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Filme “Para o Dia Nascer Feliz” e a Visão Sócio-Histórica

O filme "Para o Dia Nascer Feliz" apresenta uma visão abrangente da sociedade, colocando bem a diferença existente entre os níveis de ensino existentes no país, assim como algumas das conseqüências desses níveis na dimensão subjetiva dos alunos retratados. A intencionalidade com a qual alunos de cidades ricas e escolas ricas são contrastados com alunos de cidades pobres e escolas pobres trás, na forma de imagens, uma leitura própria do materialismo dialético e processo sócio-histórico em um dos níveis fundamentais de qualquer sociedade, a educação. As dimensões subjetivas apresentadas no filme, tanto por quantidade como intensidade de variação, retratam uma sociedade extremamente dividida em duas realidades, cada uma gerando seus próprios atores.

A realidade dos alunos do Colégio Santa Cruz em São Paulo, com suas preocupações e o esboço de seu destino que já é, em certo aspecto, previsível desde cedo, de forma alguma parece se dar no mesmo país, na mesma população, que a realidade dos alunos de Pernambuco.  São vidas diferentes, caracterizadas por condições e possibilidades diferentes.O filme ressalta a desigualdade presente em nossa sociedade de forma muito aguda, porém com um olhar para a origem educacional dessa desigualdade, para a forma pela qual as condições de ensino que são oferecidas para uma população determinam em grande parte (e, no decorrer da história, também são determinadas por) as condições de vida que essa população enfrenta.

A educação no Brasil, como foi dito, de fato reflete a sociedade que temos. Seria mais acurado dizer que as educações no Brasil refletem as sociedades que temos, pois os níveis de diferença existentes entre as primeiras geram uma variação tremenda nas últimas, e colocar todas em uma perspectiva de singularidade, de união, é completamente contra intuitivo.Fica muito marcante no filme, especialmente na investigação das escolas de comunidades mais carentes, como são apresentadas as perspectivas dos alunos e dos professores.

As queixas que uns tem em relação aos outros, a desmoralização que os professores sentem partindo dos alunos e a desmotivação que os alunos sentem com condições precárias e um nível tão grande de absenteísmo por parte dos professores são aspectos demonstrados com grande ênfase, e muito é discutido por parte de alunos, professores, coordenadores e diretores a respeito dessas dificuldades.Essas discussões, no entanto, passam constantemente a sensação de impotência, a impressão de um debate que é travado apesar da causa em questão já ser considerada perdida. Os professores e alunos descrevem as dificuldades que vivem e a precariedade de condições que enfrentam, e todas essas dificuldades acabam por parecer determinantes das faltas por parte dos professores, do abuso por parte dos alunos, enfim, a situação problemática se sustenta e nenhuma perspectiva de mudança parece surgir.

Esse estado de coisas que acabei de descrever é um indicador que o problema está mais embaixo, que não são as queixas, assim como apresentadas, que devem ser atendidas (não é apenas uma questão de alunos serem mais educados ou professores faltarem menos) mas é, sim, toda uma estrutura que deve ser trabalhada, alterada e de fato reconstruída É a estrutura da comunidade, do ensino, que gera as condições precárias que, por sua vez, originam todas as queixas apresentadas tão claramente no filme.A definição exata dos problemas estruturais enfrentados pela educação brasileira, assim como a explicação de suas origens, é uma questão complexa. Envolve anos de desenvolvimento de uma sociedade desigual que sofreu influencia de lutas políticas em muitos níveis, e as intenções e necessidades por parte da população se tornaram tão divergentes entre si que parece impossível servir a todos.

O aspecto político do país que determina a distribuição de renda, o investimento em educação, assim com outras demandas sociais é um elemento de essencial compreensão para que se possa pensar na origem do problema da educação no país. Sendo, como foi observado, um processo social e político, a educação só alcança o mesmo progresso que uma nação alcança como um todo social e politicamente, de forma que uma sociedade como a nossa, desigual e permeada pela riqueza concentrada e pela constante corrupção, apresentará limites óbvios no seu progresso em educar a população, como de fato acontece.Uma pergunta que tenho me feito muito no decorrer desse curso é justamente se há espaço ou mesmo possibilidade para mudança da situação atual do país, tanto em nível de educação como em outros aspectos.

Apesar de todas as dificuldades, que são sempre muito chamativas e evidentes, acredito que não podemos ignorar o progresso que tem sido feito nas últimas décadas, tanto a nível de teoria da educação, nas ciências psicopedagógicas, como a nível de aplicação prática no contínuo incentivo e importância dados pela sociedade para a questão educacional.Em um cenário global de constante mudança, um país que compreende cada vez mais a importância que a educação possui para seu desenvolvimento, e é capaz de produzir um nível de insight a respeito de sua própria situação que permita o próprio desenvolvimento do filme estudado, ou mesmo do curso que tivemos neste semestre, é importante manter em mente que a educação do país é uma luta que não deve ser abandonada, na qual muito já foi conquistado e as perspectivas de melhoria, pelo bem ou pelo mal (uma vez que necessariamente implicam em um estado atual de carência) são muitas.

Como estudante de psicologia, quando confrontado com a questão do que é necessário que se mude para que uma situação possa melhorar, penso imediatamente que a primeira medida a ser tomada é a busca por uma compreensão cada vez maior da situação atual, de suas origens, conseqüências e ramificações, em paralelo com um esforço de conscientização daquilo que é percebido através dessa busca. É neste sentido, acredito, que reside uma das mais importantes contribuições que o psicólogo pode ter para com a continuação da mudança do cenário de educação brasileiro (que, repito, deve ser visto como um processo em andamento, e não como algo que deve ser iniciado, uma espécie de tarefa hercúlea que só poderia ser atingida com uma revolução completa e provavelmente violenta). Essa contribuição é a proporcionada, por exemplo, pelo curso que desfrutamos no núcleo de educação, uma dedicação no estudo e na aplicação prática, por parte de profissionais preocupados, na investigação e compreensão conjunta da tarefa a ser enfrentada.

Também não pode deixar de ser mencionado o aspecto do trabalho do psicólogo que é voltado para a dimensão subjetiva, no caso, do processo educacional em particular, e da sociedade e do homem como um todo. Essa dimensão é a dimensão sobre a qual age a especificidade da competência do psicólogo, e é ela que o diferencia do pedagogo, do político, e de tantos outros atores que devem trabalhar em conjunto para efetua as mudanças necessárias.O (psico)diagnóstico da dimensão subjetiva, um esboço do qual se torna possível, por exemplo, na consideração do curso em relação ao filme, compreende parte da contribuição que o psicólogo pode se tornar qualificado a fazer, cuja importância como fundação e agente de mudanças para nós é tão clara.

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