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A comunicação silenciosa: reflexões sobre a linguagem não-verbal em Winnicott

A comunicação pré-verbal

Golse (1998) faz um pequeno resumo da questão da simbolição. Inicia seu pensamento se perguntando: O homem descende do signo? E reflete “se a capacidade de produção de signos é ou não o que fundamenta, do ponto de vista evolutivo, o processo de humanização, de hominiação, ou seja, o acesso a uma certa hominitude”. (p.69) Após um longo percurso, este autor situa que o “signo é anunciado por todo um registro de pré-simbolização (no nível dos envelopes)”. (p.80) Aqui, neste ponto de seu artigo, Golse (1998) coloca que a psicanálise dos continentes (Eu-pele, holding, envelopes físicos) se desenvolveu sobre as aquisições de uma primeira psicanálise dos conteúdos (percepções, afetos, fantasmas, idéias). O resumo, por ele apresentado, cabe ser aqui citado na íntegra, por compreender muito do que é importante para entendermos a importância do estudo dos estado precoces de desenvolvimento do indivíduo, antes da verbalização ser uma das formas princeps de comunicação: “Admite-se cada vez mais que, para o bebê, a interiorização do holding, do handling, da voz e dos ritmos maternos acontece bem antes da instauração para ele do objeto como tal. Por outro lado, é possível que esse processo se inicie desde o período intra-uterino, durante o qual o feto percebe (e integra?) certo número de ruídos provenientes do interior do corpo materno (batimentos cardíacos e aórticos, ruídos digestivos), certo número de fenômenos mais ou menos ritmados (contrações parietais, pressões transparientais), e até mesmo um certo número de fenômenos que emanam do ambiente externo próximo à mãe (a voz humana, por exemplo). É provável que todas essa interações entre o feto e a mãe constituam os alicercer (no sentido arquitetônico do termo) do futuro sistema interativo que será instaurado após o nascimento e que, também ele, centrar-se-á na noção de continentes”. (p.82)

Diante do exposto acima percebemos que para Golse, mas também para Anzie, Ogden, Bick, Klein, Winnicott, o signo somente aparece como importante, e como tal, após um longo percurso, “durante o qual a sintonia afetiva transmodal da mãe e a capacidade perceptiva do bebê talvez forneçam certas raízes de metaforização”. Parece que “há primeiro toda uma atividade de representação, servindo a fins pessoais, para se sentir pensar (ou seja, sentir-se existir) e colocar um pouco de ordem em suas sensações e percepções”. (Golse, 1994:83) Tentando pensar essa questão da pré-verbalidade, escolhi Winnicott e sua teoria de comunicação para desenvolver a questão da sintonia afetiva transmodal entre a mãe e o bebê.

A comunicação não-verbal em Winnicott: uma questão de criatividade e condescendência

Winnicott, em muitos lugares de sua obra, reflete sobre a questão da comunicação entre o bebê e sua mãe. Gostaria, com este trabalho de relacionar o que este teórico denomina de comunicação silenciosa com a questão da criatividade primária e a agressividade primária, entendendo esta última como um gesto criativo e também como uma comunicação necessária para que o bebê se constitua enquanto sujeito. Inicio com dois “poemas” de Winnicott: “Encontro você; você sobrevive ao que lhe faço à medida que a reconheço como um não-eu; Uso você; Esqueço-me de você; Você, no entanto, se lembra de mim; Estou sempre me esquecendo de você; Perco você; Estou triste.” (Winnicott, 1994:92) “Quando olho, sou visto; logo existo. Posso agora me permitir olhar e ver. Olho agora criativamente e sofre a minha apercepção e também percebo, Na verdade, protejo-me de não ver o que ali não está para ser visto (a menos que esteja cansado)”. (Winnicott,1975:157) Esses dois poemas colocam em destaque os pontos principais para Winnicott sobre a questão da comunicação entre o bebê e sua mãe. No primeiro, coloca-se a questão da comunicação criativa, o encontro com o objeto, o objeto subjetivamente concebido, o objeto objetivamente percebido e suas patologias. No segundo, a questão da experiência de mutualidade mãe-bebê, a questão do holding, da comunicação silenciosa e do olhar como espelho. Destaco, dessas questões, algumas, para poder articular agressividade primária e comunicação pré-verbal.

