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Mudanças “internas” do meditador

Praticada apenas de forma eventual, a meditação terá efeitos muito próximos às técnicas de respiração e/ou relaxamento. No entanto, ao manter a prática regular, o meditador conhece algumas mudanças, que envolvem a esfera emocional, cognitiva e comportamental. Hoje, falaremos sobre este cenário.

Muitos trabalhos de pesquisa, estudando a meditação, mostraram que apenas a prática regular trará os resultados benéficos que são classicamente associados a este método.

Também percebemos isso em nossa tese de Doutorado, quando trabalhamos com grávidas, e os efeitos psicofísicos exigiram um mínimo de cinco práticas semanais para que acontecessem.Não quero dizer que não adianta meditar, por exemplo, uma ou duas vezes por semana. Algum efeito ocorrerá. Acontecerá um relaxamento psicofísico, que levará a um estado que o grupo de pesquisadores de Harvard cunhou como “resposta de relaxamento”. Esta condição leva à redução da freqüência cardíaca, queda da freqüência respiratória, relaxamento muscular, menor gasto de energia, dentre outras alterações.

Contudo, esse estado específico pode ser desencadeado não apenas pela meditação, mas também por outras intervenções tais como as técnicas de relaxamento, as técnicas respiratórias, exercícios de imaginação criativa, dentre outros. Veja estes dois links que apresentam o estado que aqui descrevemos: http://www.mbmi.org/basics/whatis_rresponse_TRR.asp e http://www.mbmi.org/basics/whatis_rresponse_elicitation.asp.

Ao meditar regularmente, não somos apenas beneficiados pela “resposta de relaxamento”.

Vamos um pouco além. Surgem alterações no funcionamento do cérebro que reduzem a resposta de stress desnecessária, e depois alterações que podem alterar as funções cognitivas, a nossa “maneira de pensar”. Além disso, algumas outras mudanças envolvem a performance de nossos pensamentos e emoções.Que alterações seriam essas? Vou tentar, aqui, apresentá-las na ordem em que costumam aparecer naqueles que orientei, ou que freqüentaram meus cursos e workshops.

Ao se meditar pela primeira vez, caso se tenha recebido instrução técnica adequada, a primeira satisfação consiste em perceber que é possível meditar; que meditação não é algo impossível, tal como “sente, fique quieto e procure não pensar em nada”. O aprendiz percebe que existe uma técnica, e que esta técnica é perfeitamente passível de execução.Em seguida, ainda na primeira ou, no máximo, na segunda experiência meditativa, vem uma agradável sensação de relaxamento. Até a quarta ou quinta prática, este nível de relaxamento frequentemente será reconhecido como o mais intenso que se conheceu. A esse ponto, após cada experiência de meditação, virá uma forte sensação de “paz interna”. Cerca de um terço dos praticantes descreverão sua percepção como uma “experiência espiritual”.Logo nas primeiras semanas, há uma melhora na capacidade de concentração. Por exemplo, ao ler um livro, parece mais fácil manter a concentração e permanecer concentrado na leitura por mais tempo.Após as primeiras semanas, a sensação de “paz interna” começa a acompanhar o meditador por períodos cada vez maiores após a prática, o que começa a reduzir a ansiedade. A vida não muda ‘”por fora”, mas “por dentro” parece correr de forma um pouco mais serena.Passado o primeiro ou segundo mês, uma clara redução da ansiedade já é percebida não apenas pelo praticante, mas também pelas pessoas bem íntimas. Curiosamente, alguns fatos que costumavam aborrecê-lo muito, parecem que agora o irritam um pouco menos; e mesmo quando irritado, a sensação de aborrecimento começaria a ter uma duração menor do que de costume.

Entre o segundo o terceiro mês, nota-se um aumento da capacidade de percepção sutil, que alguns chamam de “tato intuitivo”. Com freqüência, também surge uma espécie de “saciedade emocional”, junto com outras sensações, tais como gratidão e confiança (frequentemente sem alvo definido). Alguns meditadores, por esse tempo, também experimentam uma intensa sensação de “alegria de viver”, que é um pouco mais comum naqueles que praticam as técnicas ativas.No quarto ou quinto mês, já começam a melhorar as características do sono. Além disso, surgem as primeiras mudanças cognitivas mais evidentes. Um exemplo disso estaria nas situações em que é preciso fazer escolhas. Parece que o meditador “enxerga” as opções de uma forma mais lúcida, além do que se torna pouco mais assertivo. Decorridos cinco ou seis meses, essa combinação de efeitos começa a ficar muito evidente, e todos que convivem com o meditador – mesmo não tão íntimos – começam a perceber que “algo diferente” está acontecendo com este indivíduo. A partir de seis ou oito meses, em minha experiência, as mudanças são extremamente variáveis pessoa-a-pessoa, além de atenderem a demandas personalizadas. É quando uma pessoa mais calada passa a se tornar um pouco mais assertiva; ou quando alguém muito “duro” começa a se mostrar um pouco mais amável. Curiosamente, decorridos alguns anos, parece que as mudanças voltam a ser um pouco mais semelhantes entre os diversos meditadores.

A esse ponto, estarão envolvidas modificações cognitivas tão fortes, e mudanças emocionais tão sutis, que já fogem ao escopo desta coluna…Vale ressaltar que todas essas transformações dependem de prática diária e continuada, e principalmente mostram grande variação entre as diferentes pessoas, não se comportando como uma fórmula matemática de progresso. Pretendi, apenas, respondendo a perguntas que tão insistentemente me fazem, dar uma idéia daquilo que acontece com as emoções, os pensamentos e o comportamento daqueles que resolvem viver a singular aventura de meditar. Aos aventureiros do caminho meditativo, sugiro apenas que procurem um instrutor confiável, meditem, confiem, e deixem com que tudo aconteça como tiver que acontecer. Como todos sabem, nem sempre as experiências de outros servirão para você. Já dizia o médico e escritor Pedro Nava que “a experiência é como um carro com os faróis apontados para trás”.Para você, que já é um meditador, vou ainda mais além, e lhe digo que nem mesmo suas experiências anteriores poderão lhe servir de referência para as futuras vivências meditativas. As mudanças promovidas pela meditação são quase como uma experiência quântica. Às vezes, buscar uma explicação é ficar cada vez mais confuso.

Para isso, sugiro-lhe deixar-se levar pelos versos de Antonio Machado:

"Caminhante, não há caminho,
o caminho é feito ao andar.
Ao andar se faz o caminho
e ao olhar para traz,
se vê a senda que nunca
se vai voltar a trilhar.
Caminhante não há caminho,
somente rastros no mar"

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