Entrevista realizada pelas alunas do Curso de Psicologia (UNIFMU) sobre as possibilidades de Intervenções Psicoterápicas em Deficientes Mentais a partir da Abordagem Terapêutica Complementar da Equoterapia.
1 – Gostaríamos que nos esclarecesse como se dá a atuação do psicólogo com atendimento voltado para deficientes mentais?
Inicialmente é importante que o psicoterapeuta conheça bem o caso clínico – no meu caso, eu era responsável por todas as avaliações diagnósticas de crianças que iriam desenvolver um trabalho terapêutico ou psicopedagógico na Instituição. O psicoterapeuta precisa conhecer bem a estrutura familiar, o histórico da doença, as habilidades e defasagens do paciente tratado. Há uma diferença importante no tratamento, dependendo do grau de deficiência intelectual que se está falando – no caso trabalhei com crianças com Deficiência mental moderada e leve. Algumas sabiam falar, outras não. Algumas entendiam comandos simples, outras não. Algumas apresentavam habilidades motoras preservadas, outras não – novamente a importância de se conhecer o paciente, seu diagnóstico, seu quadro como um todo e a opinião dos profissionais que o acompanham: Neuropediatra, Fisioterapeuta, T.O., Fonoaudióloga, Pedagoga,etc. Frente a todos estes detalhes apontados (e muitos outros mais) e por muitas vezes tratarmos destes casos em ambulatórios (aonde a demanda é alta e o tempo curto), o trabalho em grupo muitas vezes é uma alternativa positiva.
Há casos que exigem um trabalho individualizado que, geralmente, segue na linha da ludoterapia, desenvolvimento de AVDs e AVPs (Atividades de vida diária e pratica), passeios e atividades externas ao consultório, brincadeiras e jogos de cunho psicopedagógico. Nos casos que possibilitavam um trabalho em grupo, desenvolvia grupos de passeio (atividade externa – ensinar a atravessar a rua, andar na faixa, pegar ônibus, utilizar dinheiro, fazer compras…); grupos de orientação sexual (voltado para professores, pais e crianças especiais); grupo de atividades esportivas (Basquete, futebol…), grupos de ludoterapia (para os pacientes pequenos, de 4 a 8 anos) e grupos de equitação lúdica. Tal abordagem era possível tendo em vista o quadro clinico dos pacientes, o tempo de cada atividade, a filosofia e a política interna da Instituição, a troca multiprofissional, entre outros pontos fundamentais quando se trabalha com este público internamente a uma Instituição.
2 – Como se dá a técnica de Equoterapia no tratamento de deficientes mentais?
Inicialmente, após uma avaliação positiva do Fisiatra, Médico e Fisioterapeuta que indiquem a equoterapia para o quadro clínico apresentado, a equipe multiprofissional se reúne e verifica qual a questão primordial do caso, o que é mais importante para o quadro clinico:
Trabalhar postura e hipotonia? Aprimorar o equilíbrio? Trabalhar questões foniátricas? Focar e abordar os medos, indisciplina? Desenvolver e estimular as trocas relacionais? Aprimorar e/ou estimular conhecimentos pedagógicos por meio de brincadeiras e atividades dirigidas sobre o cavalo?
Tendo clara qual a questão do quadro, na qual a Equoterapia teria um investimento e retorno positivo, seleciona-se a equipe que irá trabalhar mais intensamente estas questões – se vai ficar focado em atividades pedagógicas (psicopedagogo), atividades lúdicas, relacionais e/ou disciplinares (psicólogo), atividades de equilíbrio, postura (fisioterapeuta), atividades de linguagem e fonação (fonoaudiólogo) ou atividades exclusivas da mobilidade de braços e mãos (TO) – só para exemplificar.
Sempre haverá um condutor de cavalo formado em equitação (como estabelece a ANDE) que será responsável pelo trato e condução adequada do animal – este profissional também cuidara muitas vezes da aproximação e afastamento do paciente com o cavalo.Verifica-se se o paciente fará montaria sozinho ou se um profissional montará junto (a questão do peso do paciente influi nesta decisão também). Estabelece-se o plano de percurso e as atividades que serão realizadas na equoterapia: Como será a aproximação com o cavalo, "saudar o amigo cavalo", seqüência de exercícios e/ou montaria (ao passo, trote ou cavalgando), qual o percurso (solo e tipo de terreno), como será o encerramento da atividade (conduzir o cavalo até a baia, dar alimento ao animal, despedir-se na rampa, etc).
Em geral, a experiência com pacientes com deficiência intelectual (Síndrome de Down, Sd. de Williams, Sd. do X-Frágil, Encefalopatia Crônica, Sd. Epilépticas, entre outros) acompanhadas até o momento foram muito bem sucedidas.
