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Escola Suíça de Psiquiatria – parte IV

(continuação)

Os Distúrbios Psicomotores e Comportamentais

Freqüentemente, eles têm uma relação direta com os distúrbios cognitivos ou afetivos. Assim, no plano comportamental, há dis­túrbios secundários a uma alteração do julgamento, um estado confusional e uma fase ansiosa ou manía­ca; estados de apragmatismo, freqüentemente notados no doente orgânico cerebral, resultantes de seu empo­brecimento intelectual, como uma tendência a voltar-­se para si mesmo, com redução do interesse por aqui­lo que o cerca.

Mas queremos insistir nos distúrbios psicomoto­res cujo determinismo neurológico e psicológico é di­fícil de estabelecer. Assim, a redução da atividade motora espontânea – tal como se observa, em par­ticular nas lesões de predominância frontal – tanto pode revelar uma diminuição do inte­resse e da atenção quanto um distúrbio neurológico da iniciativa motora, ou até mesmo uma perda da organização dos movimentos múltiplos coordenados "apraxia da marcha".

Da mesma forma, podemos observar estados de estupor com suspensão ou lentificação extrema dos movimentos voluntários, e até estados catatônicos nos quais é às vezes difícil distinguir o que decorre da or­ganicidade do que decorre de uma descompensação esquizofrênica eventualmente associada, sendo possí­veis todos os estados intermediários entre um mutis­mo acinético, uma catatonia neurológica e um estado de catalepsia, de catatonia psicogenética.

Pode-se ainda observar um estado de contratura complexo, próprio de certos estados orgânicos, que depende, simultaneamente, de um distúrbio motor de tipo extrapiramidal e de certa tendência negativista.

Os Sinais Físicos Associados

Os sinais neurológicos podem, sem dúvida, traduzir a organicidade cerebral. Todos podem estar presentes, mas o quadro neurológico pode ser pobre, notadamente no caso de atrofia difusa, contrastando então com a riqueza da semiologia psiquiátrica.

Todavia, uma série de trabalhos norte-america­nos tenta descrever uma semiologia complexa, traduzindo um sofrimento cerebral difuso, mais do que focal (grasping [agarrar], reflexo de careta, anomalias da marcha, distúrbios do tônus, estereotipias etc.). Essa semiologia, entretanto, mesmo quando refinada, parece tardia em relação aos sinais psiquiátricos, o que retira muito de seu interes­se diagnóstico.

Os sinais físicos gerais dependem da etiologia (causas vasculares, em particular). Finalmente, é clás­sico observar ainda uma deterioração global no plano físico, notadamente com o paciente parecendo "mais velho do que é".

Os Fatores de Variação da Síndrome Psico-Orgânica Crônica

A existência de uma síndrome psico-orgânica geral não exclui a possibilidade de variações mais ou menos significativas.

Essas variações podem ser função das caracte­rísticas do processo lesional cerebral (natureza, tipo evolutivo e, sobretudo, grau de extensão e localiza­ção) e de fatores individuais (idade do paciente, per­sonalidade pré-mórbida, fatores situacionais do meio).

Os Fatores Próprios do Processo Lesional Cerebral

A natureza do processo lesional

A síndrome psico-orgânica pode ser gerada por dis­túrbios orgânicos cerebrais de etiologias diversas: lesão local (tumor, hematoma cerebral) ou, mais ge­nericamente, difusa, do tipo de atrofia cerebral cor­tical, subcortical ou córtico-subcortical.

As etiologias dessas atrofias, que apenas lem­bramos aqui, são muito diversificadas, e podemos distinguir esquematicamente, ao lado das atrofias se­cundárias (de origem traumática, infecciosa, tóxica, metabólica, vascular, ou ainda secundária a uma hidro­cefalia hidrostática), o vasto quadro das atrofias pri­márias, chamadas "degenerativas", dentre as quais acham-se as que estão subjacentes às clássicas demên­cias pré-senis de Pick e de Alzheimer.

Cada uma dessas etiologias pode estar na origem de uma síndrome psico-orgânica, enriquecida por di­ferentes sintomas que lhe são mais específicos. Toda­via, dentre esses elementos sintomáticos, evocadores de uma dada etiologia, os mais fidedignos bem pare­cem ser os distúrbios neurológicos ou somáticos associados; a existência de distúrbios psíquicos especí­ficos de uma dada etiologia, tantas vezes evocada na literatura, (notadamente para a paralisia geral), parece muito duvidosa, porquanto cada desordem psiquiátri­ca descrita no quadro da síndrome psico-orgânica pa­rece poder encontrar-se em qualquer tipo de lesão cerebral.

