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O poder disciplinar e sua emanação como poder psiquiátrico e em outros âmbitos sociais.

Este ensaio visa estabelecer uma correlação entre leituras de peças raras escritas por Michel Foucault com subjetivações que perpassam nossa vida cotidiana. Demonstrações de elos que mantém e asseguram o que poderíamos chamar de a experiência humana na atualidade, entrelaçada e entregue a uma rede de poder que não entende o homem somente o domina e o conhece assim.
O inicio da dominação a loucura concide com a data da criação do Hospital Geral na França em meados do século XVII, quando a internação é prática social que se dá em larga escala, onde o medico é a figura central no asilo, a mais poderosa.Enquanto que em “A história da loucura” Michel Foucault estuda a representação da loucura como um fenômeno histórico e social analisada do ponto de vista das representações sociais. No curso de 73-74 ele ate-se aos discursos, as ciências, aos jogos de poder e verdade que tomaram por objeto a loucura, o modo como se estabelecem e como circulam as relações de poder dentro do espaço médico (a psiquiatria), os modos como se articulam saber, verdade e poder, não somente no espaço asilar, mas em outros âmbitos sociais, tais como hospital, escola e etc.

O poder existente na sociedade ocidental é o disciplinar, um poder disperso, cotidiano, que esta em toda parte, provém de todos os lugares, não pode ser tomado por uma entidade, é o que se contrapõe ao chamado poder soberano, que corresponde à extremidade da autoridade, da individualidade do soberano, enquanto a soberania é uma relação de violência, a disciplina é uma relação de sujeição.

Esmiúça o poder disciplinar analisando sua maneira de gerir e administrar um sistema. A forma como este poder posto sob um meio (a máquina asilar) desencadeia a disciplina que e ao mesmo tempo é a forma e a força da realidade; a realidade aqui encarada como a ordem sob a forma da disciplina. A ação do poder disciplinar trata-se de trabalhar o corpo de forma detalhada exercer sobre ele uma coerção sem folga mantê-lo em funcionamento “normal”, seus movimentos, gestos, atitudes, rapidez, eficiência, exerce-se o poder de controle sobre o corpo como força de trabalho a explorar, esse controle minucioso das operações do corpo, a sujeição e docilidade-utilidade são o que podemos chamar de disciplinas, e para Foucault a partir da segunda metade do século XVIII as disciplinas tornaram-se fórmulas de dominação. Forma-se uma política de coerção, que fabrica corpos submissos e dóceis o que aumenta a utilidade econômica dos corpos.É como diz Foucault diz em Vigiar e Punir: “Em qualquer sociedade o corpo esta preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições e obrigações. Um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente.

A articulação corpo-objeto, a disciplina define cada uma das relações que o corpo deve manter com o objeto que manipula. É o que se chama de codificação instrumental do corpo;o corpo reage aos sinais, ele não compreende, só reage e da a resposta desejada”. Mas fazendo uma análise subjetiva do poder não se deve significá-lo como um conjunto de instituições e aparelhos garantidores da sujeição; não como um sistema de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre outros; deve-se compreender o poder como a multiplicidade de correlações de forças perduráveis ao domínio. É uma tática de poder que implica uma vigilância perpetua e constante dos indivíduos. Implica um registro constante e a transferência da informação de baixo para cima. É o conjunto de técnicas pelas quais os sistemas de poder vão por alvo os indivíduos em sua singularidade.

O poder disciplinar não é uma propriedade que se possui ou não, e um poder meramente exercido, e seu exercício se dá através de uma rede de controles.No contexto da psiquiatria o médico não possui o poder, ele ostenta um poder que emana de uma rede composta por: muros, grades, quartos, funcionários, guardas, enfermeiros, e outras instituições; é um campo de batalha, uma luta cujo objetivo é vencer o louco, dobrá-lo frente à ordem disciplinar, mais do que curá-lo. Enquanto no tratamento protopsiquiátrico anterior ao século XIX tinha-se a cura como a dissolução de um erro (sendo a loucura encarada como um equívoco da razão), a partir deste século torna-se uma nova forma de ação, em que não mais se desfaz o erro, mas sim se potencializa a realidade a ponto de atravessar a loucura.

A realidade é imposta ao doente. Esse panorama justifica a organização do espaço asilar. A distribuição dos internos segue o objetivo de controle e vigilância e não a categorização de seus males. O saber do medico que supera o saber do interno sobre si mesmo; o medico conhece a história do doente melhor que ele próprio, do mesmo modo que conhece sua doença. De porte deste saber o medico impõe a cura instala-se um jogo entre o corpo sujeitado do louco e o corpo institucionalizado da psiquiatria ampliado à dimensão de uma instituição. Assim o corpo do psiquiatra deve estar em toda parte, o asilo deve ser concebido como o corpo do psiquiatra, e a instituição asilar é o conjunto das regulações que o corpo efetua em relação ao corpo do doente, sujeitando-o. A cura se dá como um processo a partir da combinação de quatro elementos: o isolamento no asilo; a mediação fisiológica; restrições da vida asilar; obediência a um regulamento.