Os pacientes, no caso crianças e jovens, se empolgam com o trato e aproximação com o animal e logo querem montar. O tratamento ocorre por meio da diversão e prazer da montaria, e um tratamento a partir do lúdico e do contato com a natureza. As crianças ficavam curiosas e perguntavam sobre os hábitos do animal, aceitavam orientações e regras para possibilitar a atividade sobre o cavalo, participavam de atividades direcionadas sobre o cavalo que estimulavam postura, equilíbrio, noções pedagógicas, trocas afetivas, etc.
3 – Qual a abordagem teórica utilizada nos casos que você atende ?
Sigo a abordagem psicanalítica. A mesma é fundamental na coleta de dados anamnéticos e escuta clínica do paciente antes do início desta abordagem terapêutica complementar (Equoterapia). Por ser uma abordagem transdisciplinar, cabe ao psicólogo ficar muito atento aos saberes que se agregam ao seu, no caso vindos da neuropediatra (neurologia e medicina), fisioterapeuta, fonoaudióloga, terapeuta ocupacional e profissional de equitação como foi no caso da equipe que trabalhou junto a mim. É a discussão do caso em equipe e o planejamento estratégico conjunto, aliados a ferramentas e saberes diversos que tornam esta prática tão pontual e funcional na reabilitação de quadros neurológicos, sindrômicos, psíquicos e motores.
4 – Quais dificuldades você encontrou na utilização dessa técnica com os deficientes mentais?
Geralmente há uma inicial resistência e negativismo quanto a disciplina – o que é esperado e tende a amenizar em pouco tempo. Muitas vezes os pais enxergam a equoterapia como algo supérfluo, uma brincadeira ou mesmo algo sem sentido – precisando ser orientados e escutados em sua história e demanda.
Como toda técnica, há casos que são contra-indicados ou se tornam contra-indicados para a mesma. O profissional deve estar sempre atento e compartilhar com colegas suas impressões e verificar constantemente a validade e retorno do tratamento em cada caso particular. Reuniões clínicas para estudo de caso são fundamentais.
5 – Quais os benefícios que essa técnica traz para o dia-a-dia (vida) do deficiente mental?
Relaxamento e desenvolvimento muscular, estimulação neurovegetativa e melhora na postura e equilíbrio, desenvolvimento da comunicação e linguagem, disciplina, bem-estar, contato interpessoal, troca de afeto e carinho (com o animal e com a equipe).
Como nos estabelece UZUN (2005) em seu livro "Equoterapia: aplicação em distúrbios do equilíbrio": As principais conquistas da equoterapia são o desenvolvimento da auto-confiança, segurança, disciplina, concentração e bem-estar do paciente. A prática eqüestre favorece ainda a sociabilidade, uma vez que integra o praticante, o cavalo, e os profissionais envolvidos.
6 – Durante o processo de intervenção, como se dá sua interação com os familiares?
Devem ser escutados e orientados constantemente!
Eles são os primeiros a serem ouvidos na avaliação clínica da criança, quando há a anamnese. Posteriormente, acompanham o trabalho como observadores e tornam-se importantes. Além dos relatórios mensais ou semestrais do caso clínico (dependendo do tempo estabelecido para cada caso em particular – no mínimo 6 meses, para obtenção de algum resultado), busco orientar e escutar os pais ou responsáveis sobre a evolução, as dificuldades e as opiniões sobre o tratamento.
7 – Existe um tempo determinado para a utilização dessa técnica?
É indicado pela ANDE (Associação Nacional de Equoterapia – http://www.equoterapia.org.br/) que a sessão sobre o cavalo, ou seja, o paciente montando o cavalo, transcorra em 30 minutos. Isto porque a estimulação neurovegetativa do movimento de cavalgar em 30 minutos promove o relaxamento e exercícios fisioterapêuticos, musculares adequados para os casos clínicos. Uma montaria superior a 30 minutos pode causar estafa muscular ou até provocar o resultado oposto ao esperado no caso de paciente que sofre de espasticidade, desvios na coluna, hipotonia e outros quadros.
A quantidade de adequações posturais e estimulação geradas em 30 minutos de montaria, a partir da equoterapia, foi estabelecida como ideal e indicada pelos profissionais da ANDE Brasil.
Claro que há todo um trabalho que vai alé da montaria, como a aproximação com o cavalo, o trato com este – escovação, limpeza, alimentação – foco muito importante quando se trabalha com crianças especiais. Devido a isto uma sessão de equoterapia pode variar de 45 minutos a 1 hora.
Para obter-se algum resultado acredita-se que a permanência em tratamento deve ser de no mínimo 6 meses, uma vez por semana. Ha locais com grande rotatividade e procura, onde a permanência no tratamento chega no máximo a 6 meses, outros chegam a conduzir o tratamento por um, dois anos. As questões financeiras e políticas interferem muito nestes casos.
No site da ANDE é possível verificar quais os centros de equitação e hipismo devidamente equipados e adequados para a condução deste tratamento complementar.