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A depressão na criança e no adolescente: um breve estudo e um olhar atento

Depressão
  
“Foi a pior experiência da minha vida. Mais terrível mesmo do que ver minha mulher morrer de câncer. Tenho vergonha de admitir que minha depressão foi para mim o pior que sua morte, mas é verdade. Eu me encontrava num estado que não apresentava nenhuma semelhança com nada que já tivesse vivenciado antes. Não era só a sensação de estar muito desanimado, deprimido no sentido em que a palavra é usada normalmente. Eu estava gravemente enfermo. Estava totalmente absorto em mim mesmo, negativo e pensando em suicídio a maior parte do tempo. Não conseguia pensar direito, muito menos trabalhar, e queria ficar enrodilhado na cama o dia inteiro. Não conseguia andar de bicicleta nem sair sozinho. Tinha crises de pânico quando me deixavam só.(…) O futuro era desesperador. Estava convencido de que nunca me recuperaria nem voltaria a trabalhar. Era forte o medo de que pudesse estar enlouquecendo”.

(Trecho extraído do livro ‘Tristeza Maligna – Anatomia da Depressão’, de Lewis Wolpert)

1. Introdução

Segundo Freud, o advento da Era Glacial representou o momento em que o Homem desistiu de ser integrante ativo da natureza. Toda energia do então hominídeo que estava investida na natureza foi direcionada para ele mesmo, agora Homem. Esse excesso de energia causou a primeira sensação de angustia e isso é o que chamamos de dor, e essa dor é uma forma de angustia irrepresentável. Essa experiência deixou marcas em algum lugar do corpo. Quando esse Homem se encontrar em uma situação de perigo, ele sentirá essa mesma dor. Dessa forma, colocada de uma maneira extremamente simplista, fundou-se o psiquismo. Cada momento marcante da evolução do homem a partir do momento em que sentiu a dor da angústia significou uma modalidade psicopatológica.

Na contemporaneidade presenciamos uma sucessão rápida de transformações culturais, sociais e políticas. Tais situações geram dificuldades para compreendermos o real e nos articularmos na diversidade e na complexidade decorrente dessas mudanças. O Homem passou a ter cada vez mais dificuldades em organizar-se e localizar-se diante da realidade do mundo, gerando a sensação de falta de controle e imprevisibilidade dos fatos vividos, criando-se um terreno psíquico fértil e favorável para o desenvolvimento de diferentes transtornos psicopatológicos, como uma maneira do indivíduo lidar com essa vivência interna de desconforto. Atualmente, dentre os transtornos mais comuns, são dramáticas as estatísticas referentes à incidência do aumento de casos de transtornos de humor em nossa sociedade.

Segundo a OMS, duzentos milhões de pessoas apresentam manifestações depressivas, sendo que houve um aumento considerável, em torno de 65%, nas prescrições de tranqüilizantes e antidepressivos na população mundial nos últimos cinco anos. Para Seligman (1977), o indivíduo depressivo acredita, ou aprendeu, que não tem controle sobre várias situações de sua vida que poderiam aliviar sofrimentos, trazer satisfações, em resumo, ele crê-se desamparado. As depressões endógenas, embora não sejam desencadeadas por um evento que explicitamente provoque desamparo, podem também favorecer o desenvolvimento de crenças de desamparo.A maioria dos estudos, em psicopatologia, voltam-se para o desenvolvimento de classificações nosológicas, pois geralmente estão ainda alicerçados em uma postura epistemológica voltada para a busca de ‘certezas’ e ‘verdades’ acerca dos fenômenos humanos.

Até hoje, o homem vem utilizando-se de uma epistemologia objetivista para compreender o mundo, isto é, uma teoria do conhecimento que assume a possibilidade de se alcançar métodos corretos, a neutralidade do conhecedor no estudo dos fenômenos e a possibilidade de um conhecimento da realidade objetiva. Tais concepções fazem parte do que se convencionou chamar de Projeto Epistemológico Moderno (Figueiredo, 1995). Atualmente, vem-se questionando tal projeto, pois este não consegue abarcar toda a complexidade do mundo.
 

2. Transtornos de Humor

A depressão foi considerada a principal doença psiquiátrica do século, afetando aproximadamente oito milhões de pessoas só na América do Norte (onde são feitas as principais pesquisas). A morbidade da depressão se reflete no fato de que os adultos deprimidos são 20 vezes mais propensos a morrer de acidentes ou de suicídio do que adultos sem transtorno psiquiátrico.  Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde, acomete 4% da população.

As doenças estudadas sob essa ótica resultam em incapacitação para o trabalho, suicídio, problemas médicos secundários, comprometimento da vida familiar, além de muito sofrimento para o paciente, torna-se fundamental a atuação de todos os médicos, independente de suas especialidades, no sentido do diagnóstico, tratamento e prevenção precoce.A neurotransmissão, no nível sináptico, continua sendo a área mais promissora no sentido de se desvendar os mecanismos fisiopatológicos subjacentes às depressões e os mecanismos de ação dos medicamentos. Todavia, apesar do intenso esforço científico, há talvez, mais dúvidas do que conclusões devido à complexidade dos sistemas neurotransmissores. As hipóteses iniciais de falta de noradrenalina ou de serotonina na sinapse foram substituídas pela sub-sensibilidade dos receptores pós-sinápticos, mecanismo mais em acordo com o tempo de latência do efeito dos medicamentos antidepressores. É de se prever que esse novo mecanismo vá, em breve, ser superado por outro ou por outros, dada a rapidez com que os conhecimentos se modificam nessa área. Tem havido progresso também, na explicação psicossocial da depressão. Investigações com metodologia complexa e rigorosa têm demonstrado a importância de fatores como número de filhos, perda do pai ou da mãe na infância e falta de uma relação afetiva íntima, na gênese das depressões. 

