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Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico

1. Caracterização da Instituição:

Na antiga vila do Juqueri, surgiu em 31 de dezembro de 1933 o Manicômio Judiciário de Franco da Rocha, recebeu este nome em homenagem a antiga ferrovia inglesa São Paulo Railway. Esta ferrovia ligava a cidade de São Paulo ao Asilo de Alienados Juqueri. O Asilo de Alienados Juqueri foi criado em 1852, na antiga vila do Juqueri, que hoje é o Município de Franco da Rocha. Este é o registro do primeiro hospital de Alienados que tinha como objetivo humanizar o tratamento dado ao doente mental. O número de pacientes deste lugar em 1864 era grande, por isso, o governo adquiriu uma chácara maior com a mesma finalidade, a de isolar estes pacientes, mas o número não parava de aumentar, então na época, o Médico Francisco da Rocha foi designado pelo governo do Estado, para estudar um meio de resolver a situação. Ele sugeriu que se adquirisse, à margem da linha inglesa, junto à Estação de Juqueri, um terreno de 185.000 m² onde seria construiria uma colônia agrícola para a recuperação destes doentes mentais.

A construção foi iniciada em 1895 e logo depois outras áreas foram adquiridas e incorporadas ao patrimônio do hospital, com a mesma finalidade.  Em 1926, o Hospital do Juqueri já possuia 165 doentes mentais criminosos, sendo 95 brasileiros e 70 estrangeiros. Na mesma época calculava-se um total de 1500 delinqüentes doentes nas cadeias de todo Estado. Foi então que em 13 de dezembro de 1927, o Prof° de Medicina Legal Alcântara Machado, apresentou  ao Conselho  Estadual o  projeto  nº.3,  criando  o Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo, vindo de encontro aos modelos do Decreto nº 1.132 de 22/12/1903, que determinava a construção desses estabelecimentos. Assim, em 1º de Janeiro de 1934, o Manicômio Judiciário de Franco da Rocha, localizado as margens da Rodovia Luiz Salomão Chama no Km 43, Vila Ramos, Franco da Rocha, município de São Paulo, recebeu os primeiros 150 pacientes, todos homens, que na época já eram assistidos numa das dependências do Hospital do Juqueri pelo Dr. André Teixeira Lima, que se tornou o primeiro diretor, ocupando o cargo por quase 30 anos. Hoje este estabelecimento recebe o nome do seu primeiro diretor, Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Prof° André Teixeira Lima.

Em 1943 é criada a ala feminina com a finalidade de abrigar mulheres portadoras de deficiência mental e que tinham dividas com a justiça. Em 1983 o Hospital passou a pertencer a Secretária da Administração Penitenciária. Em 27 de janeiro de 1988 foi transformado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e em 1989 foi implantado o Regime de Desinternação Progressiva, funcionando desta forma até os dias de hoje. O objetivo desta instituição é destinar-se aos cuidados dos indivíduos caracterizados sob o código penal como incapazes de entender o caráter ilícito do ato ou delito cometido, esta primeira informação faz parte do art. 26 do Código Penal, que esta inserida como parágrafo único do Código Penal. Esse estabelecimento passou a ser gerido pela Secretaria de Segurança Pública e atualmente em São Paulo, pela Secretaria de Administração Penitenciária. Tem a missão de realizar laudos de Sanidade Mental dos internos de ambos os sexos anualmente e fazer tratamento e ou avaliação dos sentenciados e réus que venham a sofrer de doença metal.  

O Hospital de Custódia Franco da Rocha "Prof° André Teixeira Lima", conta com 04 (quatro) alas, duas delas colônias normativas masculinas (Regime Fechado) que são as colônias I e II; uma colônia normativa feminina (Regime Fechado) e uma colônia de desinternação progressiva feminina (Regime de Progressão). Dentro das colônias existe um espaço que recebe o nome de Centro de Observação (C.O.) que tem a finalidade de vigiar e controlar o comportamento dos pacientes que apresentam algum quadro por eles constatado anormal ou fora dos padrões da Instituição. Os internos podem trabalhar e desde maio de 2003, funciona no Hospital I uma oficina destinada à recuperação de móveis escolares, cadeiras e mesas, lá trabalham regularmente uma média de 30 pacientes. Em setembro de 2005, foi inaugurada a oficina de reciclagem de plástico, que ao final transforma-se em sacos de lixo.