A comunicação mãe-bebê: a importância da comunicação silenciosa

“A fim de estudar a maneira pela qual o bebê humano chega à capacidade de objetivar, é necessário aceitar que, a princípio, não existe tal capacidade. (…)” (Winnicott, 1994:196) Antes de a linguagem ser verbal e nomear o mundo que a cerca, há uma outra linguagem: a linguagem silenciosa – a comunicação não-verbal. Para Winnicott a comunicação silenciosa é uma comunicação inconsciente. A habilidade de comunicar-se não está fundada, inicialmente, na aquisição da linguagem, mas sim em uma interação pré-verbal estabelecida por intermédio da “mutualidade”. Conseqüentemente, a habilidade do bebê de brincar e simbolizar precede o período em que passa a fazer uso de palavras. Winnicott ressalta a importância dessa comunicação para a constituição psíquica do bebê e a denomina de comunicação silenciosa. Também enfatiza a prioridade da mutualidade nas relações bebê-mãe para que o bebê possa manter sua continuidade de ser no mundo, e assim poder sair da sua dependência absoluta em relação ao meio que o sustenta para uma independência relativa, e depois rumar para a independência frente ao meio, independência esta que jamais se completa, já que o meio estará sempre sendo importante para o ser humano. Para Winnicott (1994) “A mutualidade é o começo de uma comunicação entre duas pessoas; isto (no bebê) é uma conquista desenvolvimental, uma conquista que depende dos seus processos herdados que conduzem para o crescimento emocional e, de modo semelhante, depende da mãe para alcançar, descobrir e criar.

A comunicação entre o bebê e a mãe é algo que é uma questão de experiência e que depende da mutualidade que resulta das identificações cruzadas”. (p.198) Conquista para o bebê; identificação da mãe com o bebê: a mutualidade coloca em cena uma linguagem muda, silenciosa, que passa pelos batimentos cardíacos, os movimentos da respiração, o calor do seio, movimentos do bebê que indicam à mãe a necessidade de mudança de posição do bebê. Cria-se, aqui, uma técnica primitiva de intercomunicação, que somente se torna ruidosa, segundo Winnicott, se esta intercomunicação falha em algum aspecto e se instaura a falta de confiabilidade. Segundo Winnicott (1994) “é aqui que se dá a diferença entre perfeição mecânica e amor humano. Os seres humanos cometem muitos erros, e durante o tempo em que a mãe cuida normalmente de seu bebê ela está continuamente corrigindo as suas falhas. Estas falhas relativas, às quais se dá uma solução imediata, acabam sem dúvida sendo comunicadas, e é assim, que o bebê acaba tomando conhecimento do sucesso. Assim, a adaptação bem-sucedida dá uma sensação de segurança e um sentimento de ter sido amado. São as inúmeras falhas, seguidas pelo tipo de cuidados que as corrigem, que acabam por constituir a comunicação do amor, assentada sobre o fato de haver ali um ser humano que se preocupa.” (p.87) Logo, a comunicação silenciosa se constitui a partir do holding materno em relação ao bebê, e coloca em cena, principalmente, a questão da confiabilidade do bebê no ambiente que o circunda. Essa confiança advém da proteção necessária ao bebê, por parte da mãe, em sua preocupação materna primária, em relação aos impingments que o meio, externo a essa díade, possa cometer.

Diz Winnicott (1994): “A sustentação confiável de um bebê é algo que precisa ser comunicado, e isto é questão das experiências do bebê. Exatamente aqui a psicologia envolve a comunicação em termos físicos, dos quais a linguagem é a mutualidade na experiência”.(p.202) Quando não há, em relação ao ambiente, nem privação nem perda dominando o mesmo, e assim o ambiente facilitador é tido como certo, gradativamente há, no indivíduo, uma mudança na natureza do objeto. Essa mudança se reflete diretamente na capacidade de comunicação do bebê. “O objeto, sendo de início um fenômeno subjetivo, se torna um objeto percebido objetivamente”. (Winnicott, 1983:164) Com a mudança do objeto, de subjetivamente concebido para objetivamente percebido, a criança irá deixando para trás a área de onipotência como uma experiência de vida. Porém, antes de isso acontecer, o que é predominante é o objeto subjetivamente concebido. Assim, “na medida que o objeto é subjetivo, é desnecessário que a comunicação com ele seja explicita”. (Winnicott, 1983:166) No estágio inicial de relacionamento intersubjetivo mãe-bebê, na sua fase de dependência absoluta, há, por parte do bebê, uma experiência de onipotência absoluta. Para Winnicott, essa onipotência deve ser entendida para além do controle mágico, incluindo-se como um aspecto criativo da experiência, já que “a adaptação ao princípio da realidade deriva espontaneamente da experiência da onipotência dentro da área que faz parte do relacionamento com objetos subjetivos”. (Winnicott, 1983:164) Dentro de um ambiente facilitador, o bebê cria e recria o objeto, “e o processo gradativamente se forma dentro dele e adquire um apoio na memória. (…) Normalmente o lactente cria o que de fato esta a seu redor esperando para ser encontrado. E também aí o objeto é criado, e não encontrado”.(Winnicott, 1983:165/66) Assim, “a comunicação tem a sua origem na transmissão de estados afetivos entre a mãe e o bebê, o que vem a constituir-se na mutualidade.