2.1 Classificação e Quadro Clínico

O sistema mais empregado atualmente é a DSM IV (Diagnostic and Statistical Manual IV) da Associação Americana de Psiquiatria, a seguir pontuarei como esse sistema classifica as depressões.De acordo com o DSM-IV, os sintomas da Depressão se caracterizam por:a) Humor deprimidoUm forte sentimento de tristeza, desesperança em relação ao futuro, falta de ânimo frente à quase todas as situações são sintomas comuns apresentados pela pessoa deprimida. Muitas vezes, o indivíduo relata estar se sentindo "vazio". b) Perda de interesseO indivíduo não apresenta desejo em realizar atividades anteriormente consideradas agradáveis (por exemplo: prática de esportes, lazer, etc.), observando-se um retraimento social. Algumas pessoas apresentam uma diminuição significativa no interesse sexual.c) Alterações no apetite e/ou no pesoEmbora na maior parte dos casos o apetite se apresente reduzido, alguns indivíduos têm avidez por alimentos específicos como doces ou carboidratos. De acordo com a alteração no apetite, pode ocorrer perda ou ganho significativo de peso.d) Distúrbios do sonoA maioria das pessoas acometidas pela depressão apresenta insônia, com dificuldades na conciliação e/ou manutenção do sono. No entanto, há aquelas que sofrem de hipersônia, uma necessidade excessiva de sono durante grande parte do dia.e) Retardo ou agitação psicomotoraHá pessoas que apresentam um retardo psicomotor, com lentificação da fala, pensamento e atividade corporal, em geral nota-se a diminuição significativa do volume da voz ou da variedade de assuntos, podendo chegar ao mutismo. Por outro lado, outros indivíduos podem apresentar agitação psicomotora, não conseguindo se manter parados em um só lugar.f) Fadiga e perda energia.

É muito comum a pessoa deprimida se sentir cansada mesmo sem ter feito esforço físico algum. Dessa forma, tarefas simples, como tomar banho e vestir-se, se tornam exaustivas e podem levar o dobro do tempo normal para serem concluídas.g) Sentimento de inutilidade ou culpaHá um forte rebaixamento da auto-estima, estando o indivíduo sob a tendência de se avaliar de forma negativa, interpretar erroneamente eventos corriqueiros, e de se sentir culpado por adversidade de forma exacerbada, mesmo não possuindo responsabilidade sobre tais situações.h) Dificuldades de concentração e na tomada de decisõesO indivíduo se distrai facilmente e se queixa de problemas de memória. Dessa forma, pode apresentar forte dificuldade em tomar decisões simples ou concluir tarefas cotidianas.i) Pensamentos de morte ou ideação suicidaA depressão pode trazer pensamentos relacionados à morte, chegando até a ideação suicida.

Estes sintomas ocorrem na maioria das vezes em decorrência da sensação de inutilidade ou da falta de esperança quanto ao futuro. A ideação suicida deve ser cuidadosamente observada pela família e pelos profissionais que assistem o paciente, por representar risco real. 2.2 Outros Transtornos de Humor: A depressão é um dos Transtornos de Humor, podendo se manifestar de diferentes formas. Veja a seguir as diferenças entre os principais distúrbios de humor.  

Depressão MaiorPara o diagnóstico de Depressão Maior, segundo o DSM-IV, o indivíduo precisa apresentar pelo menos cinco dos sintomas descritos anteriormente, por um período de no mínimo duas semanas. Dentre os sintomas, pelo menos um deve ser o humor deprimido ou a perda do interesse ou prazer. O quadro precisa causar prejuízo significativo nas atividades sociais, ocupacionais e de lazer do indivíduo. A Depressão Maior pode ser manifestada apenas por um único episódio, ou ser recorrente. DistimiaA Distimia se caracteriza por um humor cronicamente triste ou deprimido na maior parte dos dias, na maioria dos dias, por no mínimo dois anos. Os distímicos descrevem seu humor como triste ou "na fossa", o que muitas vezes é confundido com características de personalidade. É comum que a Distimia não seja diagnosticada e que o paciente se reconheça como tendo sido sempre "mal humorado" e irritado. A sintomatologia é em geral semelhante a da Depressão Maior, de forma menos intensa, excluindo-se a ideação suicida. A Distimia tem início insidioso, ou seja, instala-se lentamente ao longo do tempo.

A pessoa com Distimia, também pode apresentar um episódio depressivo maior em algum momento da vida. Transtorno de Humor Bipolar IAnteriormente chamado de Psicose Maníaco-Depressiva, o Transtorno de Humor Bipolar I caracteriza-se pela ocorrência de no mínimo dois episódios de mudança brusca de humor, nos quais o indivíduo apresenta uma perturbação nos níveis de humor e atividade. O período de duração média de um episódio maníaco gira em torno de quatro meses, enquanto que o episódio depressivo pode durar mais tempo, cerca de seis meses. 

O quadro se manifesta por mudanças abruptas do humor, ou seja, há ocasiões em que ocorre elevação significativa dos níveis de humor, da energia e da atividade (episódio maníaco), seguidas de outras em que há rebaixamento destes mesmos níveis (depressão). O aumento da energia no episódio maníaco vem caracterizado por uma hiperatividade, fala excessiva (logorréia), diminuição da necessidade do sono, grandiosidade e otimismo excessivo. O indivíduo acredita ser capaz de realizar atos inimagináveis, relata ter várias habilidades, gasta dinheiro em excesso, entre outros. Já no episódio depressivo ocorre o processo contrário, podendo o paciente apresentar até mesmo ideação suicida.Transtorno de Humor Bipolar IIA característica essencial do Transtorno Bipolar II é um curso clínico marcado pela ocorrência de ciclos rápidos de Depressão, acompanhado por pelo menos um Episódio Hipomaníaco. Estes ciclos podem se alternar de uma semana para outra, de um dia para outro, ou até num mesmo dia. Aproximadamente 5 a 15% dos indivíduos com Transtorno Bipolar II têm múltiplos (quatro ou mais) episódios de humor (Hipomaníacos ou Depressivos Maiores) que ocorrem dentro de um mesmo ano.

Embora a maioria dos indivíduos com Transtorno Bipolar II retornem a um nível plenamente funcional entre os episódios, aproximadamente 15% continuam apresentando humor instável e dificuldades interpessoais ou ocupacionais.Depressão na Criança e no AdolescenteHá cerca de três décadas, ainda não se pensava sobre a possibilidade de crianças e adolescentes desenvolverem um quadro depressivo. Atualmente, pesquisadores confirmam que qualquer grupo etário está suscetível à depressão. No entanto, há que se atentar para a sintomatologia de acordo com cada faixa do desenvolvimento humano. Em crianças e adolescentes, acrescentam-se ao quadro sintomatológico o humor irritável, mudanças repentinas de comportamento que se torna desafiador e queixas de sintomas físicos sem causa aparente, como cefaléias, dor abdominal, náuseas, etc. Já em crianças mais novas, por não terem habilidade para comunicar suas verdadeiras emoções, é comum se observar mudança no comportamento geral seja no sentido do aumento (hiperatividade), ou na diminuição do contato (distanciamento e apatia).

