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Consultas Terapêuticas Winnicottianas: da Teoria à Prática no Setting Analítico

“Se uma pessoa vem falar com você e, ao ouvi-la, você sente que ela esta entediando,  então ela está doente e precisa de tratamento psiquiátrico. Mas, se ela mantém o seu interesse independentemente da gravidade doseu conflito ou sofrimento, então você pode ajudá-la.”  (WINNICOTT, 1986,p.01)
1.Introdução:  

Ao terminar a graduação de psicologia sentia-me desamparada para escolher uma abordagem clinica e assim iniciar o exercício da minha profissão. Foi então que resolvi procurar um curso de extensão que abordasse diferentes teóricos da psicanálise e assim pudesse enxergar novos métodos para o desenvolvimento da minha formação na clinica psicanalítica.   

Decidi que a psicanálise é sim a área de atuação que quero buscar, e o encontro maior virá através do aprofundamento teórico e de pesquisas que devo executar ao longo da minha profissão. No entanto, este curso me fez perceber que continuo me aproximando da teoria winnicottiana na qual tenho grande admiração.Busco em Winnicott, um modelo de atuação profissional que me traz o cuidado exemplificado. Fator este, que pode ser encontrado durante todo percurso de sua obra através da explanação feita na relação dos bebês e suas mães.  Para exemplificar para vocês onde quero chegar, ou seja, o tema escolhido para este trabalho, devo falar um pouco sobre a fundamentação teórica deste importante psicanalista. Winnicott que antes fora um médico pediatra, sempre caminhou ao lado das duas práticas, procurando no psiquismo e no ambiente explicação para as patologias nas crianças que cuidava.

Donald W. Winnicott foi discípulo da psicanálise clinica de Freud e propôs estudar mais a fundo o trabalho de consultas terapêuticas, por isso me interessei neste tema. Quando exercia a medicina pediátrica se deparou com vários casos de crianças que adoeceram precocemente e psicossomaticamente. Estas crianças fisicamente estavam saudáveis, mas para Winnicott algo ia além do que a ciência médica poderia explicar, foi então que percebeu que estas crianças possuíam uma patologia por apresentar uma relação de dependência com os cuidados ambientais que se encontravam.

As crianças estudadas por Winnicott foram consideradas como possivelmente portadoras no futuro de tendência antissocial. Este estudo foi realizado na evacuação da Segunda Guerra Mundial com crianças que se encontravam em albergues. Isso nos dá a informação de que o ambiente é o principal fator para uma possível construção de análise. As bases de estudo foram realizadas também com pacientes esquizóides e esquizofrênicos que apresentavam um estado de regressão à dependência e foi então que, Winnicott pode observar a importância da interação entre pais e bebês.  As consultas terapêuticas começaram nos meados dos anos vinte quando ele realizava nos hospitais-escolas seu atendimento a crianças. Ele observou que geralmente, essa criança relatava que no dia anterior a consulta havia sonhado com ele. Oferecendo assim, um dos primeiros pontos que podemos trabalhar nas consultas terapêuticas, o sonho.                                                   

“Em linhas gerais, as consultas terapêuticas representam uma possibilidade nova e breve de coligir a história de um caso clinico por meio de contato com o paciente, ou seja, obter e conduzir elementos   vitais que possam ajudá-lo na elaboração de um sofrimento ou dificuldade.” (LESCOVAR,2001:p.44)

Para darmos continuidade a este tema, abordarei também à compreensão da importância do setting analítico, pois as consultas terapêuticas não são somente respaldadas na expectativa do paciente, mas também no lugar transferencial em que elas acontecem.                                                    

“Em consultas terapêuticas, o setting analítico necessariamente comporta os aspectos relacionados à mãe-ambiente, em que o analista oferece constância, previsibilidade e confiabilidade tanto pelo ambiente físico quanto pela qualidade do cuidado pessoal (em que aceita ajustar-se às expectativas da criança e, com isso, estabelece comunicações por meio do si- mesmo verdadeiro)” (LESCOVAR,2001:p. 50).

Posso dizer, então, que o encontro analítico é baseado na comunicação significativa que acontece entre os membros no setting analítico. E como o ser humano encontra-se em um processo de amadurecimento continuo, o setting analítico será o lugar na qual acontecerão intercomunicações entre as mais diversas etapas da vida.Preciso ressaltar que por ser flexível e absolutamente imprevisível, uma consulta, traz características e configurações próprias. Por isso, penso que Winnicott, esta certo ao acreditar que não é útil uma aplicação cega a uma técnica, ou seja, o paciente que procura análise deve ser acolhido na medida em que se senti compreendido seu sofrimento.

Este tema pode ser aprofundado ainda mais, o fato é que a fundamentação na obra de Winnicott pode ser utilizada na contemporaneidade, afinal o que se busca na qualidade de vida da saúde psíquica nos dias de hoje, é a adequação do terapeuta e do paciente a brevidade das consultas, estas por sua vez se adéquam a necessidade da demanda por nos atendida.