Os sentimentos que a mãe passa a nutrir, em relação ao bebê ainda não nascido, tem sua origem, que é bastante imaginativa, na mais tenra infância dela. O bebê percebe os sentimentos que sua mãe lhe dirige desde o útero”. (Abram, 2001:65) Para Winnicott (1994), a comunicação mãe-bebê traz em si mesma uma dicotomia, já que a mãe já foi um bebê um dia, podendo retroceder às suas experiências, “mas para o bebê é impossível apresentar a sofisticação característica de um adulto. Desta forma, a mãe pode, ou não, falar com seu bebê; a língua não tem importância”. (Winnicott, 1994: 84) A partir dessa experiência de mutualidade e do processo de comunicação que o bebê estabelece com sua mãe, Winnicott faz referência a dois tipos de bebês: 1) Os bebês que puderam experimentar um ambiente confiável e assim acolhem a comunicação silenciosa proveniente do holding de sua mãe. Aqui há a clivagem necessária entre querer ou não se comunicar. Esses bebês possuem o direito de escolher entre uma comunicação e a outra. 2) Os bebês que tiveram mães que não deram a eles um holding necessário, e assim recebem uma comunicação traumática, um “pesado choque”.

Este choque é descrito, por Winnicott, como sendo um estado confusional e um estado de agonia de desintegração Aqui, o bebê não possui a capacidade de escolha entre se comunicar ou não se comunicar, ou possui esta opção diminuída pelo impingment sofrido. Segundo Abram (2001), “o fundamental em Winnicott, no que diz respeito à comunicação, é que cada indivíduo constitui-se como isolado e, em conseqüência disso, o direito a não se comunicar deve ser respeitado. Temos aqui um dos paradoxos winnicottianos: “É um júbilo estar escondido e não encontrar a desgraça” (pp.72/73) Tentando sintetizar o que seja para Winnicott a comunicação antes da verbalização, a comunicação silenciosa que se estabelece entre mãe-bebê, podemos enumerar formas dessa comunicação: 1) há uma comunicação silenciosa entre mãe bebê, básica, fundamentalmente física, que pode ser ilustrada através do movimento de embalar, no qual a mãe adapta os seus movimentos aos do bebê. Ao utilizarmos o embalar como metáfora desta comunicação silenciosa, podemos dizer que a comunicação é uma questão de reciprocidade na experiência física (Winnicott, 1994,89) 2) há ,na interação mãe-bebê, a criação de uma área de transicionalidade, um espaço do brincar, um território comum, o espaço potencial , o símbolo da confiança e da união entre o bebê e a mãe, uma união que não envolve a interpretação. Aqui nascem a afeição e o prazer pela experiência. (Winnicott, 1994,89) 3) há a questão da mãe ser um espelho para o bebê através de seu rosto. É possível pensar no rosto da mãe como o protótipo do espelho. No rosto da mãe o bebê vê a si próprio, e se comunica não somente com ela, mãe, mas com o mundo. O bebê depende das respostas faciais de sua mãe para poder formar seu próprio sentimento de existir no mundo.

Conforme explica De Leo (2002), “este fenômeno difere da percepção, a qual pressupõe uma diferenciação eu/não eu e refere-se à apercepção, que descreve o fenômeno de um sujeito que, ao observar algo, não se limita a receber o estímulo, contribuindo para enriquecer essa percepção com um sentido conferido por ele mesmo”. 4) Há a onipotência primária do bebê, em que a mãe concretiza exatamente aquilo que o bebê está pronto para procurar, de tal forma que ela lhe dá uma idéia das coisas que ele está pronto para procurar. “Temos que dizer que o bebê criou o seio, mas não poderia tê-lo feito se a mãe não tivesse chegado com o seio exatamente naquele momento. O que se comunica ao bebê é: “Venha para o mundo de uma forma criativa, crie o mundo; só o que você criar terá significado para você”, E em seguida “O mundo esta sob o seu controle”. Não é a partir da sensação de ser Deus que os seres humanos chegam à humanidade característica da individualidade humana?” (pp.89,90) Winnicott (1994) sugere que a comunicação mãe-bebê seja resumida em termos de criatividade e condescendência. “Sobre isso, deve-se dizer que, quando há saúde, a comunicação criativa tem prioridade sobre a condescendência. A partir de uma percepção e de uma relação criativa com o mundo, o bebê pode se tornar capaz de sujeitar-se sem perder a dignidade”.(p.91)