Mudanças abruptas no comportamento da criança ou do adolescente devem ser cuidadosamente observadas. Essas alterações incluem a dificuldade de adaptação social, altos níveis de irritabilidade, agressividade e oposição à autoridade. Depressão no IdosoOs distúrbios afetivos com alterações do humor são as principais psicopatologias que acometem os idosos. A prevalência da depressão é muito maior em indivíduos de idade avançada do que em qualquer outra faixa etária. Cerca de 15% da população idosa apresenta sintomas depressivos, enquanto que em indivíduos na fase adulta os índices giram em torno de 5 a 9% para mulheres, e de 2 a 3% para homens (OMS, 1995). As mudanças psicossociais decorrentes do avanço da idade, (como se tornar dependente dos filhos ou o aparecimento de doenças), são a principal causa de depressão em idosos, principalmente nos homens.

A dificuldade em processar as emoções e os sentimentos também pode fazer com que o paciente geriátrico não perceba as alterações em seu estado de ânimo, e direcione suas atenções apenas aos sintomas físicos. Isto faz com que a avaliação e o diagnóstico da depressão no idoso nem sempre sejam realizados de maneira adequada. Ao se avaliar um paciente idoso do ponto de vista clínico, o profissional deve sempre levar em consideração a ocorrência de depressão, pois ela pode se apresentar como diagnóstico diferencial ou associado em diversos quadros. É freqüente a observação de sintomas depressivos em idosos com importantes afecções físicas. Ainda, se a depressão não for tratada adequadamente, pode dificultar o processo de recuperação da enfermidade física, prolongar o período de hospitalização e provocar o aumento do índice de mortalidade.A DSM IV começa com a definição de "Episódio Depressivo Maior" o qual pode, depois, ser qualificado de acordo com outras subcategorias.

Diagnóstico Diferencial

Muitas doenças orgânicas podem manifestar-se inicialmente com sintomas depressivos como, por exemplo, hipotireoidismo, certos tipos de câncer e demências. Na avaliação de um determinado caso, causas orgânicas devem ser afastadas através de uma boa anamnese, exame físico e eventuais exames complementares. Isso é particularmente importante quando a depressão tem início após os quarenta anos de idade.

Afastadas as causas orgânicas o clínico terá de distinguir a depressão de outras doenças mentais. O diagnóstico diferencial mais difícil ocorre com certas Desordens de Ansiedade principalmente quando contrastadas com a Desordem Distímica. A diferenciação entre humor depressivo e ansioso é muitas vezes difícil.

Para complicar o diagnóstico diferencial são comuns as chamadas depressões secundárias, depressões que aparecem depois, ou na vigência de outras doenças mentais ou orgânicas. São freqüentes, também em doenças crônicas como a artrite reumatóide, doença cardiovascular, colite ulcerativa, etc… A palavra secundária presta-se a dois significados com importantes conseqüências científicas e práticas – por causa de ou depois de – sendo que o primeiro ainda pode ser subdividido em reação psicológica ou manifestação do mesmo processo.

Na Desordem de Pânico é freqüente a depressão secundária que pode corresponder a um quadro de "desmoralização" face às limitações impostas pelas fobias derivadas dos ataques de pânico, ser devida à mesma "diátese" que produz os ataques ou, ainda, ser uma ocorrência independente.

O uso de drogas, álcool ou doenças mentais ou orgânicas pode, também, pelo menos em tese, produzir alterações bioquímicas ao nível de receptores capazes de justificar uma depressão. No caso da Doença do Pânico, por exemplo, descargas noradrenérgicas freqüentes poderiam induzir hiper-sensibilidade dos receptores pós-sinápticos, um mecanismo muito em voga atualmente para explicar a depressão.
 

3. Medicamentos para depressão

De acordo com pesquisas e estudos (Almeida & Lotufo Neto, publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, Vol 25, número 4. Outubro 2003), o impacto global

da depressão maior tem sido grandemente subestimado. Relatam que em recente estudo promovido pelo Banco Mundial e a Organização Mundial de Saúde, ”The Global Burden of Disease”, ficaram evidentes os devastadores efeitos da depressão maior em todo mundo. A depressão foi a quarta maior causa de incapacitação, sendo responsável por de 10% dos anos vividos com incapacitação em todo o mundo. As projeções para as próximas décadas são que essas cifras se tornem ainda mais expressivas, apontando para as necessidades, entre outras medidas, da disponibilidade de terapias psicológicas seguras e efetivas.

Para a depressão, os médicos psiquiatras prescrevem normalmente medicamentos a base de fluoxetina, cujo elemento químico o cloridrato de fluoxetina e seu suposto mecanismo de ação é um inibidor seletivo da recaptação da serotonina. Para o uso em crianças a eficácia e segurança ainda não foram estabelecidas, quanto a ideações suicidas, é colocado na bula do medicamento que a possibilidade de uma tentativa de suicídio é inerente à depressão e pode persistir até que ocorra remissão significativa, para isso, recomendam uma supervisão cuidadosa e constante aos pacientes de alto risco que deverá ser feita no início do tratamento com o produto, além de evitar prescrever ou deixar grande quantidade de medicamento junto ao paciente.

A fluoxetina ainda tem, como qualquer droga psicoativa, efeitos adversos como a interferência nos desempenhos cognitivos e motor podendo prejudicar o julgamento, pensamento ou ação, e os pacientes devem ser alertados quanto a operar máquinas e dirigir automóveis, até que tenham certeza de que seu desempenho não foi afetado. Ainda sobre os efeitos adversos, a fluoxetina tem como reações mais comumente observadas a ansiedade, insônia, sonolência, fadiga, astenia, tremor, o nervosismo e problemas gastrintestinais, incluindo anorexia, náuseas e diarréia.

Para a maioria das pessoas com depresssão, esta é uma enfermidade recorrente e crônica. Um grande desafio que se tem colocado frente aos profissionais de saúde mental é a preservação do bem estar após a recuperação de um episódio depressivo. Para tanto, o uso de antidepressivos eficazes na fase aguda é continuado por ao menos 20 semanas, sendo a fase de continuação, que tem por fim a recaída dentro de um mesmo episódio depressivo. O prosseguimento do uso de antidepressivos por tempo indeterminado traz uma série de problemas, como custo financeiro, baixa aderência, efeitos colaterais, falta de estudos sobre as conseqüências no uso prolongado das medicações, entre outros.

4. Pesquisas e propostas de tratamento

Recentes estudos patrocinados pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA e conduzido por Graham Emslie, professor de psiquiatria do Centro Médico da Universidade do Sudoeste do Texas, tiveram excelente acolhida por parte da comunidade médica e científica do país, pelo universo pesquisado e pelos resultados obtidos que vieram atestar a eficiência da combinação do emprego de antidepressivos com a aplicação de psicoterapia em crianças e adolescentes.
Esse trabalho durou seis anos e envolveu 439 adolescentes, de 12 a 17 anos, que tinham depressão moderada ou grave. Eles receberam o medicamento Prozac® (fluoxetina). Após três meses, os pesquisadores encontraram que 71% dos pacientes que conjuntamente ingeriram a fluoxetina e fizeram terapia tiveram uma boa resposta ao tratamento, comparada aos 61% dos que receberam apenas a fluoxetina, 43% só fizeram a terapia e 35% que receberam placebo.

