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Políticas Públicas de Saúde Mental e o Lugar do Louco na Sociedade (1)

Resumo: Neste artigo discute-se de que forma o portador de sofrimento psíquico foi ganhando seu lugar como sujeito de direitos. O "louco" foi durante anos tratado de forma institucionalizada, era lhe tirado o direito de liberdade e cidadania. Hoje, objetiva-se uma reinserção social destes sujeitos, buscando na intersetorialidade cuidados mais humanos e adequados à
aqueles outrora denominados loucos. Pretende-se contribuir através de uma reflexão teórico crítica, a fim de manter o debate e preocupação acerca desta temática.

Palavras Chave: desinstitucionalização, loucura, cuidado

Considerações Iniciais

Durante muito tempo, pessoas portadoras de sofrimento psíquico eram rotuladas como perigosas e incapazes de estabelecer padrões de comportamentos socialmente desejáveis. Toda a gama de estereótipos que atualmente ainda são dirigidos aos
loucos tem uma explicação e um motivo. A maneira com a qual se trabalhou a questão da loucura ao longo da história nos mostra uma condição de exclusão, medo e institucionalização.

Este artigo objetiva uma melhor compreensão de algumas estratégias realizadas pela sociedade ao longo da história para trabalhar com a loucura, e ver-se-á como as intervenções às pessoas com sofrimento psíquico são realizadas atualmente e a importância de políticas públicas voltadas à saúde mental.

Muito se sabe que as representações sociais da loucura ainda não foram modificadas totalmente. As pessoas ainda pensam que o louco é um sujeito perigoso, que deve ficar preso, trancado de forma que não prejudique a integridade e saúde daqueles que se consideram normais. Também existe a crença que o portador de sofrimento psíquico é um ser incapaz de manter uma rotina em decorrência de sua enfermidade.

Contextualização do tema

De acordo com Weyler (2006, p.382) o hospital psiquiátrico funcionou, durante muito tempo como forma de cumprir uma função psíquica e também social, que se resumia a manter todos os bons habitantes da cidade são e salvos da loucura e dos seus perigos. Foi pensando no louco como um ser de lógica estranha e desumana que acabou-se institucionalizando estes sujeitos.

Esta concepção do "louco" como um ser incapaz e perigoso à sociedade é algo que está enraizada na sociedade devido à história que foi sendo construída acerca da loucura, onde o portador de sofrimento psíquico deveria ser mantido institucionalizado, longe da sociedade, pois representava perigo, causava medo e era algo que as pessoas não conseguiam suportar.

A história da loucura está muito ligada à Idade Média e à lepra. Os leprosos eram considerados os loucos daquela época e eram segregados a fim de impedir qualquer contaminação daqueles que ainda estavam com sua integridade física
preservada.  Para as pessoas daquela época, a lepra era um sofrimento que ao passo que castigava, também purificava o pecador (FRAYZE-PEREIRA, 1985, p.50). Com as cruzadas ocorre o fim da lepra (por volta de 1200) e agora os loucos são "substituídos", começam a ser segregados as pessoas pobres, os vagabundo e as "cabeças alienadas".

Durante o renascimento o louco era representado por delatores, bêbados, devassos adúlteros, etc. e a medida encontrada para a sociedade se livrar da loucura foi através da criação da Nau dos Loucos que consistia em uma embarcação que navegava sem destino. A água do mar simbolizava aquilo que iria purificá-los. No decorrer do século XVII a loucura abandona definitivamente a Nau e se fixa no Hospital Geral, que eram na verdade prisões, os quartos eram celas e não havia tratamento médico. Quem determinava o internamento eram os juízes, os reis e a polícia.

O primeiro Hospital Geral surgiu em Paris no ano de 1656 tendo como mote, o recolhimento de todos os pobres da cidade (FRAYZE-PEREIRA, 1985, p.62). Os Hospitais Gerais não tinha caráter médico, era uma medida de exclusão social. Estes hospitais tinham a finalidade de "ajudar" e punir. Além dos pobres, também eram internados os alquimistas, suicidas, blasfemadores portadores de doenças venéreas, etc.

