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Breve reflexão sobre o psicólogo e sua atuação no hospital

Este texto traz breve discussão sobre a atuação do profissional psi na instituição hospitalar, atuando junto ao paciente e também junto à equipe. Principiamos essa reflexão com a genealogia da instituição hospitalar para depois discutirmos a inserção do psicólogo nesse contexto.
O que atualmente intitula-se hospital têm origem em torno do século XV, com o surgimento das casas para recolhimento conhecidas como hospizios. Estes lugares visavam tanto o recolhimento de pessoas potencialmente perigosas para a sociedade da época, como os mascates, ciganos, andarilhos, mendigos, artistas etc., pessoas consideradas “vagabundas”, que não possuíam residência nem ofício fixos. Também eram recolhidas nestes lugares órfãos, “inválidos” e feridos por guerra (MUYLAERT, 2000).

Primeiramente esses locais especializaram-se: as “pessoas potencialmente perigosas” passam a ser recolhidas em casas correcionais ou prisões; órfãos, em orfanatos; inválidos e feridos de guerra, nos hospitais propriamente ditos, que, pouco a pouco, passam a ampliar sua gama de “clientes”, atendendo enfermos os mais diversos (“tuberculosos” e “leprosos” ainda estariam confinados à locais específicos para suas enfermidades até o século XX). O hospital também
diferencia-se do hospício ou manicômio, onde confinam-se os “doentes dos nervos” (ROCHA, 2004).

Entre os séculos XVII e XVIII, principia a consolidação nesses locais dos mecanismos disciplinares, processo que também ocorre nas escolas, quartéis e, um pouco mais posteriormente, nas fábricas. É a inscrição desses locais no diagrama disciplinar, constituindo-os a partir de então como instituições.

Os mecanismos disciplinares visavam à construção de um corpo dócil, de um indivíduo submetido à uma série de recursos minimalistas de controle e sujeição. Nos hospitais, esses recursos repetem alguns encontrados em outras instituições, como a hierarquia rígida (administrador – médicos – enfermeiras – pacientes), a distribuição espacial calculada (divisão por alas, camas postas lado a lado em fileiras, separação dos internos do mundo externo etc.), horários bem delimitados, a vigilância constante (panoptismo); enquanto inventa outros específicos, como a criação dos prontuários ou laudos (que facilitava a identificação de cada paciente, sua enfermidade e estado clínico), os rigorosos exames clínicos etc (FOUCAULT, 1976).

O hospital é o primeiro lugar da concretização máxima da invenção de um corpo passível de adoecer e sobre o qual o médico tem todo conhecimento e poder. A rigorosidade dos mecanismos disciplinares visa a manutenção desse poder, propiciando, em tese, a facilitação da cura do paciente. De fato, “a disciplina não é simplesmente um mecanismo de não”, produz sua eficácia, sua contrapartida à dominação (FOUCAULT, 1979, p. 16). Com a organização, produz-se a economia dos gestos, a regulação dos corpos doentios para que alcancem de maneira mais rápida e econômica possível a saúde.

Com o século XIX advém o higienismo, complementando o quadro, com seu movimento de higienização através de medidas como o sanitarismo, a vacina obrigatória etc. Nos hospitais, converte-se no distanciamento máximo que o médico deve manter do paciente, afim de não contagiar-se; na educação e na moralização dos costumes dos pacientes, pois somente um ambiente moralmente sadio poderia propiciar a cura etc.

As mais importantes alterações que esse quadro sofre ocorrem a partir da década de 60, empurrados principalmente pela antipsiquiatria. No hospital propriamente dito, tenta-se humanizar o atendimento, com hospitais campestres, criação de bibliotecas, pequenos espaços de lazer etc. A tentativa de mudança mais significativa é a invenção do hospital-dia, onde o paciente só é internado em casos realmente graves.

Nos últimos vinte anos, o hospital passa a ser encarado como empresa; a gestão de seu espaço sai da mão de leigos e passa para profissionais especialmente capacitados para esse tipo de administração. Neste contexto, com as práticas de poder estabelecidas através dos valores saúde/doença, o paciente é silenciado, fazendo aparecer somente a doença que ele carrega em seu corpo. É neste momento que o psicólogo é solicitado, pois o discurso da medicalização faz calar todos os outros processos no qual este corpo está em relação (MUYLAERT, 2000).

Falar da presença do psicólogo no campo da saúde gera muitas questões, tanto referentes à atuação do psicólogo no hospital quanto referentes à inclusão deste profissional na equipe de saúde.

Talvez seja exatamente para contribuir com coisas novas, para abrir novos espaços que o psicólogo é chamado. Porém, o modelo de psicologia a que nos acostumamos é o que privilegia práticas já estabelecidas das clínicas privadas, deixando de lado questões relacionadas à saúde pública e as próprias questões sociais. Não haveria nenhuma contribuição em legitimar uma concepção de sujeito separado do contexto sócio-cultural, uma visão de regras gerais aplicadas em situações parecidas.

A equipe de saúde vai procurar no psicólogo algumas respostas para os conflitos que acontecem ali dentro, que são coisas a serem pensadas e discutidas, pois não estão prontas. O momento em que a equipe se volta para isso é muito importante, pois se está respeitando a condição do paciente, lhe comunicando as coisas e ouvindo o que tem dizer. A presença do psicólogo pode representar uma escuta aos incômodos que circulam neste espaço.

Bibliografia

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis: Editora Vozes, 1977. 357p.
_____________. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. 268p.
MUYLAERT, M. A. Corpoafecto: O psicólogo no hospital geral. São Paulo: Escuta, 2000. 373p.

ROCHA, L.C. O perigo dos pobres. In: FRANÇA, S.; ROCHA, L.C.; et col. Estratégias de Controle Social. São Paulo, Arte e Ciência Editora, 2004. 280p.

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