De fato, os elementos clínicos psiquiátricos que permitem classicamente diferenciar os distúrbios psico-orgânicos segundo sua etiologia afiguram-se pouco significativos. Há autores que ci­tam o exemplo dos elementos psiquiátricos reputados como específicos do quadro das demências vasculares em relação ao das demências degenerativas; com efei­to, esses sintomas são comuns a numerosos estados orgânicos, e a diferença entre esses dois tipos de de­mência prende-se, sobretudo ao acréscimo de sinais neurológicos; assim, a incontinência afetiva às vezes considerada evocadora de uma etiologia vascular quase não é específica desta última, mesmo quando pode ser aumentada, nesse caso, pelas liberações mí­micas de natureza neurológica.

Essa ausência de especificidade acha-se igual­mente presente no seio do grupo de lesões chamadas degenerativas, onde as particularidades clínicas psi­quiátricas parecem prender-se mais à topografia da lesão do que à natureza do processo causal.

O tipo evolutivo da lesão

Diferentes particularidades clínicas prendem-se ao ritmo evolutivo próprio do processo lesional. Assim, ao lado dos casos de atrofia de agravamento progressivo, em que o sujeito evolui mais ou menos rapidamente para um estado demencial, descrevem-se formas de evo­lução muito lenta, ou até mesmo "estabilizadas", dentre as quais se contam não apenas as atrofias secun­dárias, seqüelas de alguma agressão infecciosa, traumá­tica ou vascular, como também as atrofias difusas de etiologia pouco clara, com sintomatologia psiquiátri­ca, mas não demencial.
De modo mais geral, o déficit cognitivo parece mais significativo nas lesões que progridem rapida­mente, da mesma forma que os dis­túrbios da vigilância; os desvios ana­tomoclínicos são mais nítidos nos casos de evolução rápida do que nas lesões de evolução lenta, em que o paralelismo é mais respeitado.

A extensão e a topografia lesional

O aspecto mais importante reside nas correlações do quadro psiquiátrico, por um lado, com a extensão quantitativa da atrofia e, por outro, com sua localiza­ção predominante, na dimensão "vertical" (cortical ou subcortical) ou "transversal" (frontal ou têmporo­-parietoccipitaI).

A extensão lesional

Numerosos autores afir­mam que existe uma nítida correlação entre a gravi­dade do quadro psiquiátrico, em particular no plano cognitivo, e a "quantidade" da lesão.
Assim, podemos citar:

– Autores para quem existe uma relação nítida entre a impor­tância da demência e o grau de atrofia visualizado.

– Outros observam os dados contra­ditórios a esse respeito, muito embora assinale uma recente resenha da literatura que indica que, na maio­ria das vezes, existe uma correlação entre, por um la­do, a diminuição das capacidades intelectuais e, por outro, o grau de atrofia cerebral, assim como a diminuição do consumo de oxigênio e do débito sangüí­neo cerebral.

As correlações entre os distúrbios da personali­dade e a "quantidade lesional" são muito menos evi­dentes e foi apenas a título de hipótese que alguns autores evocaram esse assunto. Assim, para alguns autores, os distúrbios tímicos pode­riam corresponder a processos atróficos incipientes ou precocemente estabilizados, ao passo que as for­mas graves dos distúrbios intelectuais implicariam graus severos de atrofia. Para outros autores, toda uma sé­rie de sintomas psiquiátricos vagos e ambíguos, que esses autores denominam "neurótico-orgânicos", seria muito mais comum nos pacientes que tenham uma atrofia ligeira ou moderada. Com o aumento do sig­nificado da atrofia, esses sintomas deixariam lugar a um modo de comportamento dominado por mudan­ças da personalidade de tipo psicótico e por distúrbios intelectuais acentuados.

A topografia lesional preferencial

Podemos distinguir a topografia preferencial segundo a dimen­são "transversal" ou "vertical".

Na dimensão "transversal":

Oporíamos muito es­quematicamente a síndrome frontal, tal como é en­contrada na doença de Pick, e o comprometimento preferencial de região têmporo-parietoccipital, como foi descrita na doença de Alzheimer.

– A síndrome "frontal"

Ainda que pareça ca­ricatural descrever o lobo frontal como o lobo da inteligência, seu comprometimento parece, todavia, responsável por uma alteração acentuada das funções intelectuais mais elaboradas; observa-se, em particular, um prejuízo das capacidades de abstração e de asso­ciação, e um déficit da aquisição e do julgamento, no­tadamente com redução do senso crítico; o sujeito "frontal" não consegue tomar distância em relação à situação, que só apreende parcialmente, e seu pensa­mento é aderente e perseverador. Observamos, ao contrário, a relativa discrição dos distúrbios mnésicos por lesão moderada, que não cria em particular gran­des esquecimentos, mesmo quando a indiferença, a apreensão precária das situações e o distúrbio das as­sociações vão, pouco a pouco, alterando a memoriza­ção e a evocação; observa-se ainda a ausência de dis­túrbios da orientação temporoespacial, manifestos no início da evolução, sem alteração da vigilância, e a au­sência de distúrbios das funções simbólicas.

