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Ressentimento

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Tema infinitamente rico para a Psicanálise e também para qualquer um que tenha a curiosidade de "espiar" suas emoções e sentimentos com uma lupa.
Sempre que escrevo ou falo sobre este tema, gosto de começar pela citação de Shakespeare: “o ressentimento é um veneno que tomamos esperando que o outro morra”. Por mais que se discorra sobre o assunto, esta frase resume tudo e da maneira mais clara possível. É o máximo da máxima!           

Voltando ao objetivo da escolha do tema, que acredito ser muito rico e pertinente aos tempos atuais, e eu explico o porquê:     

– rico porque pode ter um poder avassalador na vida de alguém, desencadear outros males psicossomáticos. Agora, o mais interessante é que o ressentimento pode se colocar como uma armadilha insolúvel, porque o indivíduo parece já estar condicionado a enxergar a questão fora de si, enquanto que a resposta, estará encoberta do lado de dentro.

– pertinente porque para mim parece ser o segundo maior mal da humanidade (o primeiro continua sendo a comunicação ou a falta dela).

Antes de continuar, seria interessante descrever as principais características do conflito de um ressentimento, segundo a ótica do ressentido:

– uma parte é representada por uma vítima passiva e outra parte é representada por um tirano;       

– é estabelecida uma dívida de uma parte (a vítima) contra a outra;

– a participação do ressentido na situação normalmente não é explorada por ele, é banalizada para dar lugar a injustiça cometida pela outra parte, ele é desprovido de qualquer sentimento de culpa ou arrependimento;

– não há a reivindicação de uma perda, mas o desejo do sofrimento do seu opressor, que seria a compensação pela sua angústia, seria o privilégio da legitimidade do prazer sem culpa (a vingança enrustida), sem ter havido efetivamente uma ação vingativa, é caracterizado como “justiça”;

– trata-se de uma ferida narcísica que não se cicatriza porque é constantemente fomentada.           

Falando de cada uma das características, o sujeito só será vítima, se assim ele preferir.

E como este (o de vítima) é o modelo preferido pela sociedade, logo será a melhor opção: a reparação negada será o trunfo do ressentido, sem ela (a perda) não há razão para o processo; a posição de vítima não pode ser expressiva, afinal o título mesmo diz, o contexto deve girar em torno do tirano, se ele analisar demais a sua participação na ocorrência, pode perceber suas falhas e isto não é viável; não é reivindicado o pagamento do ônus senão acaba o processo e não tem mais vítima, mas o sofrimento do tirano é muito bem vindo; e por fim, ou melhor, para a cadeia não ter fim, deve ser alimentada, sempre. É isto que dá a carga emocional nociva ao termo ressentimento, ou mágoa ou rancor. O ressentimento leva o sujeito a criar todo um cenário propício para legitimar o seu direito de ressentir-se, a versão dos fatos pode mudar conforme suas necessidades, ele será acalantado por um ligeiro prazer, cada vez que reafirmar a sua posição de vítima. No entanto, nada mais é do que uma grande ilusão de solução. É uma dor emocional latente, permanente, que ocupa espaço de outras mais nobres. Isto, quando não desencadeia profundas neuroses.

Acredito que o ressentimento poderia ser classificado em índices de gravidade, os que são fáceis de assimilar e de se diluir: para estes o fundamental estaria em aceita-los e “digeri-los”; uma segunda classificação: que compromete um pouco mais a concentração e o desejo do ressentido, talvez uma “digestão” em médio prazo, e quem sabe uma terceira classe: como os casos mais graves que já vêm acompanhados de algum sintoma patológico, que necessitem de muito mais trabalho ou um recurso para sua dissolução. Contudo, este, como tantos outros assuntos que habitam nosso aparelho psíquico podem ser muito reveladores, principalmente se o analisando tiver disposição para descobri-los, assumi-los, modificá-los e principalmente se para isto, puder contar com uma boa escuta analítica.

Lindalva Moraes
Psicanalista/ Psicoterapeuta 

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