Nos casos pesquisados foi empregada a psicoterapia comportamental cognitiva – abordagem psicológica desenvolvida pelo norte americano Aaron Beck especificamente para o tratamento de pacientes com depressão, onde tem como técnica central à tentativa de refazer os esquemas mentais, os pensamentos distorcidos (autodepreciação, medo e pessimismo), ao mesmo tempo em que atua na mudança de comportamento combatendo o isolamento, a falta de atividade e a agressividade. Este tipo de tratamento tem um tempo limitado que varia entre 16 a 20 sessões e procura, sobretudo, conscientizar sobre as características da doença e como enfrentá-la adequadamente.

A teoria comportamental-cognitiva defende a existência de um transtorno de pensamento no cerne das síndromes psiquiátricas como depressão e ansiedade. Esse transtorno se refletiria em um modo distorcido de interpretar as diversas situações do cotidiano, que determinaria sentimentos e comportamentos disfuncionais. A avaliação realista e modificação dos pensamentos distorcidos resultariam numa melhora de humor e do comportamento. A melhora duradoura resultaria da modificação das crenças disfuncionais básicas dos pacientes (Beck, 1997).

5. Ideação suicida

O estudo também indica que diminuiu o risco de suicídio nos adolescentes pesquisados, e isso toca no ponto polêmico do tratamento da depressão com medicamentos. Recentemente o FDA (Food and Drug Administration) – órgão que controla alimentos e medicamentos nos EUA – determinou que as embalagens dos antidepressivos exibissem um alerta para o risco de suicídio no início da administração desse tipo de droga, pois a “ingestão de antidepressivos podem aflorar tendências suicidas na fase inicial do tratamento, especialmente em crianças e adolescentes” (FDA, 2002). O risco existe de fato e não exime crianças e adolescentes. Esses antidepressivos tiram o jovem do estado de grande debilidade. Ele sai da cama com disposição para a ação, porém continua deprimido, e essa ação pode ser a tentativa de suicídio.

Na falta de medicamentos especialmente desenvolvidos, meninos e meninas estão tomando os mesmos antidepressivos que seus pais e avós.

Fazendo um recorte da obra de Holmes (1994), existem alguns mitos sobre o suicídio tais como “As pessoas muito deprimidas cometem suicídio”. Holmes pontua que tal afirmação não traduz a verdade, pois, muitas pessoas que cometem suicídio estão deprimidas, mas pessoas muito deprimidas freqüentemente não têm energia suficiente para cometer o suicídio e amiúde cometem suicídio quando estão melhorando.

A trajetória de um suicida em potencial percorre os seguintes passos:

1. Ruminação com a idéia de morte como algo concreto, mas genérico;

2. Pensamentos sobre o que aconteceria com ele próprio na hora da morte e depois dela;

3. Passa a imaginar o que poderia fazer para provocar a própria morte;

4. Planejamento concreto do que fazer para provocar a própria morte;

5. Tentativa de suicídio, bem sucedida ou não.

Com o estudo realizado vem a comprovação daquilo que a prática clínica já tinha demonstrando, ressaltando a importância por intermédio de terapia para detectar e evitar a tendência suicida que predomina entre os jovens resgatando-os a uma vida normal, aliás, a principal causa de morte entre 10 e 19 anos nos paises desenvolvidos é o suicídio. Torna-se recorrente entre médicos psiquiatras a recomendação de acompanhamento sistemático do jovem doente, sendo que o controle deve ser rigoroso. Tanto o médico quanto o psicoterapeuta deverão detectar se existe alguma ideação da morte ou se há algo mais grave nesse sentido e exatamente por esse motivo, o jovem menor de 18 anos com depressão deve de ter um acompanhamento médico de ao menos uma vez por semana, além do acompanhamento semanal psicológico.

5.1. O suicídio sob a ótica freudiana.

Freud escreveu que os suicídios poderiam ser considerados como assassinatos disfarçados. Sob essa ótica, o objetivo da pessoa suicida não é tanto a própria destruição, mas também a destruição de uma outra pessoa, algo perdido com quem se identificou. As pessoas que perdem um objeto amado introjetam o objeto como parte de si mesmas, como um meio simbólico de evitar a perda. Além de amar o objeto, no entanto, elas também odeiam o objeto por sua deserção ou rejeição. Essa raiva internalizada é considerada como a causa da depressão. A tentativa de suicídio pode então ser uma expressão da agressão contra o objeto internalizado ao invés de agressão contra o eu. Segundo Freud, o suicídio foi o ato final de raiva internalizada. Uma vez que a pessoa não está ciente dos sentidos agressivos em direção do objeto amado, os sentimentos não parecem ter nada a ver com o objeto ou a perda.

Existem algumas citações de críticos que sugerem que as pessoas que perderam um genitor durante a infância poderiam estar especialmente sobre o risco de depressão e suicídio. Segundo Bowlby (1973), nestes casos considera-se que o pesar e a fúria pelo abandono parental estão armazenados no inconsciente até uma experiência posterior a perda – rejeição romântica, divorcio, morte de alguém amado – disparar a libertação da dor e raivas reprimidas.
Freud também formulou a hipótese de que havia um instinto de morte cuja meta era retornar a pessoa conflitada ao estado de calma e não a existência da qual ela veio. Quando o instinto de morte tornava-se mais forte que o instinto de vida, isto em geral o mantinha no controle e o resultado era o suicídio (Freud, 1920/1955).
        

O suicídio sob a ótica existencial.

Pesquisando em algumas abordagens sobre o tema suicídio, deparei-me com um livro cujo título “Suicídio: Fragmentos de Psicoterapia Existência” de Angerami (1997), traz o pensamento da seguinte forma: “A violência é uma manifestação inerente humana tornando-se tarefa árdua a tentativa de questionar o seu surgimento no seio das reflexões contemporâneas sobre a ocorrência. E na medida em que o suicídio é um ato revestido de muita violência, seu esboço torna-se ainda mais abrangente por tratar-se de um processo de auto destrutividade. Uma forma que se não for mais aviltante que outras manifestações de violência é seguramente a mais polêmica e que encerra em si todas as angustias e sofrimento do homem atual”.

O autor coloca que até o morrer torna-se insuportável dessa forma, a violência e o suicídio são fatores interligados de uma mesma manifestação: o desespero humano.