No século
XVIII os Hospitais Gerais se localizavam dentro das cidades e as pessoas "normais" começam a temer que o mal das casas de internação se espalhasse pela cidade. Somente a partir do final do século XVIII a loucura passa a ter um status de doença. Neste mesmo século surgem os asilos, com médicos psiquiatras. Agora, as instituições eram exclusivas para os "loucos" e o poder de internação cabia a qualquer pessoa.

O fato de a doença mental ter sido reconhecida, não significa que os portadores de sofrimento psíquico tiveram um tratamento adequado. Durante séculos, os tratamentos para a "cura da loucura" se resumiam a experimentos animalescos tal como, furos no crânio (séc. V a.C.), afogamento (por volta de 1828), lobotomia (por volta de 1936), eletrochoque (por volta de 1938) e muitas outras formas de tratamento completamente desumanas.

Hoje existe um movimento pelos direitos dos pacientes psiquiátricos no Brasil. Busca-se um resgate daqueles que foram outrora institucionalizados, objetivando um retorno à sociedade e aos seus pares. Desinstitucionalização é um trabalho
terapêutico, voltado para a reconstituição das pessoas enquanto sujeitos que sofrem (ROTELLI 1990 apud MELLO 2010). Este movimento é de grande importância, pois permite ao portador de sofrimento psíquico um tratamento adequado sem que ele seja retirado de seu meio social.

Conforme Mello (2010) foi nos anos 70 e 80 que iniciam as mudanças na esfera da saúde mental e existem alguns pressupostos desta mudança que se encontram alicerçadas em quatro pontos principais: inclusão social, intersetorialidade, integralidade e o exercício pleno da cidadania.

A inclusão social nos remete ao passado e relembrar que, se antes a loucura era tratada no isolamento, agora o sujeito portador de sofrimento mental é cuidado em seu próprio meio social, não sendo privado de sua liberdade.

Outro ponto é a intersetorialidade que tem como mote uma interlocução entre os diferentes ramos do saber para um melhor atendimento ao sujeito, afinal, não é só uma profissão que dá conta da saúde mental. Esta tarefa é difícil e também
existe certa dificuldade em tecer esta rede, pois há uma demanda muito grande de serviço, o espaço físico geralmente é inadequado e também a dificuldade na comunicação com outras áreas de conhecimento é complicada.

Se agora o sujeito é tratado em seu meio, faz-se necessário tecer uma rede de cuidado a este paciente e por isso a importância da integralidade, ou seja, uma proteção integral ao sujeito, de forma que este possa circular em seu meio seguramente e sem preconceitos.

Até há alguns anos, o hospital psiquiátrico era visto como o único lugar que podia oferecer tratamentos aos portadores de sofrimento psíquico e desta forma era tirado dos "loucos" o direito de sua cidadania. Com isso outro ponto importante é que o portador de sofrimento psíquico tenha a garantia do exercício pleno da sua cidadania, que possa ir e vir em seu espaço público.

Segundo Salles (2006, p. 414) o doente é muitas vezes estigmatizado por sua família ou pessoas próximas, é visto como um incapaz e desta forma, mesmo não estando institucionalizado acaba sofrendo uma exclusão. Não se pode forçar a sociedade uma aceitação do louco, pois desta forma ele acaba sendo duplamente excluído.

Frente a isso, Weyler (2006, p.388) diz que devem ser construídos mecanismos para que não se crie uma experiência de falsa aceitação positiva do louco na sociedade. Sabe-se que o preconceito ainda existe e uma forma de combatê-lo, segundo Mello (2010) é a através da participação popular em conferências sobre saúde mental.

O Brasil de 1980 foi marcado por diversas manifestações sociais e um movimento que se destaca é o da luta antimanicomial, luta que ainda não terminou e para que a desinstitucionalização se instaure é necessário tecer uma rede de pessoas que contribuam à esta problemática. Naquele tempo, os que protestavam exigiam a construção de um novo conceito de saúde e acreditavam que em vez de tratar o sujeito de forma institucionalizada, dever-se-ia cuidar deste e tentar mantê-lo com sua família e seus pares. Com esta luta não se objetiva tirar o sujeito da sociedade, tal como acontecia há alguns poucos anos, mas sim dar um lugar a ele e isso se faz alterando o método terapêutico, em vez de excluir o sujeito, incluí-lo na sociedade.

