Durante anos os cientistas procuraram variações genéticas simples –"letras" alteradas no DNA– que fossem comuns entre os portadores da doença. Pesquisadores da Universidade de Washington e do Laboratório de Cold Spring Harbor, ambos nos EUA, porém, mostram agora que o buraco pode ser mais embaixo –e maior.
Os cientistas chegaram ao resultado comparando o genoma de 150 esquizofrênicos com o de 268 pessoas sadias. O trabalho indica que a esquizofrenia pode ser causada por uma grande variedade de mutações, mas em outra escala: em vez de "letras" trocadas, "páginas" e "capítulos" inteiros do DNA que desaparecem ou são duplicados ajudam a explicar a doença.
Trocando em miúdos, o trabalho significa que uma mutação que desencadeie esquizofrenia em uma pessoa pode não causá-la em outra– depende do quanto o gene mutante foi copiado ou apagado. Isso é apenas o início, de certa forma, do entendimento de como essa doença complexa funciona. Mas a descoberta ajuda a chegar à lista de quais genes influenciam a doença, o que pode apontar um caminho para novas drogas contra o distúrbio.
Via de ataque
"Muitos desse genes se aglomeram em vias [conjuntos de genes ativados em seqüência] relacionados com o desenvolvimento cerebral", disse à Folha Jon McClellan, de Washington, um dos líderes do estudo. "Portanto, apesar de cada mutação e cada gene que causam a doença serem diferentes em cada pessoa, tratamentos podem ser desenvolvidos alvejando as vias envolvidas."
Diagnosticada por sintomas como alucinações, pensamentos confusos e emoções distorcidas, a esquizofrenia provoca enorme desgaste emocional e físico em seus portadores. Paranóias e devaneios são comuns nessas pessoas. Cerca de 1% da população global desenvolve a doença em algum grau.
Os mecanismos cerebrais da doença são parcialmente conhecidos e parecem envolver um comportamento anormal da dopamina (molécula que transmite impulsos nervosos) em áreas do cérebro ligadas ao raciocínio. Saber que as mutações que predispõem à doença atuam no desenvolvimento cerebral, porém, é fundamental.
"Isso sugere que há um componente genético forte", diz McClellan. "Contudo, mutações podem ocorrer em função da exposição a certos ambientes, então fatores ambientais ainda podem ter um papel, mesmo que a causa fundamental seja mais genética."
Apesar do avanço, um teste de DNA para o risco de esquizofrenia –semelhante aos que existem para certos tipos de câncer– ainda é uma realidade muito distante, diz o cientista, dada a natureza estatística do trabalho. "Não podemos provar que qualquer mutação tenha causado a doença."
Segundo Emmanuel Dias Neto, geneticista da USP que também estuda a esquizofrenia, o trabalho na "Science" ajuda a explicar por que nenhum grupo até agora tinha encontrado algo como um "gene da esquizofrenia". "Às vezes um grupo estuda um gene e diz que ele está envolvido, depois vem outro grupo diz que não encontrou nada", afirma. "Esse estudo agora ajuda a explicar essa discrepância dos dados e revela que há um grau de dificuldade imenso no processo."
Fonte: Folha Online