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Pensando Famílias

Introdução

Neste artigo a família foi entendida como “[…] um sistema ativo em constante transformação, ou seja, um organismo complexo que se altera com o passar do tempo para assegurar a continuidade e o crescimento psicosocial de seus membros componentes.“ (ANDOLFI, 1984 apud CERVENY; BERTHOUD, 2002, p. 18).

Assim percebe-se que as características e atributos da família estão de acordo com o contexto, que é dinâmico. Por este motivo fez-se necessário neste estudo compreender a família no seu contexto mais amplo, na sua pluralidade, que inclui o social, o cultural, o econômico entre outros.


Famílias e uma Breve Retrospectiva

As famílias foram e continuam sendo estudadas por vários segmentos da ciência, em diferentes dimensões, e possivelmente nenhum estudo vai esgotar o assunto (CERVENY, 2004). Estudar famílias no plural requer que se tenha em vista, a multiplicidade de aspectos históricos e culturais presentes em cada sociedade (KALOUSTIAN, 2002).

Percebe-se que seu conceito, função e estrutura se modificam de acordo com o contexto, portanto para compreender uma família deve-se adotar conceitos apropriados ao contexto da qual faz parte. Deste modo, torna-se fundamental conhecer as especificidades de cada etapa da história, como a família foi afetada e como afetou a sociedade na qual estava inserida.

A fim de explicitar estas influências tomamos Neder (2002) como referencia.

O autor toma como exemplo aqui no Brasil, a escravidão dos negros de origem africana no início do período colonial, onde fatores étnico-culturais e histórico-sociais de ordem político-institucional afetaram a organização da família escrava. O autoritarismo e a violência dos senhores de escravos foram responsáveis pela separação entre casais, pais e filhos e outros parentes, assim o padrão autoritário da organização política brasileira promoveu a perda de vínculos familiares pelas separações forçadas, havia desprezo e descaso sobretudo em relação as crianças, pois o investimento era feito no escravo adulto, nestas comunidades negras de linhagens perdidas, onde forjaram-se alianças surgiu a família ampliada, assim a comunidade mais ampla de escravos passou a atuar como referência.

Já nos Estados Unidos da América do Norte, as estratégias políticas e fatores histórico-sociais faziam com que senhores de escravos estimulassem a formação de famílias nucleares, com a catequese puritana e moralista atuando neste processo.

Posteriormente com a vinda da família real portuguesa para o Brasil se afirmou o modelo europeu de família patriarcal, pois transição do século XVIII e XIX com a política higienista ocorreram mudanças na ideologia e estrutura familiar, provocando novas práticas nos relacionamentos, na função parental, nos hábitos e costumes das famílias urbanas de elite.

A partir da segunda metade do século XX ,com o maior ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a dinâmica das relações e a estrutura familiar se modificam novamente devido ao início da modernização societária, intensificada na década de 1960, e com as desigualdades na distribuição da renda provocadas pela política e economia do regime militar, a família tem a necessidade de ampliar o número de membros no mercado de trabalho, a fim de aumentar a renda e sobreviver.

Percebe-se que embora se estabeleceram novas relações na família, contudo esta continuou a exercer seu papel socializador e transmissor de subjetividades. (CHAVES, 2006).

O autor ainda pontua que no final do século XX e início do XXI os conflitos ideológicos, em grande parte religiosos, a globalização e as tecnologias de informatização, estimulam novas transformações no modo de vida e nas relações familiares.

Surge então, o modelo moderno da família em função das novas relações que se estabeleceram e devido às transformações histórico-sociais de cunho político e ideológico.

De acordo com Bucher (2003), no modelo moderno o fundamento da união recai na subjetividade dos cônjuges e no amor de um pelo outro, no aspecto emocional a família ainda se mantém como provedora de seus membros, no aspecto econômico/financeiro o papel masculino de provedor está sendo compartilhado com os demais membros. Entre as funções atribuídas às famílias, a da reprodução está se modificando devido ao avanço da tecnologia e diminuição do número de filhos, já a função socializadora de formação e transmissão de valores, crenças, costumes e regras, está sendo compartilhada com outros agentes socializadores, como a escola, a televisão, a internet, etc.