A agressividade primária como uma forma de comunicação com o mundo

A palavra agressividade, na teoria winnicottiana, suscita um lado de entendimento do significado dessa palavra que escapa a seu uso “normal”, posto corriqueiro. Para Winnicott, agressividade é sinônimo primeiramente e fundamentalmente, de motilidade, de força vital do feto/bebê em seu primeiro encontro (casual) com o meio. É através do impulso agressivo que o feto encontra o meio, sendo do jogo constante do encontrar e do desencontrar, que este meio começa a surgir para este bebê, e que este bebê começa a surgir para este meio. Portanto, para o bebê, é a sua motilidade e a sua sensorialidade que criam o meio.

O movimento agressivo o faz encontrar a mãe, seja no chute dentro da barriga materna, seja no impulso de sugar o seio na hora de mamar. Dessa forma, a agressividade do bebê o faz trocar com o mundo/meio, e a oposição que ele encontra numa relação é, para ele, a troca em si. Essa troca, advinda da apercepção da oposição, instaura, para ele, bebê, um sentido de realidade. Aqui se coloca uma diferenciação importante na teoria winnicottiana entre apercepção e percepção. Segundo Winnicott, a apercepção está ligada ao estágio da dependência absoluta, na qual o bebê, onipotentemente cria seu mundo e lida com objetos subjetivamente concebidos; já a percepção estaria ligada ao estágio da dependência relativa, na qual o bebê já é capaz de perceber-se como diferenciado do objeto, se constituindo como um eu separado de um não-eu, percebido como ser total. Assim, em Winnicott, colocar como ponto de partida a idéia de força, que pode ser observada e vivenciada, é falar a partir do lugar de uma dimensão da experiência e do vivendo, e não a partir de uma pré-concepção, de uma construção metafísica ou metapsicológica. O que marca a diferença seria como o meio ambiente acolhe esta força e como esta força é acolhida; o que difere realmente é o encontro de um meio que irá ou não facilitar um potencial que bebê já tem. Agressividade é, portanto, parte da “força vital”, e a conversão desta força vital, que advém da “vitalidade dos tecidos e dos primeiros indícios de erotismo muscular”, em potencial agressivo ou agressividade, irá depender da oposição que o feto possa vir a encontrar em seus movimentos na sua vida intra-uterina, e enquanto bebê, quando, através da boca, encontrar o seio da mãe. A agressividade primária seria um amor-de-boca.

Winnicott (1994) situa a agressividade primária como uma maneira de o lactente se comunicar com o meio. O amor-de-boca institui uma comunicação “na medida em que se desenvolve uma situação de alimentação mútua. O bebê dá de comer e a experiência dele inclui a idéia de que a mãe sabe o que é ser alimentada”. (p.198) Em contrapartida, a agressão experimentada pelo lactente, que faz parte do erotismo muscular, do movimento, e de forças irresistíveis encontrando objetos imóveis, constrói para ele o mundo, como vimos. Esta agressão, e as idéias ligadas a ela, levam ao processo de colocar o objeto separado do self na medida em que o self começa a emergir como uma entidade. Logo, a agressividade primária é criativa e se constitui como um meio de comunicação do bebê e o mundo que ele primeiro apercebe (objeto subjetivamente concebido), e depois percebe (objeto objetivamente percebido). Desta forma, a realidade de um ato advém da oposição que este ato encontra. Surgindo daí a possibilidade que as primeiras trocas entre o indivíduo e o meio se tornem experiência do bebê, algo que será incorporado no bebê.