2.Discussão:              

Se de fato desejo me apropriar do método psicanalítico das consultas terapêuticas de Winnicott, preciso compreender que estar adaptada às necessidades do paciente será o fator primordial para o manejo da clinica winnicottiana.           

No artigo de Outeiral (1999) escrito para um seminário com o titulo de “A consulta terapêutica e o jogo de rabiscos”, encontrei uma passagem de um texto de D.W. Winnicott de 1962, (The aims of psycho analytical treatment) que descreve exatamente o seu modo de pensar sobre a clinica.

 “(…) gosto de fazer análise e sempre aguardo com expectativa o final de cada uma delas. A análise pela análise não tem sentido pra mim. Faço análise porque édisto que o paciente precisa e aceita. Se o paciente não precisa de análise, faço então, outra coisa. Na análise, pergunta-se: quanto é permitido  fazer? Por contraste, em minha clínica o lema é: quão pouco precisa ser feito.(…)                                          

Em minha opinião, nossos objetivos no exercício da técnica padrão, não são alterados no caso de interpretarmos só mecanismos mentais que pertencem aos tipos psicóticos de desordem e aos estágios primitivos nas fases emocionais do indivíduo. Se nosso objetivo continua a ser o de verbalizar o consciente incipiente em termos de transferência, então estaremos fazendo análise; caso contrário, seremos então analistas fazendo outra coisa que consideramos apropriada à ocasião. E por que não?                                

Pois bem, e por que não fazer outra coisa mais apropriada com e para o paciente que não seja análise?                         

Aprendemos ao longo da vida acadêmica e da pratica clinica que a demanda do paciente não é a do analista, portanto, nosso papel é introduzir o paciente (criança) no espaço potencial, buscando o criativo e o espontâneo, proporcionando para ambos o brincar terapêutico. Com o intuito de favorecer a relação entre terapeuta e paciente, Winnicott postula uma técnica para comunicar-se com a criança que é o jogo de rabiscos, esta técnica caracteriza-se pela liberdade dos parceiros e pela ausência de normas fixas, o que é próprio das brincadeiras das crianças, desta forma contradiz os jogos estruturados por sistemas de regras.

2.1.O jogo dos rabiscos                        

Para aplicar esta técnica o terapeuta e o paciente executarão, alternadamente, traços livres; cada parceiro deverá modificar o rabisco do outro à medida que forem sendo realizados, o intuito e fazer “circular”, ai então um espaço intermediário se constituirá. O procedimento concebe um processo que vai de gesto criador à criatividade. Podemos dizer que nas consultas terapêuticas, os dois parceiros vêm, gradativamente, habitar um espaço potencial onde a criança auxiliada pelo terapeuta “alcança”, através do gesto criativo, o objetivo que neste momento é o ato de ser cuidado. O rabisco então se transforma em imagem e depois em discurso, uma experiência desveladora do self do paciente.                                    

 “(…)Talvez uma característica distintiva não seja tanto ouso de desenhos mas sim a livre participação do analista atuando na qualidade de psicoterapeuta. Me encanta falar sobre estas coisas, que ilustram o jogo dos rabiscos que estão nas consultas terapêuticas, porém ao mesmo tempo (…) sou muito cauteloso ao colocar isto definitivamente por escrito, para sempre. Melhor, preferiria que cada terapeuta desenvolvesse seu próprio método, tal como eu desenvolvi o meu.  (… )” (WINNICOTT.D, 1954/2005,p.85)             

O self verdadeiro é aquele que resulta da possibilidade que a mãe dá a seu bebê de aceitar seus gestos espontâneos, já o falso self está presente nos casos em que a mãe não tem capacidade para entender e satisfazer as necessidades do filho, ela coloca seu próprio gesto, assim submetendo a criança a ela, o que começa a gerar então o que chamaremos de falso self.                                     

2.2. A consulta terapêutica                        

A consulta terapêutica buscará oferecer um lugar, um momento e uma compreensão humana a fim de fazer surgir à problemática do paciente, esta problemática vem em função do movimento do analista para o estabelecimento da comunicação no setting terapêutico. O analista encontra-se no papel de objeto subjetivo e este é necessário para que a transferência e contratransferência aconteçam, o vinculo precisa ser estabelecido para gerar confiabilidade nesta relação e desta forma a criança se sentirá “cuidada” como fora (ou não) por sua mãe (ou outro cuidador) nos primeiros meses de vida. O fato de estabelecer-se este elo de comunicação, às vezes até silenciosa, com o paciente, estará favorecendo o surgimento do espaço potencial construído nesta relação entre paciente e analista, afinal o objetivo desta relação é conhecer um ao outro e dar ao paciente a oportunidade de chegar aos estados pré-verbais e de dependência da criança, ou seja, devolver a criança a própria criança.           