Já na colônia feminina existe uma oficina de confecção de panos de prato, e outras atividades são realizadas através da iniciativa de pacientes e funcionários nas hortas, jardins e padaria.  Os internos são remunerados e recebem salários regulares através da Coordenadoria de Saúde. Alguns deles estão autorizados a vender os produtos fabricados na padaria do Hospital no centro da cidade de Franco da Rocha.  Todos que manifestarem interessem tem no Hospital de Custódia I, acesso à educação do ensino fundamental.  No espaço físico da colônia feminina existe uma sala de aula, um salão de recreação e uma brinquedoteca. Na colônia masculina I, existe uma casa de educação com 03 salas de aula, uma biblioteca e sala dos professores, esse espaço também é utilizado para exibição de filmes. Podemos encontrar também uma quadra de esportes e um salão de recreação que quinzenalmente oferece a realização de atividades de integração entre os internos das alas masculina e feminina.

Relato de Experiência 

O trem partiu do terminal ferroviário da Barra Funda às 13:00 horas, o balanço do trem seguia em descompasso com o meu ritmo cardíaco. Todos os estagiários me pareciam demonstrar uma mistura de sentimentos como as sensações que eu experimentava no decorrer do percurso. Era medo, alegria, ansiedade, angustia, enfim uma ambigüidade que não conseguirei explicar com palavras. Procurei conversar com todos os colegas a fim de me distrair um pouco e parar de pensar que algo ruim pudesse acontecer com qualquer um de nós dentro do Hospital de Custódia.No caminho sentei-me ao lado de uma senhora que logo começou a conversar. Durante o trajeto ela me mostrou pelo vidro do trem uma colônia do Hospital Psiquiátrico Juqueri que atualmente esta desativada e hoje é um Centro de Treinamento das Forças Armadas. Leva-se aproximadamente uma hora para se chegar ao terminal ferroviário de Franco da Rocha. O caminho me mostrou um misto de desigualdade social (pobreza), muitas casas localizadas em encostas são construídas de madeirite (material de construção usado geralmente na construção de “barracos” nas favelas) porem por outro lado, a natureza é rica em sua vegetação e beleza, na “cidade” eu não tenho a oportunidade de conviver com tanto verde. Chegamos na estação ferroviária e já eram quase 14:00 horas, deveríamos ainda pegar um ônibus para chegar até a porta da instituição. Ao entrarmos no Hospital deixamos nossos documentos na recepção da Instituição e a seguir nossa professora começou a conversar conosco e nos deu algumas informações e orientações importantes sobre a nossa visita. Estas informações foram de caráter histórico sobre o local e as orientações mais importantes e significativas foram sobre o respeito que deveríamos ter em relação às pessoas que se encontram naquele lugar. Nesta hora chovia. 

Fomos divididos em dois grupos, uma parte fez a visita à colônia feminina acompanhada da professora e outra parte do grupo fez a visita à ala masculina acompanhada de uma psicóloga da Instituição, eu resolvi fazer parte deste grupo. A chuva para.  

Ao me aproximar da porta de entrada dei-me conta de que estava preste a entrar em uma “Penitenciária”, portanto existiam grades, carcereiros e seria revistada para entrar. Passamos pelo portão com suas trancas e cadeados e todas as mulheres e homens foram revistados. Após a revista nos reunimos antes da passagem pelo detector de metais e a psicóloga que nos acompanhava nos explicou brevemente como seria nossa visita.   

Neste dia estava acontecendo um baile de integração entre os internos das colônias feminina e masculina. A psicóloga nos explicou que a intenção em promover este baile é a de fazer com que os indivíduos possam “namorar” e se “distrair”, nos contou que este evento é realizado quinzenalmente. Havia música ao fundo do discurso explicativo. Um carcereiro nos acompanhou durante todo o percurso da visita. O primeiro portão se abriu e muitos deles já nos olhavam de longe. Senti que estava realmente invadindo a casa de alguém sem ser convidada. Mas, deveria passar por esta experiência.  Neste momento, ou seja, o primeiro, entrar, foi o pior, não conseguia elevar meus olhos aos olhos dos demais moradores daquela “casa”.

