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Sexualidade feminina: aspectos culturais da repressão sexual e suas consequencias

1. INTRODUÇÃO           

Ao longo dos séculos podemos observar diversas mudanças em relação à educação sexual das mulheres. Por volta do século XVI, as questões sexuais obedeciam a padrões próprios daquela época e, segundo Áries (1981), a sexualidade era reconhecida para os adultos e até para as crianças. As necessidades sexuais das mulheres eram aceitas e valorizadas, sendo o sexo visto como algo natural, sem repressões ou preconceitos, inclusive nas brincadeiras das crianças observava-se um estímulo, não havia antagonismo entre o corpo e o mundo social.  Áries (1981) complementa seu pensamento diante da sexualidade com a afirmação de que esta variava de acordo com a época e as mentalidades.

Mais recentemente, com a transformação do matriarcado para o patriarcado e da supremacia da igreja, muitas mudanças ocorreram no que diz respeito à mulher e a visão da sua sexualidade, e, houve então, a interdição da sexualidade feminina, cabendo-lhe restrições ao desfrute do prazer sexual e relacionando a mulher a necessidade de procriação.

A revolução industrial incorporou a mulher no mercado de trabalho e desta maneira ela ganha alguma independência, fazendo surgir novas mudanças nos papéis sexuais estabelecidos para homens e mulheres. Segundo Fernandes e Catão (2008) neste período a mulher vai em busca de outras formas de experienciar sua sexualidade, procurando alcançar suas satisfações e desejos.

No entanto, apesar das diversas mudanças ocorridas no desenvolvimento da sexualidade feminina/educação sexual desta, percebe-se que o que ainda prevalece são formas veladas de independência, e a busca pelo seu pleno desempenho e prazer sexual ainda parece estar muito longe de se concretizar.

Por meio do interesse em relação aos aspectos sociais e psicológicos que envolvem a questão da sexualidade feminina e que estes desempenham um papel fundamental na orientação do comportamento sexual feminino, o presente trabalho teve como objetivo analisar o processo de desenvolvimento da sexualidade feminina historicamente e apontar os possíveis danos que a educação sexual repressora pode trazer para a mulher. Desta forma, visa-se contribuir com os profissionais da saúde que atuam no atendimento de queixas de disfunção sexual feminina, já que a sexualidade disfuncional pode repercutir na saúde física e mental da mesma.Este artigo teve como foco a pesquisa bibliográfica, segundo Lakatos e Marconi (1987) consiste na busca e seleção de bibliografias já publicadas sobre o assunto, visando colocar o pesquisador em contato direto com todo o material já escrito sobre o tema. O levantamento bibliográfico se deu em sites (como psiqweb), base de dados Scielo, livros sobre o tema sexualidade feminina, artigos de revistas na área de psicologia e outros materiais da internet referente ao assunto. Para a pesquisa em bancos de dados utilizou-se como palavras chaves: sexualidade feminina e disfunção sexual.

Para enfatizar a importância que o assunto vem ganhando podemos observar os resultados de algumas pesquisas sobre a vida sexual das mulheres, a qual se apresenta um grande número de queixas de disfunção vivenciadas na rotina dos consultórios ginecológicos e psicológicos relacionadas a problemas sexuais. Este fato tem alcançado cada vez mais importância, uma vez que uma prática sexual regular e satisfatória vem sendo prescrita até pelo Ministro da Saúde – José Gomes Temporão, em reportagem divulgada pela Revista Época (maio de 2010), para diminuir a incidência de hipertensão.