Este manejo faz vir à tona várias questões psíquicas que iram variar de acordo com o momento do processo de amadurecimento que a criança se encontra na própria consulta terapêutica. A missão do analista é ouvir o que o paciente tem a comunicar, sem tentar desvelar sentido ou mesmo caçar significado, deve-se respeitar o ritmo, características pessoais e a experiência adquirida entre a dupla (analista/paciente).            

Em suma o que define as consultas terapêuticas são a condução e utilização da transferência relacionada ao lugar subjetivo que o analista ocupa para a criança, ou melhor, a transferência é uma ferramenta que favorece o paciente na construção de uma experiência completa e a encontrar o seu eu individualizado.   

3. Considerações Finais:             

A importância de Donald Winnicott para a minha atuação na prática clinica é fundamental. Através de sua teoria conheci seu pensamento voltado à preocupação materna, na qual a sutileza prevalece sobre o desenvolvimento humano. Winnicott ao propor as consultas terapêuticas, nos remete a pensar sobre os cuidados iniciais da relação entre a mãe e o bebê, pois é nessa experiência cumulativa (tempo histórico, experiência de nascimento, relacionamento dos pais, desejos/sonhos deles) do bebê que se constitui o self. Bem como, os aspectos ambientais que envolvem tais relações, pois esses são fatores importantes que implicam no processo de adoecimento tanto como no de restabelecimento do paciente.             

Dr. Winnicott trouxe a nós conceitos como holding; handling; apresentação do objeto e função espetacular. Estes termos nada mais são do que, segurar físico e emocionalmente o bebê; interação psíquica do meio-ambiente-mãe com o bebê, mediadas pelo contato corporal, bem como pelas interpretações que a própria mãe faz desta manifestação de comunicação entre eles; a apresentação de objetos é o ato de se apresentar algo ao bebê no momento que ele solicita, conferindo a mãe precisão e o que no futuro será compreendido como o senso de realização pessoal; e por fim a função espetacular que nada mais é do que favorecer as experiências da criança fazendo-a reconhecer-se em sua singularidade pessoal. A partir de todos estes conceitos posso compreender que estes favorecem o amadurecimento do individuo e facilitam ainda mais a constituição de si-mesmo do paciente no setting terapêutico. Este “si-mesmo” vem à tona a partir das experiências vivenciadas nas consultas terapêuticas e através do brincar.              

Sendo assim, as consultas terapêuticas não buscarão grandes interpretações, pois o foco neste processo de cura não seria o de transformar o inconsciente em consciente, nem verificar como as fases do desenvolvimento infantil interferirão na constituição de seu self, e sim trabalhar com o pedido de ajuda do paciente, pois a técnica não pode nunca prevalecer sobre essa relação.             

O analista deve se atentar assim a problemática mostrada pela criança, pois no decorrer das consultas, esta irá aparecer de formas diferentes (através do brincar, conversar, desenhar, silêncio e etc). Nessa relação, o analista deverá lidar basicamente com a contratransferência.                 

Através desse encontro analítico que se respalda em oferecer uma experiência significativa, buscamos enaltecer a potencialidade, sustentar uma experiência para conquistar a confiança do paciente. O importante é compreender profundamente e cuidar através do amor que é primordial tanto na relação inicial de sua vida como na relação terapêutica, sempre respondendo de forma viva à presença do outro.                          

Neste encontro devemos construir com a criança um espaço de confiabilidade, nos mostrando disponíveis a ela, não tendo em vista um objetivo adaptativo, e sim, o de proporcionar experiências construtivas. Não vamos trabalhar com a eliminação do sintoma, mas vamos sustentar o que move aquela criança.            

Nas consultas terapêuticas temos por objetivo que o paciente passe por três fases. Sendo a primeira fase, a que o paciente passa por um período de hesitação e confiabilidade, pois neste momento de preparação ele criará seu analista. Já na segunda fase, deve ocorrer comunicação significativa onde o paciente encontra seu analista. Na ultima fase, o paciente deve livrar-se de seu analista, “matando-o”, isso mostrará que a consulta foi finalizada com sucesso, pois o paciente não criará dependência nesta relação com seu analista.             

É a partir desta despedida entre analista e paciente que encontro nas sábias palavras da psicanálise winnicottiana, que o individuo necessita de ajuda psicológica quando não encontra saída no meio ambiente social ou familiar, portanto, nosso papel é encontrar a tal “sutileza materna” para identificar a quem podemos ajudar e assim promover encontros com a integridade humana.                                                            

4. Bibliografia:

LESCOVAR. G ZAIA, As consultas terapêuticas e a psicanálise de D. W. Winnicott. 2001. Dissertação Mestrado Psicologia Clinica – Pontifica Universidade de São Paulo. 2001.

OUTEIRAL. JOSÉ, A consulta terapêutica e o jogo dos rabiscos, São Paulo. -Material exclusivamente para seminário. Notas para seminário – São Paulo, março de 1999.

WINNICOTT. DONALD W, Os bebês e suas mães, São Paulo- Martins Fontes, 1988.  

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