E passamos pelo meio do baile para conhecer as dependências da colônia masculina. A musica estava alta. Alguns dançavam, outros estavam apenas sentados e outros em pé olhavam o movimento e a nossa entrada. Logo à frente nos deparamos com um interno que me parecia estar em surto, ele grunhia e se contorcia, seu rosto estava desfigurado e os seus olhos buscavam olhar para algo acima de sua cabeça. Três pessoas estavam-no conduzindo a uma das enfermarias.Suas calças caiam do corpo magro e em dos carcereiros que o condizia segurava-o com muita força, foi então que a psicóloga disse: “Cuidado, você vai quebrar o braço dele!”; o carcereiro respondeu: “Ele tem muita força e esta me arranhando todo!” Toda esta cena aconteceu em pouco mais de um minuto e foi a que mais me impressionou durante toda visita.No livro, de COOPER.D, “Psiquiatria e Antipsiquiatria”, in Violência e Psiquiatria, (1989), encontrei um trecho que me remeteu ao pré-conceito que eu mesma como estagiaria tinha em relação ao encontro com uma pessoa que se encontra em sofrimento mental.  “O paciente mental, uma vez assim rotulado, é obrigado assumir o papel de doente. Essencial a este papel é certa a passividade. Supõe-se que há uma doença que, vindo de alguma maneira de fora da pessoa, constitui um processo que a altera. O paciente é afetado, altera de maneira tal, que seu próprio afetar e alterar se tornam inessenciais. Ele é coisificado até se converter no objeto em que o processo patológico se elabora”.(p.46) Compreendo que cada um dos internos desta Instituição apresenta em seu sofrimento um modo de ser, de interagir e se relacionar com os seus próprios existenciais. Neste momento eu deixei de crer que a doença mental só existe nos textos lidos em sala de aula, ela existe e eu compartilhei esta experiência com outros estagiários nesta visita.  

Chegamos ao primeiro alojamento, nomeado de “Pavilhão 5 dos excluídos”, este foi o nome dado pela psicóloga que nos acompanhava. Ela nos contou que neste alojamento se encontravam os internos com problemas de comportamento, adaptação e higiene. Disse que já há algum tempo a equipe de saúde realizava um trabalho de conscientização a fim de restabelecer as condições de saúde e higiene para todos os internos deste pavilhão. Fomos convidados pelos moradores a entrar no alojamento, alguns estavam deitados, alguns nos olhavam e então um deles veio conversar conosco e mostrar sua “casa” para nós, mostrou onde cozinhavam, pois, a comida para ele é sem gosto disse um deles, “Olha não deve ser fácil cozinhar para 400 homens e eu até entendo, então dois daqui vão buscar a comida e aí o N. a refaz como a comida de mãe, aaa comida da casa da mãe da gente é boa né…” Apontou para as camas e nos contou que ajudou a reformá-las, nos contou também que trabalha na recuperação de móveis escolares e que o dinheiro que ganha aproveita para comprar alimentos para dividir com os outros internos e dar mais sabor as refeições. Disse que todos dividem as tarefas e colaboram com a higiene do local. “Quem não ajuda não come”. Então agradecemos a oportunidade de conhecê-los e fomos em direção a outro pavilhão. Antes de sair ele nos convidou para tomar um chá, mais uma vez agradecemos e então a psicóloga disse a ele que tínhamos mais lugares para conhecer. O nome pavilhão é usado em qualquer penitenciária. E para minha surpresa muitos deles usam como moeda de troca para favores e aquisição de “coisas” o cigarro.  O pátio do Hospital estava em movimento, afinal era dia de festa. Um interno o L, nos acompanhou durante toda a visita em todos os alojamentos, nos contou que há quatro meses atrás um dos internos cometeu suicídio, pulou do telhado de um dos pavilhões e que ninguém conseguiu convencê-lo a descer. Neste momento o carcereiro disse que o “suicida” deixou algumas cartas dizendo que tomaria realmente esta atitude de deixar de viver.  

