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Entendendo as repercussões psicossociais do déficit do mercado de trabalho

Resumo

Este estudo objetiva analisar o trabalho e as repercussões psicológicas do desemprego, através de uma revisão bibliográfica, apresentando-o a disciplina Tópicos Especiais em Processos Psicossociais. Levantando informações sobre o tema em livros, artigos e sites, entendi que estar inserido no mercado de trabalho é fundamental no processo de socialização, as novas regras de produção capitalistas modificam as relações e consequentemente modificam os sujeitos sociais. Para entender melhor o assunto em pauta abordo algumas questões relevantes para psicologia social como a historicidade relacionada ao tema. O século XX foi um século marcado por profundas mudanças na esfera do trabalho, com projeção aos dias de hoje e cujos reflexos são visíveis e muitas vezes desesperadores para uma esfera grande da sociedade. Por fim,observa-se que a reestruturação produtiva do capitalismo dividiu a população brasileira em dois grupos: os assimiláveis (empregáveis) e o largo grupo inempregáveis, condenados a “marginalização” (WANDERLEY,2002). As pessoas desempregadas vivenciam problemas sociais, psicológicos e físicos.

Palavras-Chaves: Mercado de trabalho; Desemprego; Desqualificação.

1.Introdução

Este trabalho objetiva analisar o trabalho e as repercussões psicológicas do déficit existente do mercado de trabalho. Considerando o assunto relevante, pois hoje os grandes problemas sociais estão sendo gerados em cima das condições de trabalho.

A população pauperizada pela precária inserção no mercado de trabalho, pode ser atingida pelo fenômeno multidimensional da pobreza contemporânea, que segundo Paugam, 1991 (apud, WANDERLEY, 2002) é em uma parte, “produto de uma construção social” e de outra, “problema da integração normativa e funcional” de indivíduos que passa essencialmente pelo emprego.

A psicologia social deve reconhecer a existência das diversas realidades latino-americanas e descrevê-las. O desemprego faz parte desta realidade, sendo assim, abordarei também a partir de quando e como se desenvolveu historicamente a preocupação da psicologia com o desemprego.

O emprego formal está cada vez mais escasso e essa situação aliada a outros fatores, pode, entre outras coisas, gerar um stress psicossocial, conseqüentemente podendo levar o individuo a sofrer uma queda de sua defesa imunológica, afetar sua linguagem e direcionamento mental.

A perda do emprego é uma mudança que pode também provocar perturbações na família, ocorrendo reações emocionais, assim, o sistema familiar e seus vários subsistemas tendem a se reorganizar e mudar.

As novas regras de produção capitalistas modificam as relações no meio do mercado de trabalho e consequentemente modificam os sujeitos, que estão cada vez mais inseguros em relação a sua estabilidade econômica.

Para analisar os fatores e possíveis repercussões psicológicas do desemprego, articularei conceitos com o intuito de produzir um trabalho que contribua para entendermos o atual mercado de trabalho e as repercussões psicológicas do desemprego .
 

2. Método

Com base no método é um trabalho que visa uma abordagem qualitativa com enfoque dialético.

Biblioteca visitada: Biblioteca da faculdade de Tecnologia e Ciências – escolhida por maior facilidade de acesso.
Fontes: livros, artigos e sites.
 

2.3 Procedimentos

Seleção de dados feita por uma estudante do 5ºsemestre de psicologia, considerando o estudo de fatores e características psicológicas, históricas, culturais e sociais, que contribuem para reflexão sobre as repercussões psicológicas do desemprego.

3. Base teórica

A relação empregado/desempregado contêm uma série de manifestações que surgem como fraturas e rupturas do vinculo societal. A ordem política (fundada sobre o reconhecimento dos direitos do cidadão) diz que todos são iguais, porém a ordem econômica revela que aqueles afastados dos meios de produção não são considerados iguais, para eles são negados direitos de cidadania, de integração social e de identidade. Daí emerge a questão social.

Em nossa sociedade, os trabalhadores ou não, todos fazem parte de um sistema maior: o capitalismo, que é um modo de produção de subjetividade e que define quem estar apto ou não a pertencer à classe dos trabalhadores. Os que não conseguem se submeter às normas homogeneizadas, estão excluídos.