Winnicott verá este ato dirigido para fora como um gesto impulsivo e espontâneo, que se torna agressivo ao encontrar oposição. Esse ato se funde facilmente às experiências eróticas que aguardam o recém-nascido, e assim sendo, “é esta impulsividade, e agressividade que dela deriva, que levam o bebê a necessitar de um objeto externo, e não apenas um objeto que o satisfaça”.(Winnicott, 2000, p.304). Assim, dentro deste raciocínio winnicottiano, pode-se dizer que o indivíduo age ou reage: quando age, o impulso é seu; quando reage, o impulso advém do outro e não é um gesto espontâneo ou criativo. O agir traz o bebê à saúde psíquica; o reagir demonstra a, nem sempre percebida, doença. A agressividade primária, vista como um gesto espontâneo, quando acolhida, fornece ao bebê a idéia de criação.

Talvez essa seja a primeira e maior comunicação que possa haver entre o bebê e o meio, já que a partir deste gesto, o bebê descobre a mãe porque esta vai ao encontro dos gestos espontâneos do seu filho, dando-lhes um significado quando atende às necessidades dele. Se ocorrerem, nesse encontro, falhas maternas graves ou excessivas, o bebê experimentará uma sensação de aniquilamento. Um bebê aniquilado não agride, nem se comunica com o mundo. A agressividade primária estaria, portanto, amalgamando afetividade e agressividade, fundindo e desfundindo a sexualidade que ela vivencia pela boca, a partir do ato de mamar. O bebê precisa poder odiar ou retaliar sem medo, para poder mais tarde reparar o dano que acha ter cometido. Assim a agressividade primária instaura a possibilidade de amar, criar e reparar. Haveria alguma comunicação silenciosa mais importante do que esta para o destino do bebê enquanto sujeito humano? Winnicott (1996) se questiona, ao falar da agressividade inicial da criança: “Pode alguém comer seu próprio bolo e continuar a possuí-lo?” (p.70)

Acredito que a resposta, mais uma vez, dependa do ambiente que esta pessoa tiver encontrado ao longo de sua vida, principalmente no início desta. Conforme foi visto, se a criança tiver tido um ambiente facilitador, que nos termos de Winnicott corresponderia a uma mãe suficientemente boa, que teria dado ao seu bebê não somente handling, mas principalmente holding, tendo permitido ao bebê experienciar a mãe-objeto e a mãe-ambiente, através da experiência de mutualidade, esta criança poderá exercer a sua agressividade, vivenciá-la e sobreviver a ela, integrando-se com um ser total. Aqui ela teria podido comer o bolo (mãe) e continuar a possuí-lo (a mãe sobreviveu a todos os seus ataques e foi internalizada como objeto total). Se o ambiente não tiver sido propício nem facilitador, muito pelo contrário, tiver sido intrusivo e ameaçador, a criança terá muito medo de “ter comido o bolo” e, de certo, o “vomitará” em seguida, sem vivenciá-lo como seu porque acreditará que o destruiu quando o comeu ou tentou comê-lo.

Mas se Winnicott está certo (e na minha opinião ele está), esta criança continuará a procurar bolos até encontrar um que resista a seus ataques e ela possa comê-lo e internalizá-lo como sendo seu, e assim ela terá comido o bolo e continuará a tê-lo. Aqui Eros e Tanatos estarão unidos e a agressividade se transformará em algo criativo e criador de vida e não de uma casca, eco vazio de um ambiente que a criança tenta em vão se ajustar e agradar sem nunca conseguir, ou a atuar sua agressividade em forma de destrutividade. Estaríamos, aqui, diante de uma comunicação ruidosa, quando deveria ser sempre silente.

Referências Bibliográficas

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GOLSE, Bernard.(1999) O início do pensamento ou o homem descende do signo? In: SOULÉ, Michel. A inteligência anterior à palavra: novos enfoques sobre o bebê. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.

MAIA, Maria Vitória C. Mamede (2007) “Rios sem discurso” : reflexões sobre a agressividade da infância na contemporaneidade. SP: Vetor.

WINNICOTT, D.W.(1996) Agressão, culpa e reparação In:______. Tudo começa em casa São Paulo: Martins Fontes.

WINNICOTT, D.W.(1994) A experiência mãe-bebê de mutualidade. In: WINNICOTT, Clare Explorações Psicanalíticas: D.W. Winnicott. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.

WINNICOTT, D.W.(1975) O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil. IN: WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.

WINNICOTT, D.W . A comunicação entre o bebê e a mãe e entre a mãe e o bebê: convergências e divergências. (1994) In: WINNICOTT, D.W Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes.

WINNICOTT, D.W. Comunicação e falta de comunicação levando ao estudo de certos opostos.(1983) In : WINNICOTT, D.W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas.

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