Se levarmos à concepção estrita da filosofia, iremos constatar que o suicídio é um ato que questiona a existência de um modo drástico e definitivo. Existem outros questionamentos igualmente realizados no decorrer da vida, entretanto o mais cruel é aquele que coloca em xeque a validade da vida.

Segundo Algerami, a absurdidade da vida não suporta questões tão profundas e delicadas. Acreditando que o sentido da vida é determinado pelas realizações ao longo da existência, a questão torna-se ainda mais dramática. E, no sentido existencialista, a vida não tem sentido e é absurda, somos levados a buscar realizações significativas visando dar sentido e cor a essa existência.

Sartre coloca que somos a realidade de nossos fenômenos em tanto quanto o observamos na consciência. Dessa maneira, o suicídio é uma manifestação do Homem, mas não como afirmam alguns teóricos – de inconsciente e obscuro – ao contrário, assumida a condição de liberdade. O ser humano está condenado à liberdade. Condenado, porque não se criou a si próprio; e, no entanto livre, porque uma vez lançado no mundo, é responsável por tudo quanto fizer.

6. Depressão na Infância e na Adolescência

Depois de fazer esse painel geral sobre as diversas classificações dos Transtornos de Humor, medicamentos, efeitos colaterais e conseqüências, mais especificamente como o suicídio, caminharei para o objetivo desta minha escrita que é o de compreender melhor a depressão na Infância e na adolescência.O Transtorno Depressivo Infantil é um transtorno do humor capaz de comprometer o desenvolvimento da criança ou do adolescente e interferir com seu processo de maturidade psicológica e social. São diferentes as manifestações da depressão infantil e dos adultos, possivelmente devido ao processo de desenvolvimento que existem na infância e adolescência.A criança ou o adolescente acometido por algum tipo de depressão está bastante propenso a ter o seu desenvolvimento psicológico e social comprometido. O abuso de álcool ou outras drogas é, por exemplo, freqüente em adolescentes deprimidos, como uma forma de se livrarem dos sentimentos que os cercam. Pesquisas mostram que 5% das crianças e adolescentes na população geral apresentam um quadro depressivo em algum momento da vida (OMS, 1995), comprovando que não somente os adultos são suscetíveis aos transtornos de humor.

Tanto os quadros de Distimia quanto de Transtorno Afetivo Bipolar, podem surgir pela primeira vez durante a adolescência e o reconhecimento precoce de um estado depressivo poderá ter profundos efeitos na futura evolução da doença.Apesar da tamanha importância da Depressão da Infância e Adolescência em relação à qualidade de vida, ao suicídio, às dificuldades na escola, no trabalho e no ajuste pessoal, esse quadro não tem sido devidamente valorizado por familiares e pediatras e nem adequadamente diagnosticado.É importante o conhecimento do leigo sobre a Depressão Infantil. A partir dessa informação os pais podem ajudar em muito seus filhos quando são conhecedores de algumas informações sobre saúde e doenças das crianças. A Depressão Infantil freqüentemente passa despercebida no convívio familiar.

A criança fica isolada, muito quieta e às vezes os pais interpretam como "bom comportamento". A situação agrava-se quando chega a informação da escola que a criança não vem bem em termos de rendimento escolar. A partir deste momento a Depressão Infantil já está instalada e devem os pais imediatamente procurar ajuda profissional para iniciar o processo de intervenção. Na criança e adolescente a Depressão, em sua forma atípica, esconde verdadeiros sentimentos depressivos sob uma máscara de irritabilidade, de agressividade, hiperatividade e rebeldia. As crianças mais novas, devido à falta de habilidade para uma comunicação que demonstre seu verdadeiro estado emocional, também manifestam a Depressão atípica, notadamente com hiperatividade.Profissionais da área “psi” notam que a maioria dos pais não acata o diagnóstico de depressão em seus filhos. Para isso, os profissionais da saúde em muito contribuem, principalmente pediatras e psicólogos mais desavisados quando dizem aos pais que depressão na criança não existe.

É preciso mudar essa idéia. É necessário também alertar a todos para se falar das depressões na infância e adolescência, para que não sejam os próprios profissionais a fazerem afirmativas errôneas aos pais. A prevenção passa pelo conhecimento da dinâmica familiar. A prevenção ideal para a Depressão Infantil seria orientar os pais para estabelecerem laços mais afetivos com os filhos, estimulando-os em seu desenvolvimento psicossocial. Sabemos que é uma meta muito difícil de ser atingida, pois os problemas sociais e econômicos que essa família vivencia são alheios a sua vontade, que somados aos problemas conjugais e a separação dos casais, esses problemas aumentam consideravelmente, acarretando grandes conflitos nos filhos, principalmente, os menores.

São como podemos ver, problemas que geram causas, que na maioria das vezes, os próprios pais são impotentes para solucioná-los. Abaixo relaciono alguns sintomas de Depressão Infantil. As crianças que apresentem ao menos seis dos sintomas, no mínimo de duas semanas consecutivas, poderão estar apresentando um quadro de Depressão:

· Tristeza, mau humor, choro fácil;

· Desesperança em relação ao futuro;

· Idéias mórbidas sobre a vida;

· Perda de interesse por coisas de que gostava;

· Fobia escolar;

· Perda de energia física e mental;

· Parece chateada e sem energia;

· Prefere ficar sozinha;

· Sente-se insegura e incapaz de realizar tarefas simples;

· Demonstra culpa, acha que está fazendo tudo errado;

· Acha que ninguém gosta dela;

· Irritação, agressividade;

· Está mais distraída, com queda no rendimento escolar;

· Mudanças no apetite (ou come muito, ou não come);

· Perda ou aumento de peso;

· Alterações no sono (dorme demais ou tem insônia);

· Acorda cansada ou não consegue levantar da cama;

· Desenvolve pensamentos sobre morte, pessoas que já morreram ou adota comportamentos autodestrutivos;

· Tem queixas físicas (dor de cabeça, de barriga, ou em outras partes do corpo) sem que os médicos encontrem causas;

· Enurese e encoprese (urina ou defeca na cama);

· Ansiedade e hipocondria. Não é obrigatório que a criança depressiva complete todos os itens da lista acima para se fazer o diagnóstico. Ela deve satisfazer um número suficientemente importante de itens para despertar a necessidade de atenção especializada.

Estimular a criança a brincar, participar de atividades recreativas e esportivas para que possa melhorar seu humor e manter contato com outras crianças. Na Depressão Infantil essas atividades não são contra-indicadas, pelo contrário devemos estimulá-las constantemente.

Poucas pessoas têm conhecimento de que até os bebês ficam deprimidos. Nessa faixa etária, a doença manifesta-se mais fisicamente, com alterações na coordenação motora, distúrbio do sono, falta de apetite, apatia e choro constante. As queixas físicas repetem-se em crianças maiores, mas essas, diferentemente dos adultos, podem ficar nervosas e agitadas, em vez de tristes.