Fomos até Pavilhão 6, esta foi a visita mais breve, os internos deste alojamento em sua maioria estavam trabalhando nas imediações do Hospital ou encontravam-se em suas camas. O que me impressionou foi à quantidade de homens jovens deitados em suas camas e por toda Instituição.  “Se tudo vai “bem” em sua família e escola, ele atinge o ponto da “crise de identidade” do adolescente, quando, com efeito, faz o balanço de tudo que o condicionou até então, todas as identificações precoces que tenha feito, todas as coisas “de que foi feito", tudo que foi recheado. (Isto constitui “normalidade”- um conceito estatístico que a maioria de nós vive como regra de ouro.) Então com um sucesso maior ou menor, ele se projeta num futuro independente, mas que futuro que, por necessidade, a menos que tenha um afortunado, deve reduzi-lo ao convencionalmente aceito.” (COOPER,D 1989:34) A construção moral que a sociedade faz de um homem é por sua vez a de “esquecidos ou lembrados”, estes de quem faço à narrativa, no entanto, estão esquecidos pela sociedade e também por seus familiares. 

Muitos talvez estivessem dormindo ou dopados de medicamento, não sabemos. Por falar em medicamento, soube que são consumidos aproximadamente 70 mil comprimidos por mês. Talvez seja uma maneira realmente de manter tudo sobre controle, afinal a equipe de psicólogos e psiquiatras por exemplo, é composta por 6 psicólogos e 2 psiquiatras para todos que se encontram no Hospital de Custódia.  Continuamos nossa peregrinação e a psicóloga nos mostrou a sala onde realiza o trabalho de psicoterapia em grupo, disse que é responsável pelo atendimento de 90 internos e que vai a terapia o interno que tem interesse, não é uma obrigação para eles.  Antes de chegarmos ao próximo pavilhão passamos pelo CO (Centro de Observação) a nossa professora já havia nos orientado antes de iniciarmos a visita de que não deveríamos ir a esta local, pois é nele que ficam os internos que por algum motivo tiveram “mau comportamento” (assim dito pela psicóloga), esse comportamento pode ir de um surto a, por exemplo, simplesmente deixar de falar. Fomos todos insistentemente convidados a entrar pelo carcereiro que se encontrava na porta. Ele dizia: Aqui sim é lugar para vocês conhecerem!Sabemos que o interno que fica neste lugar fica sem roupa. Se há uma invasão de privacidade apenas pelo fato de visitarmos o Hospital que dirá olharmos para o outro nesta condição para mim inumana.  O próximo pavilhão por nós conhecido foi o de número 8. Para mim o mesmo que um alojamento do exercito. A psicóloga o nomeou de “Aphaville” do Franco da Rocha. “Sabe, aqui ficam os mais comportados”.

Logo fomos convidados a entrar e então um dos representantes deste alojamento foi nos contando como é a rotina de vida de quem vive neste pavilhão. O primeiro passo para poder viver neste lugar é o de ser aceito pelo representante do pavilhão.

Em geral todos os pavilhões tem o seu “presidente”, este cargo é escolhido através de votação e a indicação é feita em conjunto assim como a votação para os “suplentes” que “administraram” o lugar quando o “presidente” não está. Este era o pavilhão mais limpo, mais organizado e com mais regras para convivência em grupo. Só permanecem lá os que colaboram e que realizam suas tarefas, (estas que são ditadas pelo “presidente”) corretamente. Devem ser tomados dois banhos por dia, o rádio só pode ser ouvido com fone de ouvido e cada um tem o seu, a televisão tem horário para funcionar e em volume baixo.

O horário para deixar de conversar é o das 20:00 horas, as luzes são apagadas as 22:00 horas. Foram estas condições que me remeteram a associar este alojamento à de um regime militar ou a de uma prisão como aquelas vistas em filmes americanos.Neste mesmo pavilhão encontramos um grande artista. Mostraram-nos uma pasta de desenho do interno M, muita figuras ali expostas contaram-nos ser da própria imaginação de M, que neste momento não estava lá porque trabalha na colônia como muitos outros. Este foi o ultimo pavilhão visitado por nós. Fomos então todos direcionados a saída da ala masculina. No trajeto até o portão de entrada nos foi mostrado na apenas por fora, o espaço em que se encontra a biblioteca, as salas de aula e a oficina de arte que pode ser utilizada por todos. Percebi que no interior do Hospital vários dos pavilhões sempre dão em frente a um pátio. Esse pátio não tinha nada além do espaço vazio. Parece-me que é utilizado para tomar sol em pé ou deitado no chão de cimento. Dos pavilhões visitados todos continham um imenso número de leitos normais e alguns eram “leito-chão” (o colchão sem cama). A distância entre uma cama e outra não era maior que 50 cm.