É necessário então, o desenvolvimento de pesquisas sobre a sexualidade feminina, enfocando a sua identidade, seu comportamento sexual, e, sobretudo, referente aos aspectos culturais e as crenças disfuncionais que permeiam este tema para ajudá-la em um desempenho sexual satisfatório, afastando-a dos distúrbios da sexualidade. Estes estudos permitem desmistificar uma série de tabus, que para Rangé (2001) consiste em idéias errôneas, sem correspondência com a realidade, transmitida como verdade e que se não forem corrigidas, poderão permanecer ou serem substituídas por outras. O conceito de existência sobre a prática sexual da mulher, propiciando informações que lhe trará a possibilidade de refletir sobre sua identidade sexual, conhecimento sobre o próprio corpo, e mais que isso, talvez voltar a estabelecer, como no século XVI, o sexo como algo natural e necessário para o desenvolvimento de uma sexualidade saudável.

2. HISTÓRIA DA SEXUALIDADE FEMININA         

Segundo a pesquisadora Abdo (2008) existem registros de comportamento sexual do homem por volta de 22 mil anos atrás. Na pré-história, conforme Seixas (1998) nos relata, a sexualidade é permissiva e os acasalamentos permanentes, o ato sexual é voltado exclusivamente para a satisfação física e a procriação é uma conseqüência.            

Passado alguns milhares de anos, o homem inicia uma conjunção de normas relacionadas à sexualidade, surgindo a partir daí o tabu do incesto (no sentido mãe/filho – pai/filha) e também a interdição entre parentes próximos como irmãos.            

No período da inquisição, o desejo sexual era visto como algo satânico, e as mulheres, por serem sedutoras, eram vistas como tentações do demônio. De acordo com Abdo (2008), neste período muitas mulheres foram inclusive queimadas sob a alegação de realizarem bruxaria. Por volta do século XIX a atividade sexual foi então marcada pelo objetivo de reprodução e o prazer sexual visto como pecado. Havia o interdito de qualquer relação da sexualidade feminina com a obtenção de prazer sexual.            

Heilborn (2006, p. 45) afirma que através de estudos dos processos histórico-culturais podemos observar que algumas condutas aceitas em determinados períodos começam a ser interditadas em outros, modificando a interação entre os indivíduos no que diz respeito a manifestação da sua sexualidade. “Através do autocontrole individual os interditos são internalizados e atos que eram praticados publicamente se transformam em comportamentos cada vez mais privados”.  Assim como, em um movimento histórico, estas condutas podem passar a vir à tona novamente, de maneira diferente, adaptadas ao período em que se encontram.          

Se, por um lado, até o final do século XIX e início do século XX o binômio sexualidade-reprodução referente à sexualidade feminina continuava, por outro lado, iniciam-se estudos de uma nova ciência – a sexologia – e com os estudos de Freud começa uma nova visão da sexualidade humana, como algo fundamental na vivência dos seres humanos. Conforme Xavier Filha (2003), já no final do século XIX, com os estudos de Kinsey, Masters e Johnson, Ellis e Kaplan há uma reviravolta nas discussões sobre sexo e técnicas sexuais, anatomia genital e formas de prazer feminino.          

Seguindo na história da sexualidade feminina, após o surgimento da nova ciência (sexologia) e da realização de estudos importantes de pesquisas científicas a questão da sexualidade vai para além do determinismo biológico e das definições sócio-culturais, retratando o conceito de papel sexual, que remete ao modo pelo qual uma pessoa expressa a sua identidade sexual e convive bem com ela.           

Com a revolução industrial a mulher ganha um novo norte com sua incorporação ao mercado de trabalho. Esta inicia uma atividade que lhe rende lucro e deixa de lado a exclusividade do trabalho doméstico e do lar.          