Os que não conseguem inserir-se no mercado de trabalho fazem parte de um novo paradigma em construção, decorrentes da mudança na estrutura social, da perda de possibilidades de participação na estrutura produtiva e/ou cultural. O desemprego é uma ruptura que é o oposto de integração social. As exigências do mercado crescem cada vez mais e muitos se tornam contingentes populacionais crescentes que não encontram lugar no mercado. (WANDERLEY, 2002)

Os trabalhadores que não se integram as novas exigências, nem mesmo fazem parte do “exército de reserva”, que era funcional ao sistema, sistema esse que se beneficia da existência de uma mão-de-obra superexplorada e barata, pois, com os “especialistas” confirmados pela mídia, cada formação social têm seus próprios regimes de verdade, e não mais reserva e sim residuais, os que estão abaixo do nível requerido são considerados desqualificados, desnecessários economicamente, ou seja, inempregáveis que não terão nenhuma vez, são seres descartáveis para esse sistema. (CASTELL, 2001).

A não-inserção no trabalho quando ocorre pela baixa qualificação, torna o individuo “desnecessário” e com estigma de perigoso à sociedade. A passagem da exclusão para a inclusão tem sido um modo de vida do excluído que não consegue ser reincluído a globalização aumenta a procura pelos altamente qualificados e os não qualificados são “sobrantes”. (FURTADO,2002)

Ao passarem por um processo de desestabilização pelo desemprego de longa duração, essas pessoas são transformada em não-forças-sociais, deixam de fazer parte do exército de reserva, sendo “empurradas” para fora , e além da privação de emprego, direitos e outras necessidades, muitos sentem como se não tivesse possibilidades de ascensão social, não conseguem “enxergar” alternativas, não conseguem mais sonhar e nem ter ilusões de uma vida melhor. (WANDERLEY, 2002)

Os desempregados sofrem também por não aderirem aos “signos” impostos pelos meios de comunicação de massa. A carência material, entre outras coisas, dificulta o seu reconhecimento como sujeito e aumenta o modo de ser considerado nefasto à sociedade e possível de ser eliminado. O que aumenta também a possibilidade de problemas psíquicos. Os efeitos de estar desempregado são em geral traumáticos, profundamente pessoais e não se restringem à perda dos rendimentos e do poder de consumo.As pessoas desempregadas vivenciam problemas sociais, psicológicos e físicos. (MELO, 2002, apud www.solavanco.com, visitado em 26/08/2005)

O desemprego pode levar a pobreza que, além de referir-se à renda, associa-se ao conceito de exclusão pela privação de poder de ação e representação e ao tratamento da pobreza como desqualificante, como ameaça à coesão social, onde indivíduos e grupos são excluídos das trocas sociais de integração social e de identidade. A desigualdade social é incompatível com a democratização da sociedade, gera uma situação de privação coletiva e uma exclusão também cultural. Segundo Reis Filho, 1995, a baixa escolaridade reduz muito as chances de ascensão no mercado de trabalho. De acordo com as “normas” homogeneizadas da sociedade, faltam-lhes especialização formal, o que diminui consideravelmente sua reinclusão no mercado de trabalho.

Na tentativa de inserir-se no mercado de trabalho surgem muitas chances de sofrerem preconceitos, tanto para quem procura o primeiro emprego, quanto para aquele que está afastado há algum tempo. Existe uma “crença compartilhada” de que quem não trabalha não é alguém. (STERNBERG,2000).

Historicamente o homem é reconhecido diante de uma sociedade, através dos seus conjuntos de idéias, valores, crenças, pela produção da atividade humana subjetiva, que constitui na relação com o mundo material e social. “A compreensão do´mundo interno` exige a compreensão do ´mundo externo`, pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um processo no qual o homem atua e constrói/modifica o mundo e este, por sua vez, propicia os elementos para a constituição psicológica do homem.” (BOCK,2003)

As marcantes transformações introduzidas pelo Mercantilismo no âmbito intelectual, político, geográfico, etc. são subjacentes ao surgimento do liberalismo. Tal doutrina liberal continua sendo um instrumento que vise a favorecer a burguesia em ascensão, priorizando as modificações necessárias e o advento da revolução industrial. O capitalismo tende a se firmar e se distinguir pela primeira vez durante o período mercantilista. O neoliberalismo, que surge em 1938, coloca-se na posição de crítica às anteriores concepções e teorias econômicas.