Nos foi informado que os internos são cometidos a recolherem-se em suas “celas” respectivamente às 17 horas, só podendo sair às 8 horas do dia seguinte. Como já estávamos próximos das 16:00 horas, a visita havia acabado e nós ainda deveríamos conhecer a ala de desinternação progressiva feminina e o arquivo morto dos prontuários dos internos que por lá já estiveram um dia.  Todos nós saímos e mais uma vez passamos por dentro do salão onde estava acontecendo o baile. Neste momento o salão estava mais cheio e tocava uma musica dos anos 50 e muitos estavam dançando e sorrindo. A psicóloga nos contou que a homossexualidade lá é tolerada mesmo porque como ela mesma relata: Na “condição” em que se encontram eles estão homossexuais apesar de muitos não o serem. Ou seja, na calada da noite, dentro dos pavilhões tudo pode ser experienciado. Muitos deles mantêm relações sexuais com o mesmo sexo e ainda sim tem uma namorada(o) e a(o) encontra justamente quinzenalmente nas festas que promovem de integração entre as colônias masculina e feminina.  

Ao final da visita o tempo para mim havia passado rapidamente e eu me sentia bem na presença deles, gostaria de ter ficado mais tempo e conversado com eles. Fomos logo convidados a sair, pois o horário de retorno do trabalho dos internos se aproximava e o carcereiro disse que era perigoso que ficássemos ali na porta. Logo os estagiários que estavam na ala feminina foram chegando, fomos todos para a ala de desinternação progressiva feminina, lá a professora e a psicóloga nos contaram um pouco como funciona o processo de desinternação.As internas passam 23 dias com as suas famílias que precisam manifestar o desejo e recebê-las e 07 dias no Hospital de Custódia. Os fatores que contribuem para que as internas cheguem a esta ala são: o laudo psiquiátrico, o laudo psicológico e o laudo judiciário, porém, o que mais se leva em consideração é a aceitação da família para receber esta interna.A família como sabemos é fator constituindo de adoecimento ou melhora de qualquer individuo. “Desde o instante do nascimento, a maioria das pessoas progridem através de situações e aprendizado social na família e na escola até atingirem a normalidade social…” “..a pessoa se desenvolve no sentido de progressivamente incorporar a si, registrar e, depois, agir sobre as coisas que seus pais aprenderam, sentiram depois lhe ensinaram serem as coisas “corretas”.” (COOPER. D.,1989:p 33) Terminamos nossa visita no arquivo histórico do Hospital de Custódia.

Neste lugar pudemos conhecer a maneira na qual eram feitos os registros médicos e judiciários dos pacientes que lá permaneceram até sua morte. A constituição histórica da loucura é um fator impactante para que encontrássemos tais registros. Pude encontrar em um dos prontuários um caso na qual uma mulher foi caracterizada sendo de periculosidade mental por andar mal vestida ao lado de crianças, outro caso foi de um homem ser internado lá por ter um pênis infantil, outro por estar alcoolizado e brigar com o vizinho. Bem, também existiam casos que poderiam realmente ter sido ocasionados por alguma patologia mental. Ficamos algum tempo no arquivo, pois lá fora voltou a chover e agora cada vez mais intensamente.  

Fechamos nosso encontro com alguns comentários da psicóloga que nos acompanhou e este tema será discutido no próximo item, que é o papel do psicólogo nesta Instituição.

