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Psicoterapia do Grupo Familiar

Importante área de atuação clínica, onde a psicanálise tem muito a dizer. Procuramos aquí fazer um recorte para situarmos as condições nas quais o processo se desenvolve.

" Fim da Casa Paterna " = Carlos Drummond de Andrade.

Vou dobrar-me

à regra nova de viver.

Ser outro que não eu, até agora

musicalmente agasalhado

na voz de minha mãe, que cura doenças,

escorado

no bronze de meu pai, que afasta os raios.

Ou vou ser – talvez isso – apenas eu

unicamente eu, a revelar-me

na sozinha aventura em terra estranha?

Agora me retalha

o canivete desta descoberta:

eu não quero ser eu, prefiro continuar

objeto de família.

Costumeiramente falando, quando um membro de uma família adoece orgânicamente, a exemplo de uma apendicite, amigdalite, diverticulite, etc, a família reúne esforços no sentido de que esses "ites" possam ser tratados, mas naquele membro que lhes apresenta.

Quando, por outro lado, adentramos no campo da assim chamada "saúde mental", nos deparamos logo de saída com o conceito de paciente-identificado. Assim como é extremamente comum um indivíduo com algum mal estar físico procurar por um auxílio médico, é extremamente incomum uma família procurar por um auxílio psicoterápico enquanto tal. A bem da verdade, quem costuma trazer a família para a psicoterapia, é uma pressão externa.

As famílias que chegam a uma psicoterapia, parecem possuir um denominador comum, ou seja, elas parecem chegar envoltas na fantasia de que algo errado ocorreu, e ocorreu com o paciente identificado. Quando recebem a solicitação terapêutica de que compareçam enquanto família, assim o fazem, porém com a firme idéia de que estão vindo para colaborar com o tratamento daquele paciente. Deve aquí ficar claro, que estamos diante de um processo de racionalização, óbviamente de cunho defensivo.

Quando do primeiro encontro com o terapeuta familiar, o grupo gradativamente vai se apercebendo de que é ele, na verdade, o verdadeiro sujeito a ser estudado. Independente das orientações teóricas subjacentes, entendemos que todos os terapeutas familiares tem como objetivo a ser alcançado, uma mudança de foco do paciente-identificado para o grupo familiar como um todo.

Charles Fulweiler (1967), emprega a expressão terapia-real, onde ressalta que a atenção deve estar voltada para a família, e não mais focada no paciente-identificado.

Virginia Satir (1967), procura fazer com que a família chegue a perceber que estão trabalhando com um sistema familiar, para o qual cada elemento traz uma contribuição. Ela diz tentar, o mais rápido possível tirar o rótulo do paciente-identificado.

Don Jackson (1967), procura transmitir à família, que não participará do conluio onde se deseja atribuir a um de seus membros, o papel de paciente-identificado.

Karl Whitaker (1967), considera que é um problema de estratégia: " a terapia tem que iniciar como uma luta…em geral, há uma luta estruturada… uma luta a respeito de quem controla o contexto terapêutico.

A própria proposta de que faça uma terapia familiar, já representa um abalo na crença da família de que quem detém o problema deve ser identificado, confundido com o problema. Dentro de uma perspectiva psicanalítica, o setting deve ser um espaço a ser criado, sendo que o desenvolvimento do processo deve conduzir os membros à percepção de que constituem um grupo. No dizer do psicanalista Luiz Meyer, os familiares apercebem-se de que possuem uma identidade enquanto membros de uma família à qual não pode dissociar-se do modo como se desenvolveu a interação. Quanto maior essa consciência, mais a família se sente ameaçada, padecendo de uma ansiedade persecutória. Depois disso, a tendência é de que voltem a reforçar o pedido de que o atendimento seja individualizado, uma vez que se recusam a quebrar a homeostase que os mantém unidos. Como a conduta terapêutica se mantém, procuram colocar no lugar do paciente-identificado, outros membros da família. Ainda para Luiz Meyer, o campo congelado que a família trouxe para a terapia, não derrete facilmente. O tempo todo as defesas estão sendo ativadas e o terapeuta fica sendo constantemente demandado a resolver os conflitos, ao invés de estimular o insight sobre os mesmos.

Willy e Madeleine Baranger (1962), nos falam da intervenção do terapeuta: " Tecnicamente, é-lhe solicitado resolver problemas relativos à mobilização que o trabalho engendra e sobre a qual repousa a possibilidade de qualquer mudança. Inerente à noção de mobilização, está o seu pólo oposto, ou seja, o bloqueio. Teóricamente, o terapeuta defronta-se com a necessidade de identificar as instâncias e as ocorrências de escisão e de identificação projetiva.

Um outro fator que interfere na psicoterapia, é o fato de que as comunicações que ocorrem durante a sessão, são feitas na presença de todos os participantes. Isto pode ser vivenciado como sendo uma exposição, quebra de sigilo, etc., e que pode induzir uma certa turbulência emocional. Parece uma invasão de privacidade social e psicológica da família. Aquí devemos mencionar a existência de um antecedente histórico: " No tipo de sociedade anterior a presença do Estado, os indivíduos conduziam os seus relacionamentos sociais em termos de família e de alianças estabelecidas pela via do parentesco. Quando das sociedades organizadas ao redor do Estado, as relações sociais se estruturaram de muitas outras formas, por exemplo, em termos de economia e de política.

A presença do terapeuta costuma ser entendida como uma pressão que pode funcionar como um modo de ditar aos membros qual deva ser a natureza e a intensidade do contato. Nessa ocasião, o terapeuta é sentido como sendo o porta-voz do aspecto intrusivo do Sistema. A terapia familiar corre o risco de se tornar um arranjo adaptativo entre o terapeuta, na condição de representante do Sistema, e a família como um todo, cujo desejo é fazer com que o paciente-identificado seja tratado sem que se questione o funcionamento familiar.

O terapeuta familiar, analíticamente orientado, não objetiva a modificação do comportamento, mas sim o desenvolvimento de um setting em que seja possível o surgimento e o desdobramento das características das partes da familidade. Deve mostrar à família, o significado inconsciente da "solução" que os familiares estão buscando ao agirem dessa ou daquela maneira.

Me parece que existe um outro ponto a ser considerado, que é o das tentativas de estabelecimento das alianças entre determinados membros da família com o terapeuta. Algo do tipo: "Eu faço de conta que não falei e você faz de conta que não escutou". Podemos pensar no desenvolvimento primitivo das relações objetais e perceberemos que essas tentativas de aliança com o terapeuta, podem ser entendidas como uma busca da repetição das alianças precocemente estabelecidas com as figuras parentais. Cabe ao terapeuta trazer à tona todas essas questões, como competitividade, ambivalência, persecutoriedade, etc, para que cada membro da família possa se fazer cargo da sua percepção enquanto uma engrenagem desse sistema familiar.

Bibliografia

Satir, Virginia : Terapia familiar paso a paso(espa

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