Acredito ser de importância destacar que dos 2-3 anos até a idade escolar a Depressão Infantil pode manifestar-se ainda com quadro de Ansiedade de Separação, onde existe sólida aderência da criança à figura de maior contacto (normalmente a mãe), ou até sinais sugestivos de regressão psicoemocional, como trejeitos mais atrasados da linguagem, encoprese e enurese. Faço esse destaque com o pensamento voltado para um paciente que acompanhamos no Centro de Psicologia Aplicada da UNIP que apresenta esses comportamentos típicos.Com relação ao suicídio, as ideações também não são raras, embora dificilmente antes dos 10 anos de idade, todavia nos adolescente a relação depressão-suícidio é bastante significativa. A grande maioria dos adolescentes suicidas apresenta problemas psiquiátricos, sendo a Depressão o mais importante deles. O suicídio de adolescentes é, atualmente, o responsável mais importante que doenças cardiovasculares ou o câncer pelas mortes de jovens de 15 a 19 anos.A porcentagem do suicídio para adolescentes aumentou mais do que 200% na década de 90. Recentes estudos mostram que mais de 20% dos adolescentes na população geral tenha problemas emocionais e 30% dos adolescentes que procuram clínicas psiquiátricas sofrem de depressão (OMS, 2002).Invariavelmente as ações suicidas estão coligadas com uma crise depressiva aguda e importante na vida do adolescente. Cabe destacar que a crise pode parecer insignificante aos adultos ao redor, mas é sempre muito significativa ao adolescente. A perda de um namoro, de uma nota na escola ou a constatação de uma crítica pejorativa adulto significativo, especialmente o pai ou um professor, pode precipitar um ato suicida no paciente depressivo. 6.1 Depressão na Infância e na Adolescência na abordagem de D. W. Winnicot.

               
D. W. Winicott em sua teoria sempre pontuou que o ambiente favorável e a mãe suficientemente boa seriam alicerces estruturadores para um bom desenvolvimento infantil.

No desenvolvimento emocional, biológico e social a maturidade completa e saudável do indivíduo (do ego e do self) depende de um ambiente social maduro e saudável (um bom holding). Coloca-nos que existe um desenvolvimento saudável e um patológico. O determinante é ambiente aonde a criança vai se desenvolver.

Não se pode pensar num bebê separado de sua mãe. Mãe e bebê formam uma unidade indissolúvel. A mãe suficientemente boa, segundo Winnicott, que desempenha as tarefas naturais é capaz de proteger o ‘vir-a-ser’ do bebê. Qualquer irritação ou falha de adaptação causa uma reação no lactente e essa reação quebra a continuidade do ‘vir-a-ser’ do bebê. Se a reação se tornar um padrão na vida da criança, toda a tendência natural da criança se tornará uma unidade integrada, assim, a capacidade de ter um self com um passado, presente e futuro ficará comprometida. Quando a adaptação é bem sucedida, com poucas irritações e incômodos, as funções corporais da criança formam uma base para a construção de um ego corporal e conseqüentemente para a saúde mental futura.

Em um recorte da obra “Os bebês e suas mães” Winnicott afirma que: “Do meu ponto de vista a saúde mental do indivíduo está sendo construída desde o inicio pela mãe, que oferece o que eu chamei de ambiente facilitador, isto é, um ambiente em que os processos evolutivos e as interações básicas do bebê com o meio podem desenvolver-se de acordo com o padrão hereditário do indivíduo. A mãe está assentando, sem que o saiba, as bases da saúde mental do indivíduo” (Winnicot, 1958).

Ainda com trechos da escrita de Winnicot, coloco um extraído do livro “Conversando com os pais” uma coletânea de 50 palestras proferidas por ele na radio BBC (Londres) entre 1939 e 1962: “O ambiente que a mãe fornece é primordialmente ela mesma, a sua pessoa, a sua natureza, as suas características distintas que ajudam, a saber, que é ela mesma. Isto inclui, é claro, tudo o que você reúne à sua volta, o seu aroma, a atmosfera que a acompanha, e também o homem que resulta ser o pai do bebê, e outras crianças (…) assim como os avós, os tios, as tias (…) a família que o bebê vai gradualmente descobrindo, no que se incluem características do lar que tornam um lar totalmente diferente de qualquer outro lar” (Winnicott, 1969)

Diante desta perspectiva, ele nos coloca que a depressão da criança é apenas um reflexo da depressão da mãe, visto que enquanto formação de personalidade do bebê “(…) a mãe está, assentando, sem que o saiba, as bases da saúde mental do indivíduo (…)”. Winnicot relata que a criança utiliza a depressão materna para fugir da sua própria depressão fazendo com que surjam restrições e reparações falsas em relação à mãe, o que prejudica o desenvolvimento da capacidade pessoal para restituir, pois nesse caso a restituição não se relaciona com os sentimentos de culpa pessoais da criança. O maior sofrimento humano vem da impossibilidade da realização de si mesmo e já que a criatividade está na base da possibilidade de ‘vir a ser’, ela estaria comprometida. Muitos adolescentes, meninos e meninas, que parecem bastante capazes de realizar um trabalho bem-sucedido, inesperadamente entram em crise quando o bom desempenho é roubado pela necessidade emocional de um dos pais ou de ambos. Winnicot explica que, na tentativa do adolescente de estabelecer uma identidade pessoal, a única alternativa que lhe resta é através do fracasso, e isto se aplica especialmente ao caso do menino de quem se espera que siga os passos do pai, e, no entanto jamais conseguirá desafiar seu poder.

Diante dessa colocação, fica evidente que as crianças, nos casos mais graves, recebem – por parte de seus cuidadores – mãe, pai, etc – uma tarefa que jamais poderão cumprir. A princípio, a tarefa corresponde em lidar com o estado de espírito da mãe. Quando conseguem êxito, na verdade estão apenas criando uma certa atmosfera na qual podem começar a viver sua própria vida.

