficuidade, as pessoas mais cedo ou mais tarde, deparam-se com a questão da timidez. Especificamente, em se tratando de relacionamentos amorosos, sabemos que algumas pessoas com o fito de se relacionarem amorosamente utilizam uma diversidade maior de estratégias do que outras pessoas. Então, essas pessoas que têm um repertório maior e mais sofisticado obviamente têm maiores possibilidades para iniciarem relacionamentos amorosos e podem, por esse motivo escolher alguém mais adequado ao seu perfil amoroso.
Um relacionamento assim também granjeia uma maior probabilidade de sucesso. Contudo, a cada vez mais pessoas que se consideram tímidas acorrem aos consultórios na tentativa de debelarem deste monstro quimérico que, frequentemente, acompanha-lhes de longa data conhecido como timidez. Segundo Bernardo Carducci, um pesquisador italiano, especialista na área da timidez, quase metade da população se considera tímida e entre 75 e 95 % de nós já fomos tímidos em algum momento da vida. Talvez nem nos lembremos mais, mas a maioria de nós já experimentou momentos de timidez no dia-a-dia: detestar os primeiros dias do jardim-de-infância, trancar-se no quarto de mau humor por medo de convidar alguém especial para sair, não saber o que dizer ao conhecer alguém, ou ainda ter uma crise de nervos e ‘dar um branco’ na hora de uma importante apresentação. Dessa forma, provavelmente, a timidez tem ou teve algum impacto sobre todos nós. É interessante refletirmos sobre o paradoxo que é a timidez porque como aponta Almeida (2004): “ninguém gosta de se sentir angustiado, amedrontado ou mesmo inseguro, (e nesse sentido) os outros podem tornar-se poderosos reforçadores pelo fato de reduzirem, com sua presença, tais estados internos” (p.16). Contudo, a revelia da própria vontade das pessoas tímidas, o outro muitas vezes é tomado como um estímulo aversivo que paulatinamente o deixa cada vez mais ensimesmado e inibido para agir e interagir com o ambiente no qual estão inseridas. E, apesar de existirem muitas teorias, ninguém sabe exatamente o que é a timidez. Uma das definições mais aceitas é que ela é “a tensão e a inibição em situações sociais” (Cheek & Buss, 1981, dois outros especialistas no assunto, p. 330).

De tal sorte, a melhor definição para a timidez é completamente subjetiva, ou seja, se você acha que é tímido, então você é tímido. No que diz respeito à timidez, percepção é realidade, e cada percepção é única para cada pessoa. Portanto, costuma-se identificar como timidez o desconforto e as inibições que ocorrem na presença de outras pessoas. Suas expressões mais óbvias são o silêncio, o retraimento, o rubor, a tartamudez e a ansiedade. O termo inibição, que estaria relacionada a timidez, é, a condição mental em que ocorre uma limitação do desempenho, e descreve a timidez que pode ser observada, como, por exemplo, isolar-se das pessoas e emudecer diante de situações claramente sociais. A timidez pode ainda predispor a alterar os raciocínios que tem a respeito de sua realidade.

Uma vez isolados e repensando mais vezes sobre alguns assuntos que os intimidam, os tímidos permitem que seus medos e sentimentos desconfortáveis cresçam e se espalhem. Como não há ninguém por perto para corrigi-los em sua lógica imperfeita, os tímidos se abandonam ao sabor de seus sentimentos e pensamentos errôneos e muitas vezes hiperdimensionados. Há estudos que mostram que, especialmente, adolescentes tímidos se sentem mais pressionados pelos colegas a consumir álcool e drogas do que adolescentes não tímidos. Além disso, por causa do efeito desinibidor do álcool e de algumas drogas, algumas pessoas podem recorrer a tais substâncias para facilitar o seu entrosamento social. Com a utilização prolongada de tais substâncias, seus usuários podem se tornar dependentes das mesmas. É bastante comum confundir a timidez com a introversão, mas as pessoas introvertidas não são necessariamente tímidas. Elas possuem as habilidades conversacionais e a auto-estima necessárias para terem êxito na interação com outras pessoas, mas simplesmente optam por ficar sozinhas. Estas encontram dentro da solidão um refúgio e não se tornam ansiosas, ou ainda, autocríticas quando estão em companhia das outras pessoas. A ansiedade sobre o desempenho, a inibição e os pensamentos derrotistas, tão comuns nas pessoas tímidas, não ocorre nos introvertidos. Os tímidos, por outro lado, querem desesperadamente que os outros os notem e os aceitem, mas parece que lhes faltam a habilidades essenciais para gerenciar as interações sociais.

