(continuação)
Freqüentemente, eles têm uma relação direta com os distúrbios cognitivos ou afetivos. Assim, no plano comportamental, há distúrbios secundários a uma alteração do julgamento, um estado confusional e uma fase ansiosa ou maníaca; estados de apragmatismo, freqüentemente notados no doente orgânico cerebral, resultantes de seu empobrecimento intelectual, como uma tendência a voltar-se para si mesmo, com redução do interesse por aquilo que o cerca.
Mas queremos insistir nos distúrbios psicomotores cujo determinismo neurológico e psicológico é difícil de estabelecer. Assim, a redução da atividade motora espontânea – tal como se observa, em particular nas lesões de predominância frontal – tanto pode revelar uma diminuição do interesse e da atenção quanto um distúrbio neurológico da iniciativa motora, ou até mesmo uma perda da organização dos movimentos múltiplos coordenados "apraxia da marcha".
Da mesma forma, podemos observar estados de estupor com suspensão ou lentificação extrema dos movimentos voluntários, e até estados catatônicos nos quais é às vezes difícil distinguir o que decorre da organicidade do que decorre de uma descompensação esquizofrênica eventualmente associada, sendo possíveis todos os estados intermediários entre um mutismo acinético, uma catatonia neurológica e um estado de catalepsia, de catatonia psicogenética.
Pode-se ainda observar um estado de contratura complexo, próprio de certos estados orgânicos, que depende, simultaneamente, de um distúrbio motor de tipo extrapiramidal e de certa tendência negativista.
Os Sinais Físicos Associados
Os sinais neurológicos podem, sem dúvida, traduzir a organicidade cerebral. Todos podem estar presentes, mas o quadro neurológico pode ser pobre, notadamente no caso de atrofia difusa, contrastando então com a riqueza da semiologia psiquiátrica.
Todavia, uma série de trabalhos norte-americanos tenta descrever uma semiologia complexa, traduzindo um sofrimento cerebral difuso, mais do que focal (grasping [agarrar], reflexo de careta, anomalias da marcha, distúrbios do tônus, estereotipias etc.). Essa semiologia, entretanto, mesmo quando refinada, parece tardia em relação aos sinais psiquiátricos, o que retira muito de seu interesse diagnóstico.
Os sinais físicos gerais dependem da etiologia (causas vasculares, em particular). Finalmente, é clássico observar ainda uma deterioração global no plano físico, notadamente com o paciente parecendo "mais velho do que é".
Os Fatores de Variação da Síndrome Psico-Orgânica Crônica
A existência de uma síndrome psico-orgânica geral não exclui a possibilidade de variações mais ou menos significativas.
Essas variações podem ser função das características do processo lesional cerebral (natureza, tipo evolutivo e, sobretudo, grau de extensão e localização) e de fatores individuais (idade do paciente, personalidade pré-mórbida, fatores situacionais do meio).
Os Fatores Próprios do Processo Lesional Cerebral
A natureza do processo lesional
A síndrome psico-orgânica pode ser gerada por distúrbios orgânicos cerebrais de etiologias diversas: lesão local (tumor, hematoma cerebral) ou, mais genericamente, difusa, do tipo de atrofia cerebral cortical, subcortical ou córtico-subcortical.
As etiologias dessas atrofias, que apenas lembramos aqui, são muito diversificadas, e podemos distinguir esquematicamente, ao lado das atrofias secundárias (de origem traumática, infecciosa, tóxica, metabólica, vascular, ou ainda secundária a uma hidrocefalia hidrostática), o vasto quadro das atrofias primárias, chamadas "degenerativas", dentre as quais acham-se as que estão subjacentes às clássicas demências pré-senis de Pick e de Alzheimer.
Cada uma dessas etiologias pode estar na origem de uma síndrome psico-orgânica, enriquecida por diferentes sintomas que lhe são mais específicos. Todavia, dentre esses elementos sintomáticos, evocadores de uma dada etiologia, os mais fidedignos bem parecem ser os distúrbios neurológicos ou somáticos associados; a existência de distúrbios psíquicos específicos de uma dada etiologia, tantas vezes evocada na literatura, (notadamente para a paralisia geral), parece muito duvidosa, porquanto cada desordem psiquiátrica descrita no quadro da síndrome psico-orgânica parece poder encontrar-se em qualquer tipo de lesão cerebral.