3. Apresentação do Serviço de Psicologia

Conhecer o serviço de psicologia que hoje atende ao Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Prof° André Teixeira Lima foi uma experiência significativamente interessante. A psicóloga que nos acompanhou nesta visita realmente tinha pouco a nos contar, pois o trabalho realizado por ela e pela equipe de saúde infelizmente é difícil, eles não têm a ajuda do Estado e o número de profissionais é precário.Como informado pela psicóloga que nos acompanhou durante toda a visita, o serviço de saúde conta com 06 psicólogos e 02 psiquiatras.Os psiquiatras realizam 01 vez por ano um laudo psiquiátrico sobre os internos que se encontram na Instituição. A divisão de psicologia passou a fazer parte da instituição na década de 70, desde então, e ainda hoje, o trabalho é limitado, pois o número de internos só tente a crescer. O papel do psicólogo é o de realizar a terapia em grupo com os internos que desejam participar. O trabalho é realizado em conjunto com os demais profissionais da saúde como o terapeuta ocupacional. Durante o atendimento eles falam sobre suas experiências e realizam atividades de desenho, artesanato, gincana, coral e possuem grupos distintos que abordam temas como drogas, DST e AIDS. (lá existem portadores soro positivo) Estes grupos têm por finalidade deixar com que os participantes falem sobre seus sentimentos e aflições. Quando passamos pela sala que a psicóloga mencionou ser lá o espaço da terapia percebi que as pinturas são coladas quase que amontoadas umas sobre as outras na pequena sala que deve comportar no máximo 06 pessoas, em uma das paredes.

Creio que o espaço físico para a realização das atividades propostas pela equipe de saúde não é adequado, falta verba para aquisição de materiais como testes psicológicos, tintas, telas, lápis, canetas e outros materiais pedagógicos. O psicólogo também tem participação na avaliação para a saída terapêutica, entrevistas de inclusão e perícia. Porém o “aval” de saída será sempre é o do psiquiatra com a autorização do juiz.  O que mais me chamou atenção ao discurso da psicóloga foi o que ela disse em relação aos demais funcionários da Instituição, como por exemplo, os carcereiros, eles tratam os internos como “animais”, desta maneira o trabalho que a psicologia propõem para uma melhor qualidade de vida e saúde da própria Instituição torna-se em vão. Tenta-se construir possibilidades de melhoria no grupo e estas são descontruídas por estes profissionais. Podem existir muitas hipóteses para que os funcionários tenham esse modo-de-ser, pode ser o baixo salário proposto pelo nosso Estado, pode ser a precariedade e abandono das condições de trabalho do lugar, pode ser que ninguém mais se submeta a realizar a mesma atividade, etc… O psicólogo encontra problemas para propor novas metodologias de trabalho porque o lugar como dito na própria fala da psicóloga, esta cheio “manias” e “costumes”, então as normas que aparentam ser as melhores para o equilíbrio do HCTP não podem ser alteradas, pois, acarretariam em ameaça para o controle da própria Instituição.

4. Considerações Finais

A questão é: quem a sociedade brasileira envia para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Prof° André Teixeira Lima, culpados ou inocentes?Como dito por COOPER, D.(1989) sobre o hospital psiquiátrico: “…a sociedade produziu, com infalível habilidade, uma estrutura social que, sob muitos aspectos, repete as peculiaridades enlouquecedoras da família do paciente.” (p.38) Posso então supor que neste ambiente não encontramos uma proposta de resignificação para as pessoas, para mim, é um lugar de profundo aprisionamento e expiação existencial, afinal afastar a “loucura” da família e da sociedade é um modo de higienizar as condições consideradas “normais” para o homem.As condições de normalidade ditadas pela psiquiatria clássica abordam o conceito de doença mental como a existência de algo “errado” com o indivíduo, de modo que ele precisa ser “tratado”. O que chamamos de normal pode ser, por exemplo, uma crença diferente, e desta forma não se leva em consideração fatores sociais como a pobreza ou mesmo o estresse causado pelas próprias condições inumanas que a sociedade oferece. Dentro de uma Instituição como esta à pessoa é “vomitada” para fora do convívio familiar e social como nos hospitais psiquiátricos, passando a ser ingerida e ruminada pelas condições de sobrevivência instituídas pelas regras e leis impostas pela Organização da mesma. Esta postura mantém a homeostase da sociedade inautêntica em que vivemos, caracterizando o afastamento da violência imposta para com a fragilidade humana. O objetivo desta segregação está voltado para o controle do crime de uma maneira arcaica que historicamente não foi des-construida por nós.