Neste contexto de mudanças bruscas em relação à mulher Xavier Filha (2003) faz referência aos modos como a impressa relata a sexualidade feminina. Por volta dos anos 50 a sexualidade aparece como ligada a reprodução e vinculada ao casamento. O papel desta seria o de, então mulher casada, satisfazer as vontades do marido.  Com o impulso do movimento fe­minista, com o advento da pílula anticoncep­cional, deu início a uma maior liberdade sexual, liberando as mulheres para a escolha consciente da maternidade. Em meados da década de 70 o discurso sobre a sexualidade feminina adquire novo sentido – A mulher deveria deixar sua condição de assexuada e de ir à busca de orgasmos múltiplos, como “segura de si e exigente de direitos sexuais”.  Introduz-se também o direito a masturbação, o que é chamado também de auto-erotismo – “aproximadamente 50% das mulheres ocidentais desconheciam o orgasmo, e uma porcentagem ainda maior se mantinha passiva durante o coito” (XAVIER FILHA, 2003, p. 10).            

Trindade e Ferreira (2008) afirmam que o movimento de emancipação da mulher foi uma grande conquista, mas, também trouxe conseqüências como a dupla jornada de trabalho (casa, filhos e emprego), e que toda esta carga acaba trazendo conseqüências para a saúde da mulher, afetando por vezes a sua sexualidade.            

Cavalcanti & Cavalcanti (1992) nos diz que a emancipação da mulher foi um fenômeno que apareceu insidiosamente na última década do século passado, mas cujo ritmo de evolução se fez sentir de modo mais claro após a 2.ª guerra mundial. A igualdade dos direitos sexuais era apenas uma das reivindicações do movimento feminista de emancipação. Pretendia-se a igualdade de direitos políticos, econômicos, laborais, legais e ante este movimento de igualação, visava-se também a igualdade da conduta sexual.           

A dupla moral era insustentável e, não havia como defender a realidade distinta – porque o homem tinha que chegar ao casamento com uma experiência sexual prévia e a mulher tinha que casar virgem. Sendo o sexo coisa ruim, pecaminosa, porque este deveria ser guardado para ser praticado exatamente com quem se ama e sob a esfera da instituição sagrada do casamento?!

2.1 QUESTÕES PSICOSSOCIAIS DA SEXUALIDADE

Segundo Rangé (2001) o exercício da sexualidade é algo complexo e que envolve a prática dos genitais, experiências de aproximação, transmissão de sensações, entre outros. Implica ainda hábitos adquiridos, atitudes e, sobretudo, significados socialmente aprendidos, relacionados com a história de vida de cada indivíduo e sua maneira de internalizar as normas sociais.             

Rangé (2001) aponta que as causas psicológicas mais comuns constituem-se de acordo com três fatores: 1) os predisposicionais: que incluem as relações familiares conflitantes, as relações sexuais traumáticas, uma educação restritiva, baseada em preceitos morais e/ou religiosos (tornam a pessoa vulnerável ao desenvolvimento da disfunção), 2) causas precipitadoras: como conflitos na relação conjugal, infidelidade, envelhecimento, disfunção do parceiro, depressão e ansiedade e reações psicológicas a fator orgânico (propiciam o aparecimento da disfunção) e 3) os fatores mantenedores: como a ansiedade em corresponder ao desempenho esperado, exigências do parceiro, falta de comunicação, culpa, desinformação sobre o próprio corpo, perda de interesse (fazem com que a disfunção persista ou piore).               

 No entanto, temos a cultura e a sociedade que exercem um papel profundamente modelador da atividade sexual. Elas podem interferir negativa ou positivamente no desempenho erótico das pessoas, principalmente na mulher, através da repressão disseminada durante séculos e as informações dúbias que vigoram na sociedade.          

Heilborn (2006, p. 6) nos coloca a importância de uma abordagem sociológica da sexualidade, pois, assim conseguiremos demonstrar de maneira consistente que “os mecanismos inconscientes de origem social conformam a subjetividade do indivíduo, de modo que o intrapsíquico não tem origem somente em uma psicologia individual, mas em regras coletivas que estão interiorizadas”.O grupo social, através dos padrões de comportamentos, define os papéis que as pessoas devem representar e as submete a estas condutas. Este aprendizado de papéis refere-se a maneira como a sociedade introduz no indivíduo um modelo do modo de sentir, pensar e de agir do grupo, passando a viver em conformidade com ele. O processo de aprendizagem social ocorre durante toda a vida e não pode ser apagado da noite para o dia.           

