As mães em suas famílias passam a constituir um modelo ideal fechado: basta se casar e ter filhos para a mulher se despojar de sua humanidade, receber o cetro e a coroa e desfrutar de seus poderes maternos. Freud foi um dos pensadores que ajudaram a esclarecer esta ingênua e romântica crença ao possibilitar que a mulher pudesse fugir deste único destino e desvendar os desajustes desta estrutura familiar. Ao se confrontar com a dimensão inconsciente do funcionamento humano ele apontou a divisão de nossa subjetividade e revelou a vinculação íntima entre civilização e barbárie, progresso e sofrimento, liberdade e infelicidade. Vivemos em um permanente conflito entre nossos desejos sexuais e agressivos e a repressão necessária a estes para o convívio social. Produzimos cultura em um esforço permanente de dominar a natureza e regular nossas relações. Nossos sonhos, desejos e fantasias não têm nenhum compromisso com verdades históricas ou com leis instituídas.
A lei da cultura é um grande pacto de um toma-lá dá-cá, em que nos comprometemos a reprimir nossos estranhos desejos para nos tornarmos sócios de uma sociedade humana. Não existem desejos “naturais” humanos: eles nascem a partir de uma complexa trama de violências, tristezas, ciúmes e anseios amorosos vividos na infância, precisam buscar às duras penas um destino extra familiar e submeterem-se por meio de compromissos e renúncias às regras civilizatórias.Mas são principalmente nossos sintomas quem revelam a ilusão de uma organização subjetiva humana coesa e razoável: em geral negamos uma parte importante e reprimida de nós mesmos que é colocada fora em figuras que criamos e utilizamos para seguir carregando o que não podemos suportar em nós.
Os contos de fadas e a literatura infantil são exemplos interessantes desta divisão insistente. Criamos figuras do Bem e do Mal que ocupam lugares diferentes para que nossas crianças possam vir a se identificar somente com fadas, princesas meigas e generosas ou príncipes heróis e justos. É assim que a figura das madrastas más, perversas e ciumentas, sempre às voltas com o desejo de expulsar os seus ou as suas enteadas para finalmente poderem ter a exclusividade de seu homem, são apenas projeções de nossos desejos inconfessáveis. É entre estes dois mitos, a mãe sublime e a madrasta má, que nós mulheres podemos compor uma maternidade possível.