Artigo desenvolvido pelos profissionais Roberto Calazans e Rosane Zétola Lustoza objetivou avaliar a proposta da medicina baseada em evidências, (metodologia esta recente e que pretende organizar o campo da clínica médica) criticando a extensão abusiva de tal modelo em relação ao campo das psicoterapias e da psicanálise.
O campo do sofrimento psíquico pode se beneficiar dos métodos da medicina baseada em evidências? Tal pergunta fora utilizada pelos autores como ideia norteadora do artigo.
A medicina baseada em evidências pressupõe que uma metodologia com pretensões de cientificidade poderia auxiliar a ordenar a ordenar o campo da clínica do sofrimento psíquico, presumindo que o campo das psicopatologias não é científico porém deveria sê-lo e que as situações deveriam caminhar sempre nessa direção; Os autores apontam que a crítica do artigo se volta a sua aplicação no campo da psicopatologia e não à medicina baseada em evidências em si.
Por definição a medicina baseada em evidencias é uma tentativa de objetivar, ao modo positivista, a medicina e baseando-a principalmente na chamada meta-análise – procedimento de pesquisa no qual se tenta extrair informações de dados existentes e publicados em diversos trabalhos por meio da aplicação de técnicas estatísticas; Em relação à psicoterapia, a Associação Americana de Psicologia postulou que a psicoterapia baseada em evidências não deve ter nenhuma orientação teórica mas sim que deve se sustentar em evidências objetivas e cientificamente comprovadas, atendendo critérios previamente estabelecidos.
O artigo apresenta um caso onde os procedimentos da medicina baseada em evidências foram aplicados na psiquiatria; Com a análise do caso, percebeu-se não só um reordenamento dos processos diagnósticos e do uso dos medicamentos mas também em relação ao campo da assistência ao sofrimento psíquico, mudanças estas em função da medicina baseada em evidências.
Os autores se utilizaram da psicanálise (prática não baseada em evidências) para interrogar a validade da transposição do modelo da medicina baseada em evidências para o campo do sofrimento psíquico; Analisando os modelos psicanalíticos estabelecidos por Freud e Lacan e os fundamentos da teoria psicanalítica como um todo, o artigo afirma que em relação à psicoterapia e a psiquiatria a medicina baseada em evidencias não se preocupa com os sintomas, buscando na realidade externa a causa, dispensando ao sujeito a oportunidade de conhecer a si mesmo; Com isso, acentua a miséria do sujeito ao favorecer seu desconhecimento de si, fazendo com que o mesmo não entenda o descompasso experimentado pelo sujeito humano.
A perspectiva psicanalítica vê o sintoma como um esforço de negar a divisão subjetiva e, portanto, essa é a única maneira (de acordo com os autores) adequada de colocar o problema do sofrimento psíquico e enquanto isso for ignorado, não se poderá encontrar uma solução verdadeira para tal sofrimento; O artigo pontua que a medicina baseada em evidências, quando relacionada ao sofrimento psíquico, desconsidera totalmente o sentido do problema que está se lidando e leva a uma solução não real do mesmo.
Concluindo, os autores apontam que a psiquiatria que se vale da metodologia da medicina baseada em evidências corre o risco de retomar a posição que ocupava no século XIX: mimetizando imaginariamente procedimentos médicos tentando ter a aprovação através de um discurso científico; O artigo finaliza pontuando que a clínica das psicopatologias deve buscar a causa pela via da palavra e não por um suposto fato objetivo e, deste modo, a transposição de uma prática metodológica advinda de um campo específica de problemas (a medicina) para o campo do sofrimento psíquico é equivocada.
CALAZANS, Roberto; LUSTOZA, Rosane Zétola. Sintoma psíquico e medicina baseada em evidências. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro, v. 64, n. 1, abr. 2012 . Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672012000100003&lng=pt&nrm=iso. acessos em 20 jul. 2012.