Existindo uma readequação do método terapêutico, pode-se observar que nas clínicas pós reforma psiquiátrica existe um trabalho diferente ao paciente portador de sofrimento psíquico: existe um cuidado maior nas situações de sofrimento, há um protagonismo dos usuários e também há um trabalho em equipe, pois só na multiprofissionalidade que se tem melhores resultados.

Sendo que se ainda se busca uma desinstitucionalização das pessoas portadoras de sofrimento psíquico, após a saída dos hospitais psiquiátricos, algum lugar de referência elas devem ter. Não se pode simplesmente libertá-las, não lhes garantindo mais nenhum tipo de atenção à sua saúde. Com o objetivo de fornecer um atendimento clínico diferenciado e de reinserção social foram criados os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS.

Existem diferentes tipos de CAPS que variam de acordo com o número de habitantes de uma cidade ou do tipo de projeto que esta apresenta. Segundo o portal do Ministério da Saúde (s.d.), o CAPS I é um serviço de atendimento aos adultos com transtornos mentais mais severos e persistentes, é adequado a municípios que possuam uma população entre 20 e 70 mil habitantes. O CAPS II é importante para municípios com uma população superior a 70 mil habitantes e também atende diariamente adultos com transtornos mentais severos e persistentes. O CAPS III garante atendimento em todos os dias
da semana e se encontra aberto 24 horas, é um equipamento importante nas grandes cidades.

Além destas modalidades de CAPS citados acima, também existem, segundo o portal do Ministério da Saúde (s.d.), os CAPS i que são voltados para a infância e a adolescência, os atendimentos também são diários à pacientes com transtornos mentais. E os CAPS ad estão voltados ao atendimento de usuários de álcool e drogas, o atendimento é diário à população com transtornos decorrentes da utilização de tais substâncias.

Em relação aos objetivos do CAPS, observa-se que o sujeito que antes era institucionalizado e privado do convívio social devido à suas enfermidades, agora pode exercer seu direito de cidadania e contar com o apoio de profissionais qualificados a fim de promover uma melhora neste sujeito.

Considerações finais

A história de como a loucura foi ganhando um rótulo de violência, medo e maldade, nos mostra que não é de hoje que os doentes mentais são discriminados e tratados como seres não humanos ou desprovidos de sentimentos. É com muita luta
que se tenta uma desinstitucionalização definitiva sem mais internamentos, e possibilitando um convívio social e o cuidado necessário a estes sujeitos.

Observa-se demasiado investimento por parte do governo na luta contra a institucionalização de sujeitos portadores de algum sofrimento psíquico e vale pensar o quanto estas pessoas ganharam com sua reinserção na sociedade. Afinal, o homem é um ser livre e social, não se pode tirar o direito de liberdade daqueles que sofrem e estão constituídos psiquicamente de forma diferente da nossa.

Referências 

BRASIL. Ministério da Saúde. Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
Disponível em: <http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/topicos/topico_det.php?co_topico=313&letra=C>.
Acesso em: 24 nov. 2010

FRAYZE-PEREIRA, João. O que é loucura. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 1985.

FURASTÉ, Pedro Augusto. Normas Técnicas Para o Trabalho Cientifico: Explicitação das Normas da ABNT. 15. ed. Porto Alegre: Dáctilo-Plus, 2009.

MELLO, Vânia Roseli Correa. Políticas Públicas de Saúde Mental. Santa Rosa, UNIJUÍ, 19 nov. 2010. Palestra concedida aos alunos de graduação e pós-graduação da Unijuí.

SALES, Mione Apolinario; MATOS, Maurílio Castro de; LEAL, Maria Cristina (ORGs). Política Social, Família e Juventude: Uma Questão de Direitos. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2006.

WEYLER, Audrey Rossi. O hospício e a cidade: novas possibilidades de circulação do louco. Imaginário, São Paulo. a.12, n.13, p. 381-395, jul/dez 2006.

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[1] Artigo apresentado à disciplina de Psicologia Social, ministrada pela
Professora Mestre Flávia Flach, no ano de 2010.
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