Dentre as impressões deixadas pelo grupo social temos três instituições que sempre deixam a marca de seus ensinamentos: a família, a religião e a escola.           

A família é o primeiro agente da função socializadora, para Bernardi (1985) atua em um período fundamental do desenvolvimento, podendo atuar de modo a evitar os danos da repressão social, mas tende a não aceitar a sexualidade de seus descendentes, negando-a e reprimindo-a por não saber lidar com ela. Dessa forma, acaba os educando não para o exercício da sexualidade saudável, e sim, para a sua repressão (não se prega aqui o estímulo a sexualidade de uma criança, mas sim, a aceitação de seu normal desenvolvimento, orientando-a no que convir).A igreja, por sua vez, apresenta um sistema de crenças que orienta o comportamento e a vida das pessoas de acordo com as linhas de seus preceitos morais. Esta, apesar das reformas por que sofreu, ainda mantém a idéia de sexo para a exclusividade da concepção e rejeita os métodos contraceptivos e protetores da saúde, vendo o prazer sexual como algo pecaminoso, imoral.As escolas, apesar de já realizarem algumas discussões antes impensadas, como os métodos contraceptivos, ainda trazem como referência principal informações apenas de base biológica. Assim, a repressão é a linha mestra da educação sexual, na qual os ensinamentos são voltados às técnicas biológicas (ovulação, fecundação, entre outros.), deixando de lado o mistério do prazer (BERNARDI, 1985).Se a repressão persiste por um lado, por outro, com o advento da revolução sexual, passou-se a exigir traços inovadores, sendo que o prazer sexual passa a ser uma exigência à mulher. Esta, que continua com falta de informação sobre seu corpo e ainda possui mitos e tabus sexuais, vê na obrigação de desempenho um fator gerador de ansiedade, que por sua vez é um fator inibidor. Desta forma, com a desrepressão, temos uma nova forma de reprimir. Para Bernardi (1985), esta desrepressão vem mascarada, pois as orientações de base em nada mudaram e somente as novas modas do vestuário não darão conta de restituir dignidade ao corpo humano. Já Heilborn (2006) traz para debate as posições defendidas por Michel Bozon, que argumenta que a idéia de revolução sexual é falsa e afirma que não houve uma reviravolta total capaz de modificar o exercício da sexualidade.            

2.2 POSSÍVEIS DANOS CAUSADOS

Segundo Seixas (2008) as disfunções sexuais constituem a grande maioria dos problemas de sexualidade. Em um recente estudo sobre a vida sexual do brasileiro pela psiquiatra Carmita Abdo do Projeto de sexualidade (com 7.103 participantes), cerca de 50% das mulheres brasileiras sofrem de algum tipo de disfunção sexual, o que traz grande preocupação para os profissionais da saúde, pois, trata-se de um número muito alto de incidência.      
      

Cavalcanti & Cavalcanti (1992) argumenta que todas as nossas respostas sexuais humanas são comportamentos respondentes ou atos reflexos independentes de nossa vontade, e a disfunção sexual, como tal, é um bloqueio total ou parcial da resposta psicofisiológica. O fato é que aprendemos no meio social a criar obstáculos à resposta fisiológica, que é involuntariamente eliciada pela apresentação de um estímulo erótico. 

Conforme Rangé (2001), a falta de informação sexual, as distorções dos ensinamentos (seja por preceitos religiosos ou sociais) ou a estimulação excessiva podem determinar os mais variados distúrbios na atividade sexual. De modo geral, apresentam-se as causas psicossociológicas das disfunções sexuais em duas categorias: causas sócio-culturais (ligadas a fatores psicológicos individuais, geralmente introjetados em sua experiência de vida e influenciado pela cultura que o cerca) e causas comportamentais (relacionada a problemas físicos, orgânicos).            

