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Por que Lacan?

Autor de importância singular, J. Lacan cada vez mais encontra-se em destaque para todos aqueles que ocupam-se das psicoses e da psicanálise como um todo.
Muito embora fique claro para quem tenha entrado em contato com os textos lacanianos, a sua dificuldade de compreensão, uma vez que apresentam grande complexidade conceitual,além de terem sido escritos em estilo elíptico, pensamos serem eles essenciais para todos aqueles que, como eu, militam na área clínica da psicanálise.

Sobretudo no campo das psicoses, tornou-se um autor indispensável para à sua compreensão em maior profundidade.

Lacan cursou a faculdade de medicina e, quando de seu doutoramento, escreveu e publicou o seu primeiro trabalho, o qual apresentava como título: " A Psicose Paranóica e Suas Relações com a Personalidade ". Sabemos que a sua tese foi orientada pelo reconhecido psiquiatra Henri Claude, chefe de clínica do hospital parisiense de Saint -Anne.

Históricamente, sabemos que essa tese foi práticamente desconsiderada pelo meio médico da época. Mas, por um outro lado, a mesma tese foi extremamente elogiada através da revista: "O Surrealismo a Serviço da Revolução" e, principalmente pelas resenhas assinadas pelo poeta René Crevel, além de Salvador Dali, o qual também havia publicado um artigo sobre: "A Paranóia e a Produção Estética". Lacan também recebeu uma menção muito elogiosa do escritor Paul Nizan, contida no jornal comunista "L'Humanita".

Isso posto, entendemos que Lacan traçou o seu percurso em direção da constituição de uma teoria que pudesse reunir simultâneamente a clínica, a reflexão social, além da tematização da produção estética. A tese de Lacan, foi denominada à época, de psicogênica e afirmava que :" Na ausência de qualquer déficit detectável através das provas de capacidade (memória, motricidade, percepção, orientação e discurso), assim como na ausência de qualquer lesão orgânica apenas provável, existem distúrbios mentais que relacionados, segundo as doutrinas, à "afetividade", ao "juízo", à "conduta", são todos eles distúrbios específicos da síntese psíquica.

Acompanhando o percurso de Lacan, observamos que mais tarde ele mesmo se afastará da postura psicogênica, porém é importante observarmos também que esse distanciamento visava poder afastar-se da "relação de compreensão", tal como fora desenvolvida pelo psiquiatra e filósofo Karl Jasper.

Para Lacan, a paranóia é entendida como sendo uma das três categorias nosográficas inerentes à estrutura psicótica, sendo que as duas outras são a esquizofrenia e a melancolia. Na paranóia encontramos a produção sistemática de delírios e alucinações.

Atualmente, se verificarmos o DSM-IV, a paranóia aparece como se constituindo num sub-tipo da esquizofrenia. Para Lacan, apenas o processo de formação da personalidade poderia chegar a explicar a psicose paranóica.

Formação da Personalidade: o que entende-se aqui por formação da personalidade, são as dinâmicas de socialização, as quais visam o processo de individuação. Isto, no dizer de Lacan, determinaria a "história vivida do indivíduo", ou ainda a sua "história psíquica". Desta forma, abre-se uma possibilidade de se encarar o paralelismo objetivado pela clínica, já não mais entre o mental e o orgânico, mas sim entre o mental e o social.

Lacan, ao longo de sua trajetória, defendeu sempre que a verdadeira psiquiatria, só poderia ser uma ciência da personalidade. Isso denota que ele não se sentia ameaçado pelo materialismo organicista, chegando a sugerir algo como um materialismo histórico aplicado às clínicas dos fatos mentais.

Gênese da Personalidade e Socialização: Nesse momento histórico, podemos observar que Lacan, em conjunto com a tendência psicanalítica, entende a socialização e a formação da individualidade, a partir dos processos de identificação. No entanto, devem os também entender esse movimento como constituindo uma espécie de alienação, no sentido de que a essência do indivíduo, fica fora dele, ou seja, ele tem o seu modo de pensar e de desejar, constituído por um "outro".

Específicamente na teorização freudiana, podemos encontrar a menção de que toda socialização é alienação. Para Freud, existe algo anterior à socialização, algo que não constitui ainda um EU, mas sim um corpo libidinal polimorfo e inconsistente.

Gostaríamos, nesse momento do trabalho, de estabelecer um paralelismo entre a socialização como uma espécie de alienação e o excelente trabalho de Piera Aulagnier -Spairani e, cujo título é " A Violência da Interpretação ". Assim, o "outro" interpreta, lê o mundo para a criança e, nesse sentido, a interpretação é violenta e repressiva, embora também imprescindível para que a criança se constitua como "humana".

Lacan, nesse momento de produção teórica, necessita encontrar uma causa que permita dar conta de como as reversibilidades de um processo identificatório, são vivenciadas de maneira tão traumática pelo indivíduo paranóico. Entendemos que o que faz Lacan é formular a noção de uma fixação no desenvolvimento da personalidade. Em seqüência, Lacan indicará como tal processo está vinculado à uma outra identificação, a qual advém da lei social ordenadora e é representada pela função paterna.

Argumento Lacaniano: Na paranóia, essa segunda identificação não ocorre, havendo sim uma fixação que impede o sujeito de atravessar as relações de rivalidade e alienação, com aquilo que lhe aparece como sendo o "ideal".

Nota Importante: O que fica pra nós é que Lacan estaria muito mais interessado em uma psicanálise do EU, do que em uma psicanálise do inconsciente, Tanto é verdade que a causalidade da psicose paranóica, foi descrita através de uma teoria das identificações, além da gênese social da personalidade, que em nenhum momento necessitou de um apelo direto à noção psicanalítica de inconsciente. Na verdade, sabe-se que durante algumas décadas, Lacan considerou o conceito de inconsciente como sendo supérfluo. Apenas depois de seu contato com o inconsciente estrutural de Claude Lévi-Strauss, já no início dos anos 50, que verificaremos que Lacan "retornará" ao conceito de inconsciente freudiano.

Para aqueles que estejam iniciando seu percurso pela estrada infinita da psicanálise, não aconselhamos a leitura dos trabalhos de Lacan. Entendemos que para que essa leitura possa ser realizada de forma produtiva, muitos caminhos terão que ser percorridos no sentido de se poder dar conta do edifício teórico da psicanálise freudiana. Lacan muito afirmou que o que ele propunha era um "retorno a Freud", contudo se formos Lê-lo de forma desavisada, teremos provávelmente a sensação de que estamos indo num encontro sem volta com Lacan, tamanha a "aparente" complexidade dos seus escritos. No entanto repito: em algum momento a sua leitura se fará indispensável para todos aqueles que se pretendam psicanalistas.

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