Em um artigo redigido em 1969 para o International Journal of Psycho-Analysis, Winnicot refere-se aos escritos de Melanie Klein referentes à posição depressiva no desenvolvimento do indivíduo. Em sua reflexão coloca que a criança faz reparações não com referência à sua própria destrutividade e sua própria tendência de destruição, mas com respeito às tendências destrutivas de sua mãe. Para essa criança, a realização é a de consertar algo de errado na mãe e, por conseguinte, a realização a deixa sempre sem qualquer progresso individual. Existem vários quadros clínicos, mas em todos eles se encontram as organizações falsas do self, o melhor que a criança pode fazer para manter contato com uma mãe que está sujeita a um humor deprimido.
Winnicot na obra “Da Pediatria à Psicanálise” (1958), relata um caso que exemplifica tal teoria:

“Certa vez fui chamado a uma escola preparatória de professores para atender uma aluna que estava ameaçada de expulsão. Ela havia dado um repentino pontapé no calcanhar de uma colega. Encontrei uma garota que havia carregado a depressão da mãe por toda a sua vida. Ao final de sua carreira de estudante, ela finalmente defrontou-se com o problema: a vida era sua ou da mãe? Consegui fazer com que a mãe confiasse em mim e a mesmo tempo em que , na realidade, coloquei-me entre ela e a filha. Esta última foi aceita de volta a escola, concluiu bem o curso, e deu início a uma seqüência  de empregos longe de casa. Ela se saiu muito bem, e atualmente é professora graduada. Este foi um caso limítrofe, e sem a minha intervenção ela teria tido fracasso e entrar em crise, ou então representar o papel de bem-sucedida, na verdade, de alcançar uma existência independente do estado de espírito fortemente organizado de sua mãe viúva”

Em diversos casos, segundo Winnicott, estamos diante de manifestações intermediárias dessa condição, nas quais as atividades reparatórias da criança podem ser pessoais, apesar da ameaça constante de que a mãe se aproprie do sucesso da criança, portanto da culpa subjacente. Nesses casos não é difícil alcançar um êxito clínico, se o psicoterapeuta assumir o lugar do genitor em questão na fase inicial da psicoterapia. Por vezes é possível tomar o partido da criança contra os pais, conservando ao mesmo tempo a confiança destes. O caso acima relatado traduz este pensamento winnicotiano.

As crianças parecem ser capazes de lidar com o fato de serem odiadas e isto, naturalmente, é simplesmente uma maneira de dizer que podem enfrentar e fazer uso da ambivalência que a mãe sente e demonstra. O que elas não podem jamais usar satisfatoriamente em seu desenvolvimento emocional é o ódio reprimido e inconsciente da mãe, que apenas encontram, em suas experiências de vida, sob forma de formação reativa. No momento em que a mãe odeia, ela demonstra uma ternura especial e não existe maneira pela qual a criança possa lidar com esse fenômeno (Winnicott, 1989).

7. A abordagem da Fenomenologia Existencial

Conforme Marília Ancona-Lopez colocou em tese apresentada para a obtenção do título de Doutor em Psicologia Clínica, a Fenomenologia desenvolvida por E. Husserl fora elaborada com o objetivo de solucionar a crise do conhecimento que se instalou na passagem do século XIX para o século XX, onde se instituiu a ciência como “detentora” da verdade. Até então predominava o conhecimento do filósofo e a verdade não era acessível ao homem comum. Husserl chamou essa postura de logicismo e foi expressa por Merleau-Ponty (1973), como descreveu Ancona-Lopez em sua tese:

 “O logicismo é a atitude que consiste em admitir, para além da cadeia de causas e efeitos psicológicos e sociais, a existência de uma esfera da verdade, lugar de pensamento propriamente dito, no qual o filósofo estaria em contato com uma verdade intrínseca”.

No contra ponto deste logicismo os cientistas que negam o conhecimento filosófico e defendem o conhecimento cientifico. Dentro desse impasse surgido, impera-se no conhecimento um ceticismo, dessa forma, Husserl na tentativa de resgatar a certeza através da consideração filosófica e também cientifica colocou o seguinte:

“As viragens decisivas para o progresso da filosofia em que a pretensão das filosofias anteriores de serem ciência se vai desmoronado em virtude da crítica do seu suposto procedimento científico, passado então os seus trabalhos a ser orientados e organizados pela vontade consciente da reorganização radical da filosofia no sentido de uma ciência de rigor” (Husserl, 1911/1965, apud Ancona-Lopez, M.).

Nesse sentido, Husserl aspira solidificar com cientificidade a Filosofia e às demais ciências. Descreve as possibilidades de conhecimento investigando o sujeito do saber, o entendimento e a razão, tendo assim o início da fenomenologia descritiva que, examinado as capacidades cognitivas, caracteriza-se como uma psicologia descritiva da experiência interna, tal como uma teoria descritiva do conhecimento.

Para Husserl, a consciência não é um ‘lugar’ tal como uma ‘caixa’ que abriga conteúdos mentais. É sim uma espécie de movimento para fugir de si mesmo, um escape para fora de si – é transcendental. É um “partir em direção às coisas que a ela aparecem como fenômenos”. Sujeito e objeto unificam-se no ato de conhecer, este é que merece, então, a nossa atenção e, conhecendo desta forma o ato de conhecer absolutamente, conhecemos também o objeto.  A essência de uma coisa é o que resta, despojando de todo o contingente, é pura possibilidade, existem tantas essências quantas forem as significações atribuídas ou produzidas. É persistente ao fenômeno.  E o fenômeno é o manifestar da essência que vai se revelando a uma consciência. Desta forma, o homem – sujeito do conhecimento – não é um “em si” apartado do mundo. Ser homem, existir como humano é existir como consciência, com intencionalidade, como constante saída de si para um mundo que tem significação para cada um. Por outro lado, este mundo é sempre um mundo para alguém.

Husserl coloca que a intencionalidade da consciência vai ao encontro de um objeto (intencional), o produto está contido no ato produzido; a percepção, a lembrança, o julgamento, a expectativa, enfim, todo ato da consciência direciona-se a algo intencionalmente. A percepção não se refere àquilo que se olha, mas em um estado de coisas captado cognitivamente. Husserl circunscreve assim consciência e objeto da consciência como um fenômeno ou vivência individual (Ancona-Lopez, 1987).

Concluímos que para Husserl a consciência tem uma atividade questionativa, uma intencionalidade voltada para fora de si mesma, tal qual um vazio da consciência. Também é transcendental, pois se constitui a partir do encontro e é temporal devido às sucessivas reduções. Segundo Husserl faz-se necessário reduzir para chegarmos à essência, é a ‘redução eidética’, o reduzir para a essência. Deve-se considerar a suspensão fenomenológica que consiste em deixar os conhecimentos adquiridos até então – os apriores – e a partir daí caminhar para a essência.

O que ocorre no encontro entre a consciência e objeto é o fenômeno, e este fenômeno deve ser descrito e não explicado.

Heidegger vem recuperar a fenomenologia, porém dentro de um novo argumento e outro objetivo. O escopo da teoria de Husserl era o conhecimento, um método de investigação, por outro lado, Heidegger cria a Fenomenologia Existencial no intuito de investigar a existência e esta, para ele, precede a essência e colocou “Não é a consciência que está voltada para fora de si mesma, e sim o Homem que está voltado para fora de si mesmo”, portanto, a fenomenologia existencial tem a aproximação do método fenomenológico à filosofia, buscando a noção do conhecimento através da existência.