Estas características do modelo moderno de família impõem novas maneiras de se relacionar, juntamente com a tolerância para os divórcios e recasamentos, surgem novas configurações familiares que passam a coexistir com a tradicional família nuclear.

Chaves (2006) menciona alguns dos novos modelos, como as famílias monoparentais, famílias homoparentais, famílias recasadas com filhos apenas de um dos cônjuges, ou de ambos e famílias com apenas um indivíduo divorciado.

Percebe-se que os papéis, assim como as funções e as expectativas dos membros necessitam ser reformuladas, assim negociar passa a ser uma estratégia fundamental na família, além de um desafio. (CHAVES, 2006)

Contudo, os modelos tradicionais de família não foram sendo extintos, segundo Galano (2006), em um mesmo contexto podem coexistir diferentes modelos de família, as arcaicas e tradicionais com outras contemporâneas, onde as primeiras não desaparecem totalmente, se reciclando ou existindo em diferentes substratos e história.

Tal perspectiva dificulta a tarefa do pesquisador, pois ao adotar uma posição construtivista entende-se que não será possível conhecer verdadeiramente o que é a família, mas somente o que se conjectura sobre ela em dado momento (CERVENY, 1994).

Neste sentido, observa-se que cada estudioso elabora sua hipótese sobre os diversos aspectos abordados em relação à família. Neder (2002), propõe a necessidade da valorização das famílias no que se refere à produção de identidade social básica para seus membros, pontua as influências étnico-culturais como forma de evitar preconceitos ao paradigma família regulares e família irregulares. Já Passos (2003), mostra-se preocupada com o lugar que tem sido atribuído a família nos tempos atuais, propõe um olhar à realidade como forma de eliminar preconceitos relativos aos novos modos de convivência familiar. Assinalando ainda que a família não deve ser vista somente como uma unidade social, de micro-parcerias, mas também como unidade psíquica, viabilizada pelos vínculos, em relação aos processos inconscientes nas relações interpsiquícas.

Contudo, conforme Wagner (2002), pode-se afirmar verdadeiramente mesmo adotando a posição construtivista, que independente da estrutura, configuração e contexto, a família é sempre o palco onde se vivenciam as mais intensas e marcantes experiências, promovendo assim o desenvolvimento de seus membros.

Referencias

BUCHER, F. N. S. J. Família, lócus de vivencias: do amor a violência. In FÉRES-CARNEIRO, T. (Org.). Família e Casal; arranjos e demandas contemporâneas. Rio de Janeiro: E. PUC-Rio; São Paulo: Loyola. 2003.

CERVENY, C. M. de O; BERTHOUD, C. M. E. Visitando a Família ao Longo do Ciclo Vital. São Paulo: Casa o Psicólogo, 2002.

CERVENY, C. M. de O. A Família como um Modelo: Desconstruindo a Patologia. São Paulo: Artes Médicas, 1994.

__________ Família e filhos no divórcio. In CERVENY, C. M. de O. (Org.) Família e… São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

CHAVES, H. U. Família e Parentalidade. In CERVENY, C. M. de O. (Org.). Família e… São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

GALANO, M. H. Família e história: a história da família. In CERVENY, O. de M. C. (Org.). Família e… São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

KALOUSTIAN, M. S. Família brasileira, a base de tudo. 5. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNICEF, 2002.

NEDER, G. Ajustando o foco das lentes: um novo olhar sobre a organização das famílias no Brasil. In KALOUSTIAN, M. S. Família brasileira, a base de tudo. 5. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNICEF, 2002.

PASSOS, C. M. A família não é mais aquela: alguns indicadores para pensar sobre suas transformações. In FÉRES-CARNEIRO, T. (Org.). Família e Casal; arranjos e demandas contemporâneas. Rio de Janeiro: E. PUC-Rio; São Paulo: Loyola. 2003.

WAGNER, A. (Coord.). Família em Cena: Tramas, Dramas, e Transformações. Petrópolis: Vozes, 2002.

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