A sociedade liberal é formada por indivíduos concebidos como agentes existenciais, egoístas e racionais. As relações são mudadas, e quando as relações se modificam os sujeitos se modificam. O constante aumento populacional e o déficit progressivo das oportunidades de emprego tornam acirradas as disputas pelo mercado de trabalho e assim é gerada uma competição individual onde não resta espaço para comprometimento social. Competição essa por oportunidades estimadas que permanecem inatingíveis para a maioria dos que as perseguem.

Estudos sociológicos sobre o atomismo individual, no momento em que se perde vínculo com qualquer esfera social, comprovam que o ser humano isolado tende a desenvolver distúrbios psicológicos graves, como instabilidade mental. (<http://www.revistadoutrina.gov.br> visitada em 22/08/2005, 18:50h)
Na década de 50, ouve uma perspectiva histórica entre a relação psicológica e psicologia social. A psicologia social interessava-se nas relações grupais tornando-as homogêneas, alem de intervir na produção grupal. O conhecimento psicossocial aponta uma crise diante de questionamentos com relação a sua eficácia, em explicar comportamentos sociais, durante a década de 60.

“Na América-Latina, terceiro Mundo, dependente econômica e culturalmente, a psicologia social oscila entre o pragmatismo norte-americano e a visão abrangente de um homem que só era compreendido filosófica e sociologicamente – ou seja, (um homem abstrato)” (LANE, 2001 apud BOCK, 2003 ).

O século XX foi um século marcado por profundas mudanças na esfera do trabalho, com projeção aos dias de hoje e cujos reflexos são visíveis. Em face da crescente automação e informatização, diminuição dos postos de trabalho formal, começam a emergir segmentos do trabalho vivo excluídos da participação formal no mercado de trabalho. A implementação das políticas neoliberais e o contexto da acumulação flexível trazem consigo fissuras sociais difíceis de serem superadas,rompem a identidade e segurança que o trabalhador mantinha com seu emprego, lançando-o a um mar de incertezas que deve ser superado dia a dia, fazendo sobressair o individualismo e fomentando a discriminação, quando rejeita de seus mercados de trabalho determinados seguimentos da sociedade. Essa é a paisagem histórica de nossa realidade.

Como conseqüência do período sócio-histórico, surge a modernidade, a necessidade do aparecimento de uma produção capitalista, burguesa, que vai expor o sujeito como um individuo livre, para sua ocupação na sociedade, o que na realidade é a abertura de um espaço de produtores e/ou consumidores de mercadorias, ao mesmo tempo da individualidade e especificamente da subjetividade. Assim, abre-se portas para grandes indústrias e o fortalecimento do estado, deixando transparecer a ilusória idéia de indivíduos livres quanto as diferenças.

O panorama da acumulação flexível faz com que alguns segmentos da sociedade encontrem dificuldades de acesso ao mercado de trabalho formal. Tantos são desvalorizados pelo sexismo; racismo; ou como os trabalhadores mais jovens e assim como aqueles trabalhadores considerados velhos não conseguem se (re)inserir nesse mesmo mercado. As expressões “trabalhadores jovens” e “velhos” fazem referências a classificação da faixa etária utilizada por Nasser. Os primeiros encontram-se na faixa etária entre 15 e 25 anos e os seguintes a partir de 39 ou 40 anos. (NASSER, apud CASTELL,1999).

Forma-se assim um segmento de trabalhadores que, apesar do vigor físico, se tornam “inúteis para o mundo”, aquelas pessoas e grupos que se tornaram supranumerários diante das competências econômicas e sociais. Trata-se de um processo discriminatório cujo fator originário é a idade, desqualificando o empregado para assumir determinada função, caso típico da pregação neoliberal, que despreza a igualdade como valor positivo. No entanto, as praticas discriminatórias são vedadas pela Constituição Federal quando esta garante que todos são iguais perante a lei. ( CASTELL, 1999).

A psicologia tem demonstrado interesse nas implicações do desemprego, como na pesquisa realizada por Patrícia Martins Goulart, (doutoranda em Psicologia Social na Universidade Autônoma de Barcelona) durante um curso de mestrado no programa de pós-graduação da PUCRS buscando se interar sobre os propósitos do movimento social do MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados) revelou o atual significado do trabalho humano, o qual é comparado a uma espécie de máquina ultrapassada e obsoleta, pertinente a expressão “onda digital”. A investigação buscou conhecer as articulações psicossociais entre o engajamento no movimento social e possibilidades de superar o desemprego.
 