Para Ballone (2004), contrário do que a maioria das mulheres sexualmente reprimidas imagina, está provado que os casos de disfunção causada por limitações físicas são raros, sendo os fatores mais decisivos na regulagem do apetite sexual, os fatores psicológicos.           

Na mulher, os fatores psicológicos podem gerar desde uma falta de desejo em iniciar uma relação, falta de lubrificação vaginal e na dilatação, falta de prazer na relação sexual ou até mesmo dor durante o ato.             

Ballone (2004, p. 1) traz que entre as queixas mais freqüentes está a falta de orgasmo (anorgasmias), “cerca de um terço das mulheres não consegue atingi-lo”. A frigidez é a mais rígida das inibições femininas. Em geral, elas não sentem ou sente pouco prazer erótico com a estimulação sexual. Outro problema predominantemente feminino é a falta de desejo – 35% das mulheres não sentem nenhuma vontade de ter relações sexuais. Além destas disfunções, Cavalcanti & Cavalcanti (1992) cita outras duas que, embora não sejam alterações específicas da reação sexual humana, dificultam ou impedem esta resposta – são elas a dispareunia e o vaginismo. Dispareunia significa dificuldade no coito, está expressa pela dor na relação sexual e o vaginismo que é um reflexo de defesa da musculatura pélvica. Nele a penetração fica impossibilitada, dificultando o coito e até o exame ginecológico.           

As mulheres apresentam maior variação nas reações psicológicas à sua incapacidade para responder a estimulação sexual. Existem algumas que suportam calmamente a situação sexual de não se excitarem, e até se distraem durante o ato, para satisfazer o parceiro e acabar logo com aquilo. Por outro lado, isso pode lhes causar profunda frustração.           

Para Rangé (2001), ao tratar disfunções sexuais femininas devemos englobar seus afetos, pensamentos e comportamentos, avaliando-os a sua desinformação sobre o próprio corpo. Os tabus morais devem ser trabalhados através de um processo de desenvolvimento de sua atração, estimulação adequada, função sexual, para que ela reformule suas convicções a respeito do ato sexual, amplie seus conhecimentos sobre o assunto e compreenda o que ocorre de errado na sua relação com si mesmo e com seu parceiro.   3. DISCUSSÃO           

Conforme a pesquisa realizada foi possível conhecer um pouco mais sobre o desenvolvimento histórico da sexualidade feminina.  As questões da educação e da identidade sexual passaram por diversas mudanças, que vão desde a visão do sexo como algo natural, passa pela visão do sexo como algo proibido e pecaminoso quando utilizado como forma de obtenção de prazer, devendo este ser exclusivo para a procriação até os dias mais atuais. Nesse sentido, incentiva a mulher a exigir que seus desejos e fantasias sejam atendidos e até cobra-lhe um bom desempenho sexual.           

Heilborn (2006) nos coloca que é normal que condutas aceitas em determinados períodos não seja em outro. A sociedade, de acordo com o momento histórico que vivencia, traz a tona modos de se vestir, de se comportar, regras de educação e interditos sobre diversos aspectos que passam a ser valorizados e são introduzidos no comportamento dos indivíduos como verdade a ser seguida.            

Em um processo histórico de evolução também é possível perceber que determinados comportamentos, modas, regras, entre outros, existem, param de existir e novamente retornam a ser costume, adaptadas ao período em que se encontram.             A sexualidade feminina passou por um forte período de repressão na época da inquisição.

As mulheres eram vistas como “coisa do demônio” e sofreram severas punições por acreditarem que realizavam bruxarias, pagando muitas delas com a própria vida. Inicia-se então a visão de sexo como algo pecaminoso. E, com estes feitos, a noção de pecado evolui – se antes a interdição do prazer trazia males a consciência, agora traz também para o próprio corpo.      

