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Além do aqui agora

Sentimo-nos deslizar pelo tempo, isto é, podemos pensar que passamos do futuro para o passado, ou do passado para o futuro, mas não há um momento em que possamos dizer ao tempo: “Detém-te, és tão belo”, como dizia Goethe.

Jorge Luís Borges

“O melhor lugar do mundo é aqui e agora”, diz a canção popular. Ao lado do realismo otimista, se é que se pode falar assim, a frase expressa um pouco do espírito do nosso tempo: nossa incapacidade de reter o passado e projetar o futuro. Se não se pode modificar o que se foi, nem agir sobre o que virá, só nos resta mesmo o aqui e agora. Mas alguém já disse, Sartre ou Merleau-Ponty, que o tempo não pode ser apenas uma sucessão de agoras. Fosse assim não seriam possíveis a linguagem e a cultura: presos no momento, ouviríamos apenas o último fonema pronunciado, que não teríamos como articular com o que foi dito e com as palavras seguintes. O mesmo ocorre com a música, que para nós soaria como notas isoladas – uma de cada vez – sem conexão com as anteriores e sem antecipar as seguintes, tornando impossível a percepção da melodia. Se isso vale para o tempo imediato, da melodia e da fala, por que não valeria também para o tempo da existência? Caso o passado persistisse apenas como memória, não haveria razão para que os parentes nos visitassem no final de semana, nem para que desejássemos revisitar o túmulo de alguém que já não vive, nosso pai ou amigo. O passo dado agora é tributário de todos os anteriores, e remete a um futuro que nos apela à distância. Integradas no momento, as três dimensões do tempo coexistem com o vigor das coisas realmente presentes.

Humberto de Almeida
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