As principais razões do isolamento são: garantir a segurança pessoal e da família, libertá-los das influências exteriores, vencer suas resistências pessoais, submetê-los a um regime medico, bem como lhes impor novos hábitos intelectuais e morais. Vê-se claramente, que a questão do isolamento se trata de uma forma de poder, de estabelecer ao doente um poder terapêutico e de moralização. “O isolamento assegura o encontro do sujeito a sós com o poder que se exerce sobre ele”. (FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, pag. 212).

Quando falamos de loucura não é o corpo, mas sim a moral, as paixões, a vontade que estão em questão, é o que deve ser normalizado e docilizado. Assim, o que a psiquiatria faz é medicalisar e dominar as paixões, os delírios, os maus hábitos pelo uso de psicofármacos que só algumas vezes se mostram eficazes, dociliza-se pelo químico que modela os hábitos e condutas, domina os pensamentos e delírios e minimizam os riscos de violência. A obediência ao regulamento é garantida pela vigilância, que mantém o silêncio e interfere quantas vezes for necessário. Pela vigilância contínua pode-se observar todos os movimentos dos indivíduos e assim ser capaz de ajustar cada detalhe de exercício.

Para curar-se o doente tem que se reconhecer como tal em sua identidade, deve aceitar ser obediente, aprender a ganhar a vida (de acordo com o jogo das necessidades) e deixar de sentir prazer com a loucura. Alem do uso das drogas têm-se outros dispositivos, como o interrogatório, cuja função primordial é disciplinar, possibilitar a atribuição de uma identidade, reconhecimento de um sujeito com um passado, que viveu determinadas experiências. Para construir a prova da existência ou não da loucura estabelece-se um cruzamento entre responsabilidade e subjetividade e faz com que o sujeito reviva a doença no exato momento do interrogatório, diante do saber psiquiátrico, tendo a função, portanto, de fazer com que o interrogado reconheça a existência de sua loucura, e não somente reconheça como também a atualize. Cabe ao psiquiatra a confirmação final, de modo que ele suscita o desencadeamento de uma crise histérica, podendo assim, presenciar a enunciação da loucura pelo próprio doente: “Sim eu sou louco”. A função de educar e de transformar um indivíduo em um corpo produtivo não se reflete apenas no asilo, mas em diversas instituições sociais. A escola, por exemplo, instaura a coerção do ensino normalizante, é através do ensino que se impõe as normas de uma vida sadia regular e disciplinada que poderá ser introduzida no corpo social. A divisão segundo séries tem o papel de hierarquizar qualidades e competências em níveis, e também castigar e recompensar; a ordenação das carteiras, a distribuição dos alunos segundo um mapeamento, aqueles que ocupam os primeiros lugares nas fileiras, os que se sentam no final, os mais e os menos “disciplinados”.

Outro exemplo clássico é a prisão com seu papel de transformar e ressocializar o indivíduo, com a privação de sua liberdade busca-se a transformação técnica deste, tornando seu corpo apto novamente a produzir. O trabalho prisional deve ser concebido como sendo por si mesmo uma maquinaria, que transforma o prisioneiro violento e agitado em uma peça que desempenha seu papel com perfeita regularidade. Da mesma forma que se cria a necessidade de trabalho ao doente no asilo, mostra lhe que precisa de trabalho, de dinheiro para se prover.A educação penitencial é indispensável à socialização, a disciplinarização do individuo do mesmo modo que a educação escolar.O regime da prisão deve ser controlado e assumido ao menos em parte por uma pessoa especializada, que tenha capacidades morais e técnica de zelar pela boa formação dos indivíduos. Do mesmo modo o medico no asilo e o educador na escola.

O encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e assistência ate a readaptação definitiva do ex-dentento, o mesmo ocorre com o doente no processo da cura, e a criança no processo da educação.Em fim, são todas instituições que utilizam mecanismos de poder que determinam, controlam, hierarquizam e fazem funcionar sobre os indivíduos a disciplina e no decurso de normalizar qualquer situação desequilibrada.Vale dar uma ressalva aqui à questão da assistência social tão bem tratada por Van Balen em seu livro: Disciplina e controle da sociedade- analise do discurso e da prática cotidiana, no qual demonstra de forma clara como tal assistência reproduz a história do controle social.

A prática cotidiana do assistente social que atua sobre os indivíduos necessitados, os submete a um processo de tutela, como condição de regras e normas estabelecidas para o serviço oferecido. O papel que o assistente social preenche nas instituições sociais se confunde com o do professor. O serviço social como profissão, que aplica técnicas disciplinares tem um caráter controlador, desempenha sua função junto a grupos carentes através do ajustamento à normalidade.

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