Com a revolução industrial e conseqüente entrada da mulher no mercado de trabalho esta ganha autonomia financeira e a renda do marido deixa de ser exclusividade. Movimentos feministas surgem e inicia-se um período em que a mulher ganha espaço e passa a reivindicar seus direitos de igualdade para com o homem. Contudo, reivindica também a sua liberdade sexual e seus direitos de usufruir do prazer sexual. O momento histórico permite e caminha para um novo tempo – o da desrepressão.           

Se antes a sociedade reprimia a sexualidade da mulher inicia-se um momento de incentivo ao prazer sexual desta e até uma cobrança de um bom desempenho. Este novo período emplaca e até a mídia da década de 70 introduz artigos e referências a sexualidade feminina. A masturbação feminina que antes inexistia em textos da imprensa, surge como uma forma de auto-erotismo (XAVIER FILHA, 2003).           

No entanto, apesar de todo o período de desenvolvimento que sofreu a questão da sexualidade feminina, as “instituições de base” continuam a agir como antes: Bernardi (1985) nos diz que enquanto os pais não forem capazes de abandonar o antigo modelo a eles transmitido, a família continuará a ser uma cópia da sociedade, tendo como base o exercício de uma autoridade vigente. 

Para o autor, assim como a família, a escola também precisa ser ousada o suficiente para promover mudanças necessárias e ir além da explicação dos processos sexuais através de técnicas biológicas. 

Na experiência do dia a dia no consultório, vemos ainda muito presente à questão dos papéis de gênero, onde ao masculino atribui-se o trabalho externo, a responsabilidade do sustento, características como força, indepen­dência e superioridade, e, ao feminino, trabalho no lar, cuidado com a casa, os filhos e o marido, características como dependência, submissão.            

Por meio da realização desta pesquisa podemos perceber que mesmo com a ocorrência da liberação da sexualidade feminina para a busca de satisfação sem culpa, aspectos sociais e psicológicos continuam intermediando esta relação, trazendo-lhe impedimentos para um desempenho satisfatório, desempenho este que não lhe traga culpa e nem obrigação.         

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS           

Após o estudo de diversos textos sobre o tema da sexualidade feminina, através do entendimento das colocações de vários autores, estudiosos da sexualidade e com a realização deste trabalho foi possível concluir que a sexualidade feminina passou por diversas mudanças. Em um passado distante tínhamos o sexo como algo natural conforme relatos de Áries (1981). Mais adiante as mulheres sofreram com a interdição da sexualidade, com uma noção de sexo como pecado. Atualmente, a mulher no exercício da sua sexualidade, sofre por dois motivos: se de um lado há um grande incentivo, que traz consigo a idéia angustiante de prazer sexual como obrigação; por outro ainda há toda uma conjuntura histórica muito presente da repressão, onde o passado deixou marcas impressas na vivência da sexualidade, que não podem ser apagadas de uma hora para outra.            

Os dados de pesquisas revelam uma importante estatística: mais de 50% dos casos de problemas sexuais femininos que chegam aos consultórios são derivados de problemas psicológicos, e não problemas físicos/orgânicos como fosse de se esperar.            

O estudo de material sobre a sexualidade nos revela que as instituições de base pouco evoluíram no sentido de modernizar suas crenças e costumes, e que o passado ainda permanece arraigado trazendo conseqüências para o avanço da prática sexual feminina satisfatória. Se, de um lado evoluímos em pesquisas e estudos, de outro a família, a igreja e a escola continuam contribuindo com uma visão do sexo como pecado, proibido e inescrupuloso – isso quando o sexo envolve a mulher.             

Espera-se que este trabalho contribua com os profissionais que atuam na área da saúde mental, despertando-os para o estudo da sexualidade feminina e das disfunções sexuais que permeiam o universo feminino e impede que esta exerça uma sexualidade plena, livre de culpa, medo, vergonha e de disfunções de ordem psicológica, principalmente.

5. REFERÊNCIASABDO,

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