De fato, os elementos clínicos psiquiátricos que permitem classicamente diferenciar os distúrbios psico-orgânicos segundo sua etiologia afiguram-se pouco significativos. Há autores que citam o exemplo dos elementos psiquiátricos reputados como específicos do quadro das demências vasculares em relação ao das demências degenerativas; com efeito, esses sintomas são comuns a numerosos estados orgânicos, e a diferença entre esses dois tipos de demência prende-se, sobretudo ao acréscimo de sinais neurológicos; assim, a incontinência afetiva às vezes considerada evocadora de uma etiologia vascular quase não é específica desta última, mesmo quando pode ser aumentada, nesse caso, pelas liberações mímicas de natureza neurológica.
Essa ausência de especificidade acha-se igualmente presente no seio do grupo de lesões chamadas degenerativas, onde as particularidades clínicas psiquiátricas parecem prender-se mais à topografia da lesão do que à natureza do processo causal.
O tipo evolutivo da lesão
Diferentes particularidades clínicas prendem-se ao ritmo evolutivo próprio do processo lesional. Assim, ao lado dos casos de atrofia de agravamento progressivo, em que o sujeito evolui mais ou menos rapidamente para um estado demencial, descrevem-se formas de evolução muito lenta, ou até mesmo "estabilizadas", dentre as quais se contam não apenas as atrofias secundárias, seqüelas de alguma agressão infecciosa, traumática ou vascular, como também as atrofias difusas de etiologia pouco clara, com sintomatologia psiquiátrica, mas não demencial.
De modo mais geral, o déficit cognitivo parece mais significativo nas lesões que progridem rapidamente, da mesma forma que os distúrbios da vigilância; os desvios anatomoclínicos são mais nítidos nos casos de evolução rápida do que nas lesões de evolução lenta, em que o paralelismo é mais respeitado.
A extensão e a topografia lesional
O aspecto mais importante reside nas correlações do quadro psiquiátrico, por um lado, com a extensão quantitativa da atrofia e, por outro, com sua localização predominante, na dimensão "vertical" (cortical ou subcortical) ou "transversal" (frontal ou têmporo-parietoccipitaI).
A extensão lesional
Numerosos autores afirmam que existe uma nítida correlação entre a gravidade do quadro psiquiátrico, em particular no plano cognitivo, e a "quantidade" da lesão.
Assim, podemos citar:
– Autores para quem existe uma relação nítida entre a importância da demência e o grau de atrofia visualizado.
– Outros observam os dados contraditórios a esse respeito, muito embora assinale uma recente resenha da literatura que indica que, na maioria das vezes, existe uma correlação entre, por um lado, a diminuição das capacidades intelectuais e, por outro, o grau de atrofia cerebral, assim como a diminuição do consumo de oxigênio e do débito sangüíneo cerebral.
As correlações entre os distúrbios da personalidade e a "quantidade lesional" são muito menos evidentes e foi apenas a título de hipótese que alguns autores evocaram esse assunto. Assim, para alguns autores, os distúrbios tímicos poderiam corresponder a processos atróficos incipientes ou precocemente estabilizados, ao passo que as formas graves dos distúrbios intelectuais implicariam graus severos de atrofia. Para outros autores, toda uma série de sintomas psiquiátricos vagos e ambíguos, que esses autores denominam "neurótico-orgânicos", seria muito mais comum nos pacientes que tenham uma atrofia ligeira ou moderada. Com o aumento do significado da atrofia, esses sintomas deixariam lugar a um modo de comportamento dominado por mudanças da personalidade de tipo psicótico e por distúrbios intelectuais acentuados.
A topografia lesional preferencial
Podemos distinguir a topografia preferencial segundo a dimensão "transversal" ou "vertical".
Na dimensão "transversal":
Oporíamos muito esquematicamente a síndrome frontal, tal como é encontrada na doença de Pick, e o comprometimento preferencial de região têmporo-parietoccipital, como foi descrita na doença de Alzheimer.
– A síndrome "frontal"
Ainda que pareça caricatural descrever o lobo frontal como o lobo da inteligência, seu comprometimento parece, todavia, responsável por uma alteração acentuada das funções intelectuais mais elaboradas; observa-se, em particular, um prejuízo das capacidades de abstração e de associação, e um déficit da aquisição e do julgamento, notadamente com redução do senso crítico; o sujeito "frontal" não consegue tomar distância em relação à situação, que só apreende parcialmente, e seu pensamento é aderente e perseverador. Observamos, ao contrário, a relativa discrição dos distúrbios mnésicos por lesão moderada, que não cria em particular grandes esquecimentos, mesmo quando a indiferença, a apreensão precária das situações e o distúrbio das associações vão, pouco a pouco, alterando a memorização e a evocação; observa-se ainda a ausência de distúrbios da orientação temporoespacial, manifestos no início da evolução, sem alteração da vigilância, e a ausência de distúrbios das funções simbólicas.
