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A Hipocondria – Considerações Teóricas

A Hipocondria constitui-se, sem sombra de dúvida, numa estrutura extremamente comum na prática clínica. No entanto, seu tratamento demanda um considerável conhecimento teórico, bem como um manejo técnico bastante expressivo. Sempre vale lembrar, que quando da queixa do paciente, devemos reunir todos os esforços possíveis para que seja realizado um diagnóstico diferencial, sem o qual estaremos nadando em águas totalmente desconhecidas.

Gostaríamos de dar início ao desenvolvimento dessa temática, relembrando uma importante citação de Freud: "Não existem neuroses puras, além do que, todas elas possuem um tanto de hipocondria".

Como uma primeira aproximação, citamos a estreita relação entre os sentimentos de perszeguição e depressivos por um lado, e a hipocondria pelo outro, que constituíram um tema muito estudado pela escola kleiniana. Na mesma época, no entanto, Freud considerava a hipocondria como sendo uma neurose atual, ou seja, um quadro independente do conflito inter-representacional, e sim um estancamento da libido do ego. Assim, a escola kleiniana propunha uma fantasmática onde o órgão gerador de preocupação, estaria representando o perseguidor ou o objeto destruído, isto é, o objeto interno bom que foi atacado.

Melanie Klein em seu trabalho "Algumas Conclusões sobre a Vida Emocional do Lactante" nos diz: "Minha experiência mostrou que estas angústias que sustentam a hipocondria, acham-se também na base dos sintomas da histeria de conversão. O fator comum a ambas é o temor relacionado com a perseguição dentro do corpo, ou o dano infligido pelo sadismo do indivíduo em relação aos objetos internos, tudo isso sendo sentido como um dano físico ao Ego."

Se as crenças que M. Klein descrevera como próprias das posições esquizo-paranóide e depressiva atuam como paradigmas para qualquer relação de objeto, não é de se estranhar que também as encontremos em ação para dar conta que os hipocondríacos acreditam sustentar com seu corpo, uma vez que já o supõem doente.

Torna-se importante lembrar que muitas vezes, observamos que se chega a errônea conclusão de que o fantasma que o paciente tem sobre um determinado fenômeno, é a causa deste. Segundo Herbert Rosenfeld, um dos mais expressivos kleinianos, sustentou em 1964 que: "Os impulsos sádicos e as fantasias de origem oral e uretral, desempenham uma parte importante na hipocondria, mas ainda assim, o fator central parece ser o sadismo oral de natureza onipotente". Em um outro momento de sua evolução teórica, Rosenfeld afirma que: "A hipocondria constituiria uma tentativa defensiva contra ansiedades confusionais, caracterizadas pela indiscriminação entre os objetos bom e mau, e entre as partes boas e más do Self". Ainda na esteira de Rosenfeld, "A hipocondria grave e crônica, é uma defesa contra um estado esquizofrênico ou paranóide".

Já em 1984, trata de diferenciar diferentes tipos de hipocondria com base no papel que desempenham em cada um deles, os mecanismos de identificação projetiva, outros mecanismos que denomina autistas, e os esquemas corporais caracterizados como primitivos-psicóticos".

Dentro da vasta produção teórica francesa, queremos destacar três grandes trabalhos, os quais servem como referência ao estudo da hipocondria.

A= François Perrier:
(1959), trabalho realizado sobre a influência de Jacques Lacan, sobretudo àquelas relativas ao desejo e a relação dual. Podemos notar que Perrier condensa duas teses para a compreensão da hipocondria:

a-) a alienação que sofre o sujeito de desejo do hipocondríaco na causa materna – no mundo simbólico desta – alienação causada pela ausência de um pai que introduza a instância do falo simbólico e o arranque da identificação com a mãe.

b-) O anterior determina efeitos imaginários: identificado com a mãe, engravida de si mesmo como criança-falo. Seguindo as palavras de Perrier: "chega a consolidar seu pertencimento à causa materna, ao abraçar sua causa, pode encerrar-se sem se dar conta, no próprio recinto das renúncias e encarcerar nele o seu desejo, que se tornou dor".

B= Patrick Mérot:
(1980), situa o sintoma hipocondríaco em relação à estrutura familiar. O que podemos aqui recortar do trabalho de Mérot, é que ele nos mostra uma hipocondria, que não é o resultado de um processo defensivo, mas sim de algo que se passa no inconsciente dos pais, e do qual o sujeito sofre os efeitos. Como o indivíduo deseja ser o objeto de desejo do outro, fica retido, aprisionado naquilo que esse outro lhe oferece. Um verdadeiro encontro de desejos, do sujeito e dos pais. Piera Aulagnier, em 1984, ressalta esse poder do outro em levar ao sujeito, enunciados sobre o seu próprio corpo.

Podemos entender que aqui: O nível simbólico toca a matéria.

C= Pierre Fédida: (1972), referindo-se à hipocondria nos diz "a queixa somática do hipocondríaco, e a vivência de sofrimento ao qual ela faz referência, devem ser entendidas não apenas como um "ocupar-se de", mas também como efeito de fascinação interativa do órgão na palavra. Essa espécie de "alucinação verbal do órgão na palavra" parece-nos específica da posição hipocondríaca". E Fédida ainda acrescenta: estas observações conduzem a precisar em que difere aqui, a hipocondria do sonho. Na hipocondria o órgão se alucina na palavra. Entendemos por isso que, o predomínio da relação de palavra sobre a relação de coisa, assegura ao órgão uma representação no pensamento sobre a base de uma analogia ou identidade da expressão verbal. Isso nos faculta entender então que para Fédida "as palavras são, enquanto primitivamente investidas, o lugar de modificação de órgãos".

Se partirmos do exemplo: "tenho má cabeça", referido a uma dificuldade intelectual, pode dar lugar a " tenho mal a cabeça, ou tenho mal na cabeça". Esses são exemplos do jogo do significante na produção da hipocondria.

Desta forma, podemos concluir essas considerações teóricas, dizendo que "na dança dos significantes", deve ficar claro que na gênese da hipocondria, jamais encontraremos um só mecanismo ou condição geradora. Ainda como uma última conclusão sobre a questão do significante, queremos citar um exemplo da clínica com pacientes psicóticos, onde impera a concretude das palavras. Se o analista diz: "Parece que você me sente te cobrando como se eu estivesse com a faca no seu pescoço", é bem provável que o paciente dê um pulo, por achar que a faca realmente encontra-se nas mãos do analista, além de estar dirigida ao seu pescoço.

Uma outra questão a ser considerada, é que na queixa hipocondríaca, realmente verifica-se um sofrimento real, muito embora não possa ser encontrado um substrato orgânico que o justifique.

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