É mais fácil afastar, punir e vigiar do que acolher, compreender e possibilitar novas aberturas para o sofrimento humano. Assim nós nos des-responsabilizamos pela culpa de formar indivíduos que empobrecem a realidade da sociedade que é tão “normal”. A compreensão dada para o fator normalidade é a de que a sociedade está acomodada (equilibrada) e não quer ser perturbada, e para isso, quer que o problema fique bem longe de suas vistas. Não quer assumir a responsabilidade de mudar. Refletir então sobre as possibilidades de mudança nesta Instituição me remete a algumas questões muito complicadas de serem respondidas facilmente. Algumas delas são:

· Sabendo que é a própria ciência quem determina o que é anormal, porque ela própria não pode disser como, onde e quando se devem tratar os desvios acometidos pelos internos?

· Onde encontro às justificativas para ser o poder judiciário a tomar a decisão de ir para uma penitenciária “comum” ou de “custódia”?

· Quem disse que o “manicômio judiciário” é o lugar ideal para um individuo que possui um sofrimento mental?

Todas estas questões são justificáveis, é claro, pela própria justiça e também pela medicina que infelizmente ainda compartilha dessa óptica concordando com o sistema cruel e punitivo existente neste ambiente. E o nosso papel como o de futuros psicólogos neste contexto de exclusão, pode ser explicitado no final do 1° capitulo do livro “Psiquiatria e Antipsiquiatria”, in Violência e Psiquiatria, São Paulo: Perspectiva,1989, p 52.  “Deveremos procurar o momento vital da práxis, o núcleo intencional de cada existência humana, o projeto pela qual cada pessoa se define no mundo. Isto foi sempre difícil de conseguir na grande instituição psiquiátrica tradicional e, em termos práticos, nossa experiência sugere que se carece de uma pequena comunidade de cerca de trinta ou quarenta pessoas, que funcione sem preconceitos e prejuízos clínicos correntes, sem hierarquização funcionário – paciente rígida e extremamente imposta e com envolvimento pleno e ativo das famílias das pessoas incluídas na comunidade. Em semelhante comunidade “experimental”, uma pessoa não terá de lutar com os desejos alienados de outros, que se esforçam para metê-la no molde, a fim de curá-la da tentativa de se tornar a pessoa que realmente é. Ela terá, por fim, a oportunidade de descobrir e explorar modos autênticos de se relacionar com outros. Tal comunidade ainda não existe, porém pode ser criada.Por enquanto, se alguém tiver de fica louco, a tática de aprender em nossa sociedade é a da discrição.” Este parágrafo mostra uma condição utópica para nossa realidade de justiça social.  Seria o mundo ideal para a construção de novas possibilidades para o doente mental estar-no-mundo com os seus existenciais. Os diferentes modos de “ser” para o homem, seriam aceitos e não excluídos, mas como disse FOUCAULT, M. (1977): “…é no mundo construído pelo normal que se encontra a resposta para a problemática da caracterização da doença e, desta, ser assim chamada de doença.” Não deixamos de ser livres para deixar de ser doentes, assim como foi instituída a nós a idéia de que o crime se opõe à loucura como a culpa à inocência.Castigo e expiação não absolvem a integridade de ser-do-homem.      

5. Referências Bibliográficas

COOPER, D. Psiquiatria e Antipsiquiatria. In: Violência e Psiquiatria. São Paulo:Perspectiva, 1989. p 31-52

FOUCAULT, M. A doença e a existência. In: Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Folha Carioca Editora, 1998.

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Coordenadoria de Saúde da Secretaria do Estado da Administração Penitenciária. Disponível em: <http://www.saude.sap.sp.gov.br/hctp_i_franco_da_rocha/hctp_i_de_franco_da_rocha_principal.htm>. Acesso em 15 de nov. 2007.

TAVOLARO, D. A casa do delírio:reportagem no Manicômio Judiciário de Franco da Rocha.In: Memória da casa dos loucos. São Paulo: Senac, 2001.p 23-72.

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