Essa pre­servação, ao menos parcial, das capacidades intelec­tuais operatórias, no início da evolução da lesão de predominância frontal, tal como é encontrada, em particular, na doença de Pick, parece poder explicar a eficiência intelectual relativamente preservada nos tes­tes psicométricos, ao passo que o comportamento de­mencial já pode evidenciar-se no plano clínico.

Entre os distúrbios afetivos, observa-se essencial­mente um fundo de apatia, de abulia e de indiferen­ça, sobre o qual sobrevêm acessos mais ou menos pro­longados de estados atípicos de hipomania (estados de "moria" em que as reflexões são muitas vezes me­nos presas ao real do que no maníaco) e fases de de­pressão caracterizadas, sobretudo por estados astêni­cos e acinéticos. Convém notar ainda a irritabilidade, que é precoce e freqüentemente acentuada. Os dis­túrbios afetivos de aparência neurótica ou psicótica são raros e o quadro psiquiátrico encontrado nas le­sões de predominância frontal impressiona por seu ca­ráter bastante unívoco e por sua monotonia, o que o opõe de maneira bem nítida ao quadro geralmente muito rico que se observa nas lesões têmporo-parie­toccipitais.

– A síndrome "têmporo-parietoccipital"

Po­demos descrever distúrbios intelectuais que se carac­terizam: pela importância do déficit mnésico, que é global, afetando prefencialmente as estruturas espa­ciais e temporais nas lesões direitas, verbais e simbóli­cas nas lesões esquerdas; pela freqüência da desorien­tação temporoespacial, em particular nos comprome­timentos temporoccipitais direitos; pela presença de distúrbios das funções simbólicas (afaso-apraxo-agnosia). O conjunto desses déficits operatórios e ins­trumentais explica o rápido decréscimo da eficiência intelectual que aparece nesse tipo de lesões, como ocorre em particular na doença de Alzheimer, onde, muito cedo, os testes psicométricos evidenciam uma deterioração significativa. Entretanto, as funções inte­lectuais superiores são mais tardiamente afetadas do que nas lesões frontais, e o julgamento, em particular, é relativamente conservado nas formas iniciais, o que explica a preservação da consciência que o paciente tem de seus distúrbios e seus déficits, e todas as rea­ções afetivas que ela origina (tendência à reação "ca­tastrófica", "perplexidade" etc.).

Os distúrbios afetivos caracterizam-se, diversa­mente dos apresentados na síndrome frontal, por sua riqueza e seu polimorfismo, que podem levar a evo­car qualquer distúrbio de tipo neurótico ou psicótico. Observam-se assim estados depressivos e ansiosos, que podem ser reativos à consciência do déficit, uma la­bilidade emocional de aparência neurótica, com hi­peremotividade ansiosa, e distúrbios psicossensoriais, alucinósicos ou alucinatórios variados. O Rorschach freqüentemente eviden­cia, nesses casos, os sinais orgânicos associados a tra­ços psicóticos, ao passo que eles estão mais amiúde ausentes quando as lesões permanecem puramente frontais.

Na dimensão "vertical":

Os dados concernentes às eventuais correlações entre o tipo de atrofia (cortical, subcortical ou córtico-subcortical) e a importância e natureza dos distúrbios psiquiátricos observados ainda estão sujeitos a cautela, sendo freqüentemente contraditórios.

Para numerosos autores, o grau de alteração intelectual estaria mais estreitamen­te correlacionado com a importância da atrofia corti­cal do que subcortical. Isso nada faria além de confir­mar a noção clássica do córtex cerebral integrador, substrato da inteligência. Entretanto, os dados for­necidos pelas neuroimagens, prestam-se mal a essa simplificação.

Assim, a correlação é mais estreita entre a importância dos distúrbios cognitivos e o grau de atrofia córtico-sub­cortical do que cortical pura. Além disso, uma freqüência não desprezível de casos em que o alargamento dos sulcos corticais não é acompa­nhado por déficit intelectual, nem mesmo psicométri­co. Ademais, os estados demenciais são observados nos casos de atrofia subcortical pura, embora a "demên­cia subcortical" seja mais caracterizada por uma lenti­ficação dos processos cognitivos do que por sua alte­ração propriamente dita.

Quanto aos distúrbios afetivos, os dados são ain­da menos claros. Os mais interessantes parecem rela­cionar-se com a atrofia evidenciada em certos distúr­bios esquizofrênicos ou esquizofreniformes. Assim, a fre­qüência das atrofias cerebrais essencialmente subcorti­cais visualizadas nos casos de "esquizofrenia" de forma deficitária. Para numerosos autores parece existir uma nítida corre­lação entre a importância do tamanho dos ventrículos cerebrais e o grau do "déficit" esquizofrênico, ao pas­so que não existe diferença significativa no tamanho dos sulcos corticais.

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