Essa preservação, ao menos parcial, das capacidades intelectuais operatórias, no início da evolução da lesão de predominância frontal, tal como é encontrada, em particular, na doença de Pick, parece poder explicar a eficiência intelectual relativamente preservada nos testes psicométricos, ao passo que o comportamento demencial já pode evidenciar-se no plano clínico.
Entre os distúrbios afetivos, observa-se essencialmente um fundo de apatia, de abulia e de indiferença, sobre o qual sobrevêm acessos mais ou menos prolongados de estados atípicos de hipomania (estados de "moria" em que as reflexões são muitas vezes menos presas ao real do que no maníaco) e fases de depressão caracterizadas, sobretudo por estados astênicos e acinéticos. Convém notar ainda a irritabilidade, que é precoce e freqüentemente acentuada. Os distúrbios afetivos de aparência neurótica ou psicótica são raros e o quadro psiquiátrico encontrado nas lesões de predominância frontal impressiona por seu caráter bastante unívoco e por sua monotonia, o que o opõe de maneira bem nítida ao quadro geralmente muito rico que se observa nas lesões têmporo-parietoccipitais.
– A síndrome "têmporo-parietoccipital"
Podemos descrever distúrbios intelectuais que se caracterizam: pela importância do déficit mnésico, que é global, afetando prefencialmente as estruturas espaciais e temporais nas lesões direitas, verbais e simbólicas nas lesões esquerdas; pela freqüência da desorientação temporoespacial, em particular nos comprometimentos temporoccipitais direitos; pela presença de distúrbios das funções simbólicas (afaso-apraxo-agnosia). O conjunto desses déficits operatórios e instrumentais explica o rápido decréscimo da eficiência intelectual que aparece nesse tipo de lesões, como ocorre em particular na doença de Alzheimer, onde, muito cedo, os testes psicométricos evidenciam uma deterioração significativa. Entretanto, as funções intelectuais superiores são mais tardiamente afetadas do que nas lesões frontais, e o julgamento, em particular, é relativamente conservado nas formas iniciais, o que explica a preservação da consciência que o paciente tem de seus distúrbios e seus déficits, e todas as reações afetivas que ela origina (tendência à reação "catastrófica", "perplexidade" etc.).
Os distúrbios afetivos caracterizam-se, diversamente dos apresentados na síndrome frontal, por sua riqueza e seu polimorfismo, que podem levar a evocar qualquer distúrbio de tipo neurótico ou psicótico. Observam-se assim estados depressivos e ansiosos, que podem ser reativos à consciência do déficit, uma labilidade emocional de aparência neurótica, com hiperemotividade ansiosa, e distúrbios psicossensoriais, alucinósicos ou alucinatórios variados. O Rorschach freqüentemente evidencia, nesses casos, os sinais orgânicos associados a traços psicóticos, ao passo que eles estão mais amiúde ausentes quando as lesões permanecem puramente frontais.
Na dimensão "vertical":
Os dados concernentes às eventuais correlações entre o tipo de atrofia (cortical, subcortical ou córtico-subcortical) e a importância e natureza dos distúrbios psiquiátricos observados ainda estão sujeitos a cautela, sendo freqüentemente contraditórios.
Para numerosos autores, o grau de alteração intelectual estaria mais estreitamente correlacionado com a importância da atrofia cortical do que subcortical. Isso nada faria além de confirmar a noção clássica do córtex cerebral integrador, substrato da inteligência. Entretanto, os dados fornecidos pelas neuroimagens, prestam-se mal a essa simplificação.
Assim, a correlação é mais estreita entre a importância dos distúrbios cognitivos e o grau de atrofia córtico-subcortical do que cortical pura. Além disso, uma freqüência não desprezível de casos em que o alargamento dos sulcos corticais não é acompanhado por déficit intelectual, nem mesmo psicométrico. Ademais, os estados demenciais são observados nos casos de atrofia subcortical pura, embora a "demência subcortical" seja mais caracterizada por uma lentificação dos processos cognitivos do que por sua alteração propriamente dita.
Quanto aos distúrbios afetivos, os dados são ainda menos claros. Os mais interessantes parecem relacionar-se com a atrofia evidenciada em certos distúrbios esquizofrênicos ou esquizofreniformes. Assim, a freqüência das atrofias cerebrais essencialmente subcorticais visualizadas nos casos de "esquizofrenia" de forma deficitária. Para numerosos autores parece existir uma nítida correlação entre a importância do tamanho dos ventrículos cerebrais e o grau do "déficit" esquizofrênico, ao passo que não existe diferença significativa no tamanho dos sulcos corticais.