“… Os estudos Psicossociais, evidenciam que o desemprego não se restringe a fatores econômicos (BIANCH,2002) e sociais (POEIKKI; HOWE at. al,2002),trazendo consigo uma gama de implicações clinicas (MURPHY,1999 e ATHANASOU,1999; WADSWORTH, MONTGOMEY E BARTIEY,1999; SAUREL ECT al 2000), que vão desde o comprometimento da auto-estima (SARRIERA,1993;WACKER E KOLOBKOYA,2000), ate casos mais extremos, relacionados a suicídio (GUNNEII ECT al;1999)…”.(GOULART, apud www.scielo.br , visitado em 20/10/2004)
O desemprego é um problema , que traz conseqüências, algumas evidentes e algumas não tão evidentes, mas que também são extremamente destrutivas. Sem emprego, a pessoa sente-se diminuída em relação às demais; seja no meio familiar ou entre os vizinhos e / ou amigos. O fato é que a desesperança de conseguir um novo emprego e a agonia de não poder dar a si mesmo e à sua família a qualidade de vida que gostaria causa infelicidade. (MELO, 2002 , apud www.solavanco.com, visitado em 06/11/2004)

O desemprego além de desestruturar os sistemas ecológicos do indivíduo envolvido, também interfere em seu sistema fisiológico. Os efeitos de estar desempregado são em geral traumáticos, profundamente pessoais e não se restringem à perda dos rendimentos e do poder de consumo. São também altamente variáveis de acordo com personalidade, sexo, idades, classe, tipo de ocupação anterior, histórico de vida e grau de desemprego dentro da localidade imediata e/ou família. As pessoas desempregadas vivenciam problemas sociais, psicológicos e físicos. Segundo BRANDÃO (1991) num estado de desemprego maior do que nove meses acompanha-se de uma diminuição da reatividade linfocitária ao eixo-pituitário-hipotalâmico, mesmo durante o período em que se promove a recapacitação ao desempregado, a função imunológica continua deprimida.

A necessidade de trabalhar está basicamente ligada a necessidade de ganhar dinheiro para se sustentar. Mesmo sendo uma necessidade, o trabalho deve proporcionar um mínimo de satisfação pessoal, fazendo com que o indivíduo sinta-se bem socialmente. Na vida moderna, porém, o individuo é diariamente submetido a tensões e a problemas novos, muitos dos quais não podem ser resolvidos rapidamente lutando ou fugindo, procurando outras formas, muitos se destroem por não conseguirem alcançar o que deveria ser um direito seu; trabalho e dignidade.

4. Reflexões finais

Ao fazer este estudo, procurei sistematizar os achados nas teorias de referência , para analisar os fatores e possíveis repercussões psicológicas da escassez de emprego em nosso sistema capitalista.

Sabemos que quando as relações se modificam os sujeitos se modificam e isso pode ser bem claramente observado no atual mercado de trabalho, onde os sujeitos estão cada vez mais inseguros.

A reestruturação produtiva do capitalismo dividiu a população brasileira em dois grupos: os assimiláveis(empregáveis) e o largo grupo inempregáveis, condenados a “marginalização”. (WANDERLEY,2002)

Sujeitos que fazem parte do segundo grupo, conseqüentemente sofrem suas repercussões comportamentais.

Os estudos já existentes sobre o tema, contribuíram para uma melhor compreensão a respeito de suas repercussões.

Entretanto, ainda resta muito a esclarecer nessa importante questão social que é o mercado de trabalho, que a cada dia traz mudanças e cujos reflexos são visíveis e muitas vezes desesperadores para uma esfera grande da sociedade.

5. Referências bibliográficas

ODAIR, F. O psiquismo e a subjetividade social, in: Psicologia sócio histórica. São Paulo: Afiliados, 2000.
BOCK, A.M.B. (org), Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003.

WANDERLEY, M.B. Refletindo sobre a noção de exclusão. In: As artimanhas da exclusão-Analise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2001.

CAMPOS, R.H.F; GUARESCHI, P.A (orgs), Paradigmas em Psicologia Social: a perspectiva Latino Americana. Petrópolis, R J: Vozes, 2000.

BRANDÃO, M, L. – As bases psicofisiológicas do comportamento – São Paulo: EPU, 1991.

CASTELL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. RJ: Vozes, 1999.

Referências Eletrônicas

http.www.solavanco.com>
http://www.revistadoutrina.gov.br

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