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A posição castrativa como complemento das posições modificadas de Melanie Klein

Venho propôr a modificação de características básicas das posições esquizo-paranóide e depressiva de Melanie Klein  ( Laplanche & Pontalis, 1990 ), e a introdução de mais uma posição, a castrativa, enquadrando as posições em organizações de personalidade.

Klein considera que a posição esquizo-paranóide se caracteriza predominantemente por conteúdos projectivos, em que o indivíduo por identificação projectiva coloca no outro características suas e se identifica com elas. Neste caso, e na relação mais precoce mãe-bebé, que subjaz as características esquizo-paranóides, podemos considerar as noções de Bion ( citado por Symington & Symington, 1999 ) de continente e conteúdo, em que na projecção referida o bebé projectará os conteúdos e a mãe funcionará como continente, como receptora dos conteúdos.

Venho agora indicar, nesta fase mais precoce de desenvolvimento, o funcionamento do bebé enquanto continente e da mãe enquanto originadora de conteúdos. É que, nesta fase mais precoce, há a primazia da erogeneização da boca através do seio, enquanto fornecedor de alimentação e, portanto, de conteúdos a incorporar. É de notar, na observação clínica e quotidiana, a voracidade buco-visual, nesta fase precoce, do bebé. É de notar, aqui, um exemplo, que é o da toxicodependência, particularmente o consumo de tabaco. As razões psicológicas para esta dependência terão natureza introjectiva, já que o acto de inalar o fumo tem características mais introjectivas do que projectivas. Isto, considerando que se costuma perspectivar clinicamente a dependência de tabaco, como baseado em fixações orais. Para mais, estaria coerente com este artigo, não dando a primazia à projecção como caracterizando o consumo de tabaco. Noutra perspectiva, enquadra-se a noção de que a paranóia persecutória presente na posição esquizo-paranóide tem características introjectivas que fariam descrever esta paranóia persecutória como uma introjecção persecutória. A base para isto estaria na consideração, nesta fase, do bebé enquanto continente e a mãe enquanto originadora de conteúdos. Assim, o bebé introjectaria persecutoriamente ansiedades e angústias projectadas pela mãe. Considero, pois, que, devido a esta importância referida, a posição esquizo-paranóide se caracteriza mais por conteúdos introjectivos do que projectivos. Em consequência, poder-se-à dizer que a estrutura psicótica, normal ou descompensada ( Bergeret, 1997 ), se caracteriza sobremaneira pela introjecção, e não pela projecção. Perspectivando a saída desta posição esquizo-paranóide, tenha-se em conta a noção psicanalítica de não-seio, enquanto originador do pensamento.

Já a posição depressiva, que, segundo Klein, se caracteriza pela introjecção, pelo movimento introjectivo das características do objecto externo, que é integrado mais tarde enquanto objecto total interno, terá, ao invés, outras características, considerando o que já foi dito quanto à posição esquizo-paranóide, de se caracterizar, ela sim, pela introjecção, e tendo em conta a sua relação com organizações de personalidade. Assim, estabelece-se um paralelo com a organização borderline, por esta ter por fundamentos quadros depressivos, em particular de abandono e de desamparo. O paralelo estabelece-se, sobremaneira, por, tal como o nome indica, haver relação entre a depressividade e a posição depressiva.

É que a economia depressígena básica, de afecto dado e não correspondido, tem, se se analisar com cuidado, características projectivas. O afecto é dado, é externalizado, sendo, portanto, mais projectivo do que introjectivo.

Poder-se-à, aqui, enquadrar o vazio depressivo do histérico, considerando, para mais, a minha noção de pseudoestrutura neurótica da histeria, tal como avançado em Desenvolvimento da personalidade histérica para uma verdadeira estrutura de personalidade (Resende, 2008). Perspective-se, para mais, a externalização verbal agressiva típica no histérico, pela agressividade fálica, enquadrado em características psicóticas, portanto num quadro borderline, como tido em conta no meu artigo Complexo de Anti-Cristo – Perspectiva Psicodinâmica       (Resende, 2007) ou em outro artigo meu, Mecanismos de defesa e Mecanismos de ataque (Resende, 2010). Podemos basear-nos nos mecanismos de ataque, descritos neste último artigo referido, e característicos nos histéricos, e psicóticos, particularmente num quadro borderline, para compreendermos melhor a natureza projectiva da depressividade.