O existencialismo coloca que é típico o modo de ser do homem no mundo. Para ele esse mundo não lhe pertence, isto é, não encontra no mundo lugar, pessoa ou situação que o acolha por completo. O mundo é para o homem inabitável. O total ajustamento não é possível. A vida humana está constantemente mudando, naturalmente espontâneo, inconstante, indeterminado. O homem jamais poderá atingir assim a estabilidade e a segurança que tal estabilidade poderia proporcionar-lhe.

Amiúde, o homem entende que esta incompletude e a inospitalidade (… “estou num mundo que não me acolhe para sempre e um dia morrerei…”) do mundo é um como desamparo. Sente-se abandonado por ver-se lançado no mundo, em determinadas condições históricas, sociais e familiares, sem ter escolhido por isto. Vê-se entregue a própria sorte, tendo que conviver sempre com o desconhecido, o mutável, a imprevisão e a ausência de respostas, o que lhe pode causar intensa angústia (quando o sentido e o significado das coisas se rompem). É na angústia que o Homem reconhece que nada é garantido.
Clarisse Lispector brilhantemente expressou a angústia no seguinte poema:

 “Angústia pode ser não ter esperança na esperança.Ou conformar-se sem se resignar.Ou não se confessar nem a si próprio.Ou não ser o que realmente se é, e nunca se é.Angústia pode ser o desamparo de estar vivo.Pode ser também não ter coragem de ter angústia e a fuga é outra angústia.Mas angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai”.

Só que perdido na massa, desconhecedor de si próprio é freqüente que o Homem também não se sinta feliz, é tomado por uma grande insatisfação e profundo sentimento de tédio e vazio. É comum que se sinta ansioso, ou seja, acometido por variadas doenças. E novamente a angústia, não possível de ser eliminada, por não ser doença nem defeito, mas a própria condição do existir humano. Os fenomenologistas acreditam que na verdade é ela o alimento da vida, "(…)é dentre todos os sentimentos e modos de existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana (…), até o autoconhecimento mais profundo." (Chauí, 1999).

O método fenomenológico, onde o conhecimento e a compreensão da existência humana se procede de maneira bastante diversa daquelas propostas pelas bases científicas, dista de modo significativo de Psicologia Científica. O conhecimento é um emergir da existência e na verdade se trata de um processo pessoal, individual e único. Todos os fenômenos dessa classe estão dirigidos para o próprio ser, para o seu projeto de ser; trata-se de decisão existencial e não de abstrações teóricas (Angerami, 1993). Na prática clínica da fenomenologia existencial inicialmente propõe-se o psicodiagnóstico interventivo, principalmente em se tratando de crianças, se faz necessário uma excelente aliança terapêutica no triangulo formado por filho, pais e terapeuta. A presença dos pais (ou cuidadores) é fundamental para se iniciar e levar adiante o atendimento terapêutico da criança. Considera-se a criança como um emergente de um grupo familiar e é possível entendê-la melhor se conhecermos seus cuidadores. A família tem uma função institucional de servir de reservatório, controle e segurança para satisfação da parte mais imatura ou primitiva, narcisística da personalidade (Bleger, 1966). Para tanto, a família contém a parte imatura da personalidade, o infantil, como representantes os filhos, e que se acha vigente no inconsciente dos pais. 8. ConclusãoFoi muito gratificante pesquisar para a elaboração deste meu texto. Pude explanar conhecimentos sobre a depressão, seus efeitos e prejuízos para quem está acometido pela psicopatologia.

Coloquei um destaque especial e preocupante ao mecanismo do efeito colateral dos medicamentos à ideação suicida. Temos que ficar atentos com o método medicamentoso empregado às crianças e adolescentes, que é o mesmo antidepressivo prescrito ao adulto. Para mim, isso vem demonstrar que a pesquisa da indústria farmacêutica está aquém de uma realidade um tanto recente na cultura médica que é a depressão infantil.De acordo com Marcelli (1998), a depressão infantil foi por muito tempo negada e hoje é objeto de numerosas pesquisas dominadas, entre outras coisas, pela questão da existência ou não, em um mesmo sujeito, de uma continuidade depressiva da infância à idade adulta. Ainda escreve que “(…) se a possível ocorrência de um episódio depressivo na criança não provoca qualquer dúvida, o estatuto da ‘doença depressiva’ e seus eventuais vínculos com os distúrbios ansiosos ou com os distúrbios bipolares do adulto, em contrapartida, ainda devem ser esclarecidos (…)”.Marcelli (1998).Nesse sentido, a depressão infantil merece um foco de atenção especial pelos profissionais da saúde mental. O ambiente familiar deve ser revisto pelos seus atores. No texto de Raquel Soifer (Terapia Familiar com Técnica de Jogo) a família é colocada como estrutura social básica, com entrejogo diferenciado de papéis integrado por pessoas que convivem por tempo prolongado, em uma interação recíproca com a cultura e a sociedade, dentro da qual vai se desenvolvendo a criatura humana, premida pela necessidade de limitar a situação narcísica e transforma-se em adulto capaz.

Como nos colocou Winnicott (1958), a saúde mental do sujeito está sendo construída desde o início pela mãe, essa mãe deverá ser suficientemente boa e oferecer um ambiente facilitador. Juntamente com o holding estabelecido, essa mãe estará assentando as bases da saúde mental desse sujeito.

Portanto, devemos sempre orientar os pais (ou cuidadores) para as possíveis conseqüências de um planejamento não adequado no desenvolvimento de seus filhos. Mesmos que, obviamente, estejam motivados pelas melhores intenções possíveis, os pais, ao meu entender, são os grandes deflagradores ao surgimento de psicopatologias em seus filhos.

7. Bibliografia    

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BOWLBY, J., Formação e Rompimento dos Laços Afetivos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
 
DSM IV – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (tradução Dayse Batista). Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
 
HOLMES, S. H., Psicologia dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
 
MARCELLI, D., Manual de Psicopatologia da Infância de Ajuriaguerra. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
 
Revista Brasileira de Psiquiatria 2003; 25(4).
 
WINNICOTT, D. W., Conversando com os pais.  São Paulo: Martins Fontes, 1999.
 
WINNICOTT, D. W., Da Pediatria à Psicanálise.  Rio de Janeiro: Imago, 2000.
 
WINNICOTT, D. W., Explorações Psicanalíticas.  Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
 
WOLPERT, L., Tristeza Maligna: A Anatomia da Depressão. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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