A timidez não é uma doença social, como são a fobia social ou o transtorno de personalidade evitativa (um problema psicopatológico listado em um dos nossos Códigos Internacionais de Doenças Médico-psicológicos). Estas doenças interferem no cotidiano das pessoas e geralmente as pessoas que padecem delas só se recuperam a base de intervenção psicoterápica e de medicação. Assim, quer-se dizer que a timidez não é uma doença mental, mas somente uma faceta normal da personalidade. A maioria das pessoas tímidas não procura evitar outras pessoas. Ao contrário, busca contato, apesar da grande dificuldade de fazer essas conexões. Contudo, se isso é verdade, quais os motivos que levam a pessoa a não conseguir demonstrar seus sentimentos (amor, raiva, felicidade, tristeza, dentre outros)? Não há um só porque que justifique um comportamento complexo como a timidez em uma determinada pessoa, mesmo porque este comportamento, pode ser um traço situacional, ou seja, aparecer em situações bastante delimitadas, como, por exemplo, o medo de se flertar com parceiros amorosos em uma balada, todavia, esse “mal-estar” em determinada interação interpessoal não aparece na lida com outras situações do cotidiano.

O que difere da esta circunscrita timidez de uma outra intitulada de disposicional, na qual independentemente da situação em questão, surge o comportamento da timidez e a pessoa se retrai frente a interações sociais. E o que pode explicar isso? Muitas vezes um bloqueio psicológico acontecido na infância, como abusos (sexual/moral), constrangimentos, perdas de pessoas próximas/queridas, rejeição, medo, abandono, falta de carinho, afeto, etc. A própria personalidade da pessoa também pode influenciar muito nessa dificuldade em demonstrar sentimentos e se ela estiver associada a um bloqueio, ai essa dificuldade será potencializada. Uma criança tímida, por exemplo, terá muita dificuldade em fazer amizades na escola, e isso fará com que ela tenha, com o passar dos anos, dificuldades de relacionamentos, acarretando sentimentos de tristeza, raiva, etc, que possivelmente também não serão demonstrados, tornando essa pessoa amarga, infeliz e até antipática aos olhos da sociedade. As pessoas acabam tentando esconder os sentimentos dela mesma, fingindo que são felizes, equilibradas ou até mesmo acreditando que são assim, tal como diria o teatrólogo italiano do século XIX Luigi Pirandello “Cosi è si vi pare” (assim é se lhe parece). Para uma pessoa que tem dificuldades em demonstrar sentimentos, a exposição pública de seus sentimentos, se torna muito difícil, pesarosa. Muitos pensamentos lhe acorrem à cabeça: a impressão de que todos os olhos estão voltados para a ele(a), de que todos estão percebendo seus sentimentos, de que possam tomá-los por ridículos, banais, de não saber bem como agir numa demonstração de afeto, por exemplo, ou ainda, o fato de não querer demonstrar tristeza, raiva, porque possam achar que é uma pessoa fraca, sem controle de suas emoções. E, às vezes, a sociedade é realmente cruel com algumas pessoas, principalmente quando percebem certas dificuldades, e fazem com que a pessoa passe por constrangimentos, dificultando ainda mais a interação entre as pessoas, o que retro alimenta tal estado interno e faz com que não consigam enfrentar novos desafios, onde sentimentos certamente aparecerão, tornando assim pessoas interessantes em pessoas antipáticas. O medo de enfrentar tudo e todos, medo de rejeição, medo de si mesma. Contudo, consideremos, se a timidez está relacionada a um continuum de tantas inadequações sociais por que ela sobreviveu desde os tempos primordiais? Logo, pode-se cogitar que provavelmente ela possa ter tido alguma função biológica importante. Segundo o ponto de vista da teoria etológica, ciência que estuda a origem do comportamento de pessoas e de animais, apesar de todo o constrangimento que causa, a timidez deve ter tido alguma função positiva para a evolução da humanidade, caso contrário, não teria resistido como um traço da personalidade.

Alguns etólogos associam a timidez ao instinto de lutar ou fugir dos nossos primeiros ancestrais. Dessa forma, há muito tempo, tal instinto teria ajudado os primeiros homens e mulheres a reagirem a predadores aos quais poderiam sucumbir quase que imediatamente. Essa teoria postula que ainda que um indivíduo mais agressivo que atacasse a fera, sem se preocupar muito consigo mesmo, provavelmente sucumbiria diante do predador e assim, a precaução inerente à fuga teria uma importante função para a sobrevivência, não somente daquele indivíduo, mas de sua futura prole, e conseqüentemente, da espécie humana. Em outras palavras, a natureza abicou de heróis e manteve os covardes vivos. Nos dias atuais poderíamos substituir um feroz mamute, ou ainda, um esfomeado dinossauro por um chefe rabugento ao qual gostaríamos de pedir um aumento, uma mulher bonita numa danceteria a qual pretendemos abordar, ou mesmo um novo colega de trabalho, o qual precisamos ser mais assertivos com o mesmo. Sentimos que essas pessoas talvez possam nos prejudicar de alguma forma, então, somos cautelosos quando estamos perto delas. A exemplo dos primeiros homens, sentimos que qualquer aproximação perigosa, para a nossa integridade moral ou física, deve ser evitada e então é isso o que fazemos. No que diz respeito à exibição da timidez para as mulheres essa teoria ainda postula que tal mecanismo instalado teve um alto poder adaptativo porque se as primeiras mulheres eram mais tímidas do que as outras, isso aumentava a probabilidade do homem ir caçar e pescar sem ter que se preocupar com uma eventual infidelidade por parte das parceiras, tendo em vista que estas não procurariam outros parceiros na ausência dos próprios. Dessa forma é possível que mulheres mais tímidas fossem mais atraentes para os primeiros homens. E atualmente, eu constato muito isso em atendimentos clínicos. Muitos dos meus pacientes, sobretudo, os tímidos optam por escolherem mulheres que consideram mais tímidas por associarem timidez a uma imagem de recato, e, portanto, de pureza. Evidencia-se que timidez de modo algum é uma doença tal como muitos pensam. Talvez o mito mais poderoso seja o de que somente pessoas sociáveis são felizes e têm uma vida satisfatória.

As pessoas que aceitam esse mito acreditam que a timidez os está impedindo de viver a vida que deveriam. Ao contrário do que se pensa, existem pessoas tímidas satisfeitas com o que têm e com o que são e sequer pensam em procurar ajudas na forma de tratamentos médico-psicológicos, etc. Contudo, embora ser tímido, não se constitua um problema psicopatológico, muitas pessoas se incomodam com este tipo de situação, sobretudo, porque, muitas querem interagir proficuamente me seu meio social. Assim, quando o que sente estiver afetando o seu próprio bem estar, o convívio familiar, profissional, social, dentre outros ambientes, quando a própria pessoa sentir que está na hora de tentar mudar, de dar um basta e começar a viver de forma menos estressante, sufocante, enfim, viver e tentar ser feliz ela deverá procurar ajuda, sobretudo, de um psicólogo. Portanto, as pessoas que quiserem recorrer a um tratamento especializado deverão utilizar como crivo, o mesmo para qualquer outro transtorno psicopatológico: que a situação perdure por um determinado tempo (em geral, nós psicólogos para alguns transtornos costumamos esperar o mínimo de 1 a 6 meses para verificar se há a continuidade dos sintomas) e que os sintomas estejam atrapalhando o ambiente familiar e ocupacional (por exemplo, na escola, trabalho) da própria pessoa. Há muitos tratamentos propostos, dentro das várias abordagens teóricas, propostos pela psicoterapia para que as pessoas consigam ter um enfrentamento mais adequado com as diversas situações sociais com as quais travam contato, e desta forma, trabalhar sua timidez. O importante é não procrastinar a sua melhora delegando ao tempo uma responsabilidade que deve começar por você.

Referências

ALMEIDA, T. A Gênese e a Escolha no Amor romântico: alguns princípios regentes. Revista de Psicologia da UFC, v. 22, p. 9-13, 2004.

CARDUCCI, B. J. Timidez: um guia prático para superar os seus medos e conquistar o controle de sua vida. Tradução M. Cantizani. Rio de Janeiro: Alegro, 2002.

CHEEK, J. M.; BUSS, A. H. Shyness and sociability. Journal of Personality and Social Psychology, 41, 330-339, 1981.

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