É de ter em conta a noção de que a externalização verbal agressiva fálica típica no histérico, enquadrado em características psicóticas, portanto num quadro borderline, deverá ser considerada enquanto meio transitivo na passagem das características psicóticas para as características mais histéricas. Deve ainda ser tomada em linha de conta a ambivalência homossexual, típica no histérico, e o enquadramento borderline, no seu aspecto transitivo, tanto a primeira como o segundo no sentido da resolução da ambivalência, a primeira da ambivalência homossexual e o segundo na resolução da ambivalência entre as características psicóticas e as características histéricas. Voltando àquela externalização referida, poder-se-ia dizer que a organização borderline se caracterizará pela projecção histérica de características psicóticas. Dir-se-à mesmo que os meios de relacionamentos são histéricos e as bases são psicóticas. Relacione-se, o agora dito, com a noção de que o histerismo é mais típico nas mulheres e de que a existência nestas da vagina, enquanto receptáculo, a ser penetrado, podendo nós ter a noção do nascimento do bebé enquanto penetração de dentro para fora, denota, dizia, dizia eu, a natureza introjectiva, tal como já dito no artigo, das bases psicóticas do histerismo, no enquadramento borderline.
Assim, pelo já considerado, a posição depressiva se caracteriza mais por conteúdos projectivos do que introjectivos.

Ademais, e perspectivando a posição integrativa considerada no meu artigo Para além das posições de Melanie Klein (Resende, 2009), numa noção de integração das características introjectivas e projectivas das posições esquizo-paranóide e depressiva, introduzo a posição castrativa, que, sendo ulterior, está relacionada com o complexo de castração, tipicamente genital, e está enquadrada na estrutura obsessiva. Importantemente, é de ter a noção de que relacionado com esta estrutura e caracterizando a posição castrativa, está o mecanismo de juízo, ou julgamento, de condenação. Este mecanismo está enunciado no Vocabulário da Psicanálise de Laplanche & Pontalis (1990), sendo aí caracterizado como uma " Operação ou atitude pela qual o indivíduo, ao tomar consciência de um desejo, a si mesmo proíbe a sua realização, principalmente por razões morais ou de oportunidade " ( p. 225 ). Freud, como referido pelos autores acima mencionados, considera-o como um modo de defesa mais elaborado e adaptado do que o recalcamento. Daniel Lagache ( citado por Laplanche & Pontalis, 1990 ) vê neste juízo, de um modo mais geral, consequências ao nível do tratamento analítico, como:    " adiamento da satisfação, modificação dos alvos e dos objectos, tomada em consideração das possibilidades oferecidas pela realidade ao indivíduo e dos diversos valores em jogo " e " compatibilidade com o conjunto das exigências do indivíduo " ( p. 226 ).

Já as diferenças, relativamente às concepções originais Kleinianas e relativamente à perspectivação psicopatológica das personalidades, atrás enunciadas, principalmente quanto aos enquadramentos esquizo-paranóide e depressivo, trarão consequências significativas a nível psicoterapêutico.

Bibliografia

Bergeret, J. ( 1997 ). A personalidade normal e patológica        ( tradução portuguesa ). Climepsi Editores

Laplanche, J. & Pontalis, J. B. ( 1990 ). Vocabulário da Psicanálise ( tradução portuguesa ) 7ª edição. Editorial Presença. Lisboa

Resende, S. ( 2007 ). Complexo de Anti-Cristo – Perspectiva Psicodinâmica in www.redepsi.com.br, em secção Artigos/Teorias e Sistemas no Campo Psi em 28/10/2007

Resende, S. ( 2008 ). Desenvolvimento da personalidade histérica para uma verdadeira estrutura de personalidade in www.redepsi.com.br, em secção Artigos/Teorias e Sistemas no Campo Psi em 30/12/2008

Resende, S. ( 2009 ). Para além das posições de Melanie Klein in www.redepsi.com.br, em secção Artigos/Teorias e Sistemas no Campo Psi em 02/03/2009

Resende, S. ( 2010 ). Mecanismos de defesa e Mecanismos de ataque in www.redepsi.com.br, em secção Artigos/Teorias e Sistemas no Campo Psi em 15/10/2010

Symington, J. & Symington, N. ( 1999 ). O pensamento clínico de Wilfred Bion ( tradução